Abordagem histórica da “Poética” de Aristóteles sob as perspectivas do Estruturalismo e do Formalismo Russo.

Observar-se-á, analiticamente, que, os formalistas russos com atividade limitada ao percurso de 1914 a 1930, não consideravam teoricamente a literatura como objeto da ciência literária, e sim a “literariedade”, conceito que o eminente Roman Jakobson notoriamente define em 1921 da seguinte maneira: “Quer dizer aquilo que faz uma dada obra uma obra literária, (Jakobson, 1973: 15). Notar-se-á que outras afirmações de Jakobson atribuíam, em princípio, ao próprio leitor a tarefa de decidir se um texto deve ser considerado literário, as suas investigações – e as de outros formalistas russos – concentram-se, em primeiro lugar, sobre os elementos textuais, sobre as relações mútuas destes últimos e sobre a função que desempenham no conjunto do texto.

É talvez neste ponto que reside um dos grandes méritos dos formalistas. Desenvolveram métodos para visivelmente distinguir os elementos textuais e a sua função. Analisaram profundissimamente os elementos constitutivos dos textos literários, como, por exemplo, o metro, a rima, e outras estruturas prosódicas, o motivo e a motivação, a fábula (a ação representada no seu desenvolvimento cronológico e as suas relações causais) e (a estrutura narrativa tal como está organizada no texto); finalmente, e talvez seja a sua contribuição essencial. Começaram a elaborar uma metalinguagem para a ciência da literatura, utilizando de uma forma coerente termos como processo, fator, princípio construtivo, função, oposição, dominante, sistema, estrutura, série, de formação, automatização, etc.

Verificar-se-á, deveras e de fato, logo nas primeiras páginas da Poética de Aristóteles, que o referido autor já vislumbrara esta sequencialidade metodológica para composição do texto literário. Propusera, para a elaboração da obra literária, elementos que se entrelaçassem no seu bojo. O metro, objeto analítico dos formalistas fora elemento característico do texto literário para Aristóteles. Tomemos como exemplo, quando o autor assim o diz: “Aconteceu denominarem-se a uns de poetas “elegíacos”, a outros “poetas épicos”, designando-os assim, não pela imitação praticada, mas unicamente pelo metro usado” (Aristóteles, 1999: 13). Inferir-se-á que, visivelmente para os formalistas, o metro, a rima, etc; caracterizavam alguns textos literários. Outrossim, Aristóteles, deixará sobressaindo por entre as entrelinhas que há uma preocupação rigorosa quanto ao objeto literário. Há, entendido uma diferenciação analítica dos gêneros artísticos pela inferência aristotélica; sentir-se-á que, para o mencionado autor, o interesse deste é pelo objeto em si, em suas manifestações anteriores como comportamentos inerentes de sua existência. Assemelhar-se-ão, a este, os formalistas russos, para os quais, o signo era o único interesse que havia para esta “escola de arte”. O referente, isto é, o destinatário não era importante para o formalismo; mas tão somente a obra de arte, eis que o único objeto de seu observatório analítico formalista assim o predizia. Vilibisar-se-á que Aristóteles ao analisar detalhadamente o corpo espiritual da poesia sedimentava com maestria os fundamentos teórico-analíticos da poesia que viriam a ser bases de estudo de todos os seus subsequentes. Seus estudos serviam de alicerce de certa forma para construir a academia do Formalismo Russo. Para os formalistas, o corpo literário possui os seus próprios métodos científicos. Obviamente que, não apregoaram uma rigorosidade metódica para construção de qualquer gênero literário, mas vislumbravam na arquitetura do texto sua própria anatomia científica, notoriamente, o que Aristóteles descortinou na “Poética” pela analiticidade dissertativa de sua pena. Há na análise de Aristóteles sobre a “Poética” a retrogradação da formação histórica do gênero da poesia, contemplar-se-á, uma visão voltada aos fatos que compõem os gêneros literários tal como o são.

