O que é arte. Parte três – Caminhão Vazio

Este é o terceiro texto de uma série que culminará na definição de arte. Engraçado é que uso poucos autores para me embasar e o autor que mais tenho em mente ao escrever e o que me inspirou a definir arte diz em um ensaio que a pergunta ‘O que é arte?’ provavelmente é uma pergunta errada pois leva à procura por caminhos sem saída. Seu o palpite de que a pergunta correta é, ‘Quando há arte.’ Assim o objetivo do filósofo deixaria de ser elencar as condições suficientes e necessárias para definir arte, passaria a ser a procura pelos sintomas da arte. Nelson Goodman faz uma investigação minuciosa tentando encontrar o que há de comum e o que há de diferente em cada forma de arte. O trabalho é exaustivo, imagine tentar comparar uma obra de dança com um quadro ou com um filme? Enquanto faz este tipo de trabalho ele me abriu os olhos diversas vezes e digo tranquilamente que hoje muito do que enxergo é através das lentes que ele me ofereceu. Mesmo este autor tão inteligente ao fim de uma investigação minuciosa desiste de definir arte, passa a intuir que isto não é possível e sugere outro caminho. Eu, da baixeza da minha insignificância defino arte... Fico um pouco envergonhado pelo meu atrevimento. Assim como em outros ensaios gostaria de começar este contando uma estorinha:

Era uma vez um país muito, muito próximo em uma época muito muito próxima. Neste país havia um remédio que era acompanhado de uma bula. Da bula constava a posologia, efeitos colaterais, indicações. Gostou da história? É uma história real ; ) A questão que se coloca é: Esta bula é arte? O que você acha? A minha intuição diz que não é arte, que uma bula comum, igual a todas as outras (com tudo padronizado: tamanho de letra, cor, posologia, efeitos colaterais....) não é arte! Eita! Peraí! Mas esta bula não era como qualquer outra! O país ao qual o remédio se destina tem parcela da população analfabeta ou semi analfabeta! De modo que esta bula de remédios têm uma característica especial: ele é feito para quem não sabe ler! Ao invés de letras a bula se vale de símbolos e desenhos. E o pior (ou melhor) é a primeira bula para analfabetos já feita! Os símbolos e desenhos (assim como sua articulação, sua sintaxe, por assim dizer) são originais. E agora? Será que esta bula vai funcionar, vai comunicar com eficiência aos analfabetos? E o mais importante: esta bula é arte? Ficou na dúvida se é ou não arte? Ainda acha que não é arte?

Esta historinha (da bula para analfabetos) , se tudo der certo, se tornará uma história real. A bula para analfabetos acompanhará remédios distribuídos à população analfabeta. Ambicioso o projeto, né? Será que ele vai comunicar bem à população? Tomara, mas para nossa discussão apenas o que importa é: quando a bula é arte, quando não é? E se o país para o qual a bula desenhada fosse um país fictício e se a bula fosse criada apenas para uma peça de teatro? Seria arte? Acho que neste terceiro caso poucas pessoas diriam que não é.*

Reparem, estas três historinhas (primeiro a da bula convencional, segundo a da bula desenhada para uma população de analfabetos e terceiro a da bula desenhada destinada ao uso em uma peça de teatro) tem algo em comum. Em todas elas o a posologia, efeitos colaterais e o conteúdo de forma geral são os mesmos. Entretanto em um extremo (da bula convencional) temos bastante certeza de que não há arte. No outro extremo temos bastante certeza de que a bula é arte. Esta estorinha chama atenção para uma perspectiva incrível levantada (sem muita convicção) por Goodman em ‘Linguagens da Arte’: A arte está no veículo, não no conteúdo. Não importa se a obra carrega um conteúdo denso e tem muito esforço em transmiti-lo (como no caso de um documentário) ou se não há conteúdo algum (como em uma música instrumental). O que importa é o veículo. Não importa se ele está cheio ou não. Não importa se o que carrega é cimento ou equipamento eletrônico ou se anda vazio. O que importa para a arte é o veículo.

E aí, vocês estão satisfeitos? Acham que não dei os elementos necessários para que possam julgar se a bula é arte em cada um dos casos? Bem, se arguirem isto concordarei completamente, não dei mesmo. Ainda está cedo para mostrar onde está a arte. Meu objetivo aqui é mostrar onde a arte não está: No conteúdo.

Espero que estejam gostando dos meus breves ensaiozinhos. Os faço assim porque suponho de leitura mais gostosa : )

* Como mostrarei a experiência artística é extremamente pessoal e algo que propicie a experiência artística para alguém pode não proporcionar a outra pessoa. Mas a fim de simplificar a escrita e tornar o texto mais agradável ignorarei este preciosismo por enquanto, ok? Perdoem-me.