O que é arte. Primeira parte: Organização

Você é organizado? Caso não seja sabe como é ruim. Conheço gente que passa meia hora todo dia procurando as chaves de casa. Imagina começar o dia com a agenda cheia e na hora de sair de casa já ter o estresse de ter que procurar a chave. Se ela todo dia perde a chave por que não corrigir, por que não passa a guardá-las sempre no mesmo lugar? Talvez o exemplo das chaves seja meio drástico. Mas repare que o exemplo vale para tudo: deixar o quarto arrumado, a louça limpa, é tudo mais fácil se mantido em ordem.

Depois de tirar cem fotos o que você faz? As deixa em uma pasta junto a outras no seu computador, cada uma com centenas de fotos? Você vai conseguir achar a foto que você quer depois? Quando precisar de uma foto da sua ex namorada, vai saber em que pasta está? Vai procurar uma a uma dentre as milhares que tirou? Ou você deixa para procurar depois, um depois que nunca chegará?

Organização é importantíssima, mas uma coisa louca é que algo pode estar organizada aos olhos de alguém mas não estar organizado aos olhos de outra pessoa. Talvez o seu escritório esteja aparentemente desorganizado e mesmo assim você consegue achar tudo nele. Passa alguém bem intencionado (eu tinha uma chefe que fazia isto, acredita?), arruma tudo e você passa a demorar preciosos minutos procurando o que quer.

Posso organizar um álbum familiar de modo a contemplar todos os descendentes dos meus avós e seus cônjuges. O primeiro critério (ou regra) é contemplar meus tios, meus pais, meus primos, os filhos dos meus primos.... A segunda regra que me imponho ao elaborar este álbum é o de selecionar as fotos em que as pessoas saem mais bonitas, a terceira regra é selecionar fotos mais parecidas com a imagem que tenho de cada parente (então um primo que não vejo há anos terá uma foto de quando criança)... posso colocar quantas regras eu quiser para a minha organização. E – acredite ou não – ao fazer qualquer coisa você segue uma série de critérios (ou regras). A coisa mais difícil para nós (humanos) é simular uma ação aleatória. Os fraldários que o digam, este é um modo bem comum de encontrar fraudes, ver que há padrões (regras) onde se esperaria aleatoriedade.

Pois bem. Suponha que alguém em um país e época distante ache meu álbum. Será que quem o encontrou vai identificar alguma organização nele? Será que ele vai reconstituir meus critérios? Nada no álbum indica que ele foi montado por apenas uma pessoa. Talvez tenha sido elaborado por uma firma com os quadros de seus funcionários. Talvez o álbum fosse um utensílio para uma peça de teatro. O caso é que quanto mais familiar for a pessoa à minha cultura mais chance ela terá de especular acertadamente as regras que orientaram as minhas escolhas das fotos. Ou seja, quanto mais familiar a pessoa for à minha cultura mais terá chance de entender o que é o álbum para mim. Se a pessoa que achou tiver muita intimidade ela poderá identificar muito acertadamente o que o album é para mim (ou seja, as regras que usei para fazer o álbum). Talvez uma namorada tenha chance de entendê-lo muito profundamente. Mas só eu passei exatamente pelas minhas experiências, só eu compartilho comigo mesmo exatamente o que o álbum é para mim mesmo. Provavelmente a maior parte das regras que sigo ao fazer o álbum sigo absolutamente inconscientemente. Por exemplo, por que colocar o álbum em páginas e não em um rolo (como eram os pergaminhos)? Hoje é perfeitamente possível fazer isto sem prejuízo para as fotos. Ou por que as coloquei em pé e não de lado?

Existem, é claro, situações em que as regras são menos pessoais. Caso eu seja funcionário de uma firma posso guardar os documentos em ordem alfabética. Se uma outra pessoa alfabetizada apenas em mandarim buscar qualquer arquivo ela terá sérias dificuldades em encontrá-lo. Entretanto uma pessoa alfabetizada em português que saiba que as pastas estão em ordem alfabética terá tanta facilidade quanto quem organizou originalmente para encontrar um documento. Diferentemente do caso dos álbuns (em que a minha organização é altamente subjetiva) as regras do ordenamento alfabético são muito bem definidas (são altamente intersubjetivas).

E sabe o que é mais louco? A organização não é necessária apenas para a gente encontrar uma pasta, uma foto, uma música em um HD. A organização é importante para encontrarmos algo muito mais importante também! Imagine um detetive. Ele está investigando minuciosamente um assassinato. Imagine que ele tem todas as provas, todas as evidências, o motivo do crime, sabe o nome da vítima e do algoz. Nada disso é suficiente sem uma organização com a qual ele possa concatenar todas as evidências. Sem esta organização (a qual podemos chamar de tese) tudo será apenas um emaranhado de fatos sem significado algum. O que quero dizer é: a organização serve mais do que para acharmos um item (como uma chave) que procuramos. A organização serve para acharmos sentido nas coisas.

E então caros leitores? É muito forte para vocês a afirmação de que organização é um sistema de regras e que o entendimento da organização por uma segunda pessoa se dá na medida em que esta segunda pessoa apreende as regras? Você acha que estou indo longe demais chamando de organização o sistema de crenças a partir do qual damos sentidos às coisas? Ou você está familiarizado com estas ideias e estou chovendo no molhado, independentemente da terminologia que uso? Bem... Meu plano é esmiuçar as ideias que joguei aqui. A partir delas definirei.... tcham, tcham, tcham.... definirei o que é arte. Eu sei, é arrogante, né? O bom de escrever para a internet é que por mais que eu queira que o texto tenha repercussão na verdade estou escrevendo para mim mesmo. Você certamente não vai me demitir por não gostar da minha ousadia : P