Concomitantemente, os formalistas rememoraram esta ótica, eis que, propuseram na autonomia e concretude da literatura, enquanto ciência; uma formação científica desvinculada de métodos alheios. Mas com os seus internamente. O formalismo, assim como o estruturalismo não contemplavam o referente, mas, apenas a formação da obra literária com seus fenômenos fáticos abordados por ela mesma, dimensionando seus princípios, intrinsecamente, como o menciona B. Eikbembaun “O método formal chamou atenção sobre si e tornou-se um problema atual, não certamente devido às suas particularidades metodológicas, mas em razão de sua atitude em relação à interpretação e ao estudo da arte”. (B. Eikbembaun, 1999: 6). O estudo das particularidades específicas dos objetos literários é o foco principal e norteador da ciência literária. Na “Poética” Aristóteles, descreve perfeitamente toda estrutura interna da comédia e da tragédia, privilegiando os elementos constitutivos destas, e, notoriamente os fatos desenvolvidos pela conjuntura de seus elementos na integração simetricamente perfeita dos fatos das obras de arte. Segundo afirma: A. Vessolovski “que a literatura é res nullus por si mesma.” Durante a primeira fase do formalismo russo (mais dominante, o texto literário era considerado um dado alheio da posição do leitor e isolado do contexto da história literária de que fazia parte.

Na Poética, vê-se, que, a arte, o ato de percepção é um fim em si mesmo, e por isso é fecundo tudo o que contribui para torná-lo mais perfeito e para prolongá-lo na leitura. A escolha dos elementos lexicais, a disposição dos vocábulos, as associações semânticas, as variações rítmicas, tudo na linguagem poética tende para anular o automatismo da percepção. Fora no processo de singularização que a exterioridade da linguagem poética teve mais vigoramento a partir, de uma perspectiva do próprio espírito da linguagem poética. Roman Jakobson procurou estabelecer a essência da “literariedade” a partir de uma estrita análise do instrumento utilizado pelo escritor. Outrossim, que, Aristóteles já o fizera na “Poética”. Por outro lado, Jakobson esforça-se, sobretudo, por distinguir cuidadosamente a linguagem poética da linguagem informativa e da linguagem emotiva com a qual aquela era muito erroneamente identificada: O traço distintivo da poesia reside no fato de que, ela, uma palavra é percebida como uma palavra e não meramente como um mandatário dos objetos denotados, nem como a explosão de uma emoção; reside no fato de que, nela, as palavras e o seu arranjo, os seus significados, a sua forma externa e interna, adquirem peso e valor por si próprio. As cogitações de Aristóteles sobre os elementos característicos e formadores, tanto da comédia, quanto da tragédia foram preocupações basilares dos formalistas.

Apesar de haver um tempo profundamente distante que separam as duas correntes de pensamento. O primeiro filho da antiguidade clássica, os segundos advindos da modernidade, mas há em ambas as observações conexas do laborar literário. A sequencialidade de elementos. Como, por exemplo, a ação, o mito, a peripécia, a catástrofe, o reconhecimento, o infortúnio, o maravilhoso, o nó, o desenlace. Inferir-se-á que, a ciência da literatura deve estudar a “literariedade”, isto é, o que confere a uma obra a sua qualidade literária, aquilo que constitui o conjunto dos traços distintivos do objeto literário. Este princípio fundamental das suas doutrinas conduziu logicamente os formalistas a tarefa de definir os caracteres específicos do fato literário. Toda Poética de Aristóteles remete-nos a uma reflexão crítica da estrutura do texto literário (Aristóteles, 1999: 128). O refletir internamente os organismos do corpo literário leva-nos a concluir criticamente que, de certa forma, os formalistas assim procederam, pois o formalismo russo pretendeu, em primeiro lugar, conferir à crítica literária uma natureza bem definida, atribuindo-lhe um objeto de análise bem especificado e um método próprio. Tynianov, que a explica em seus artigos relativos à história literária: o Fato Libertário “1924” Da Evolução Literária (1927). Tynianov rejeita a possibilidade definir de uma forma abstrata o conceito de literatura: a existência de um fato libertário depende de sua qualidade referencial (ou seja, da sua correlação com a série literária ou com a série extraliterária), ou, por outras palavras, da sua função.

Em Aristóteles, na “Poética” verificar-se-á logo nas “exortações ao poeta trágico. Os episódios na tragédia e na epopéia”. (Aristóteles, 1999: 127). Eis que, tanto na tragédia, quanto na comédia há na primeira, uma grandiosidade narrativa, já na segunda, uma vulgaridade singular que a caracteriza da primeira, haja vista que Tynianov retoma a função dos fatos e das ações da obra literária para, em suma, sequenciar sua lógica desenvolvimentista na construção espiritual do texto literário. Tese, que Aristóteles apregoara na “Poética”, mas que os formalistas russos retomaram na posteridade. Observa-se-á que, a tradição dos formalistas russos sobreviveu na Checoslováquia através do Círculo Linguístico de Praga (1926-1948), no qual Romam Jakobson e Nicolaï Troubetzoy, abandonando a Rússia, desempenharam um papel de suma importância no movimento revolucionário artístico-literário. O Círculo impulsionou fortemente o desenvolvimento do estruturalismo, sobretudo no campo da ciência literária. Tanto Mukarovisky, Felix Vodicka e Tynianov, inseriram o texto literário no contexto da história literária e de todo o sistema cultural existente. A inovação está em definir a arte como fato semiótico, concepção que perdura até os dias de hoje. Sentir-se-á que, Mukarovisky conseguira integralizar a sua teoria da literatura no quadro mais vasto e amplo de uma teoria da comunicação orientada para um ponto de vista semiótico. Simultaneamente, retrogradaremos para Aristóteles para mergulhar na “Poética”, contemplaremos que: o texto literário é ao mesmo tempo um signo, e, uma estrutura de signos, e que, além disso, representa um valor histórico-cultural. Notar-se-á, que um texto é concebido como signo pode distinguir-se dois aspectos: o símbolo externo ou significante, que representa uma significação, e a significação representada ou significado.

Na “Poética”, Aristóteles estabeleceu uma diferença entre o texto material e o objeto estético. Na referida obra clássica Aristóteles estudou principalmente a qualidade variável do objeto estético, o objeto estético consiste numa concretização correta do texto por um leitor competente. Defendendo, por conseguinte, a possibilidade teórica de uma só concretização adequada, o que o levou a isolar o texto literário do seu contexto. As suas considerações teóricas contribuíram de fato, para justificar o princípio da interpretação imanente da obra, o que Wolfgang Qayser, e Emil Steiger tomaram na contemporaneidade, todo o arcabouço teórico aristotélico. Há um sistema na “Poética” Aristotélica. A organização de uma conjuntura de elementos. Quando na tragédia propõe a ação, verifica-se uma integralidade dos atos que vivificam a peça literária na sua própria espiritualidade, no mesmo gênero, e na mesma espécie. Logo, observaremos nas primeiras páginas estas inferências.

Aristóteles esmiúça estruturalmente todo o conjunto interno do corpo literário. A saber: “poesia é imitação. Espécies de poesia imitativa, classificada segundo meio de imitação”. Neste introito, o referido autor disserta intrinsecamente os elementos que poderão estruturar o texto literário como um todo “espécies de poesia, poesia imitativa. Classificadas segundo o objeto de imitação”. O crítico aperceber-se-á que há uma unicidade do pensamento aristotélico na amplitude de sua expressão. Na comédia: evolução do gênero. Comparação da tragédia com a epopéia. Aristóteles privilegia a arbitrariedade do signo como que o institucionalizando, no tempo e no espaço. A definição de tragédia. Partes ou elementos essenciais, o autor individualiza os elementos, mostrando suas funcionalidades existenciais na interioridade do texto. O ponto de vista de Aristóteles é nitidamente funcionalista, tanto na sua teoria quanto na análise da poesia, na movimentação prática de seus fenômenos. O eminente crítico deu pouca importância ao papel do leitor no interior do processo de intercomunicabilidade dos espectadores. Fora pouca sensível as modificações que podem sofrer, tanto a interpretação como a avaliação de um texto, no decurso da alteração das circunstâncias históricas. A visão aristotélica propõe que a arte manifesta-se por si mesma. E, cria sua própria linguagem, que pela manifestação de sua linguagem autoexplica-se, sua existência torna-se a linguagem dinamicamente em transformação.

No-lo dito, que, historicamente encontrar-se-á na “arte poética” propriamente dita de acordo com análise estruturalista - formalista, como “epopeia, poesia trágica ou comédia, não expõem um conhecimento usual (como notoriamente os fossem os tratados científicos, mesmo quando formalmente escritos em versos), mas tão somente imitam ou representam a vida em vez de reproduzi-la:”, com efeito, por menos que alguém exponha um tratado de medicina ou de história natural com ajuda de versos, as pessoas têm o costume de chamá-lo assim (poeta). Contudo, não existe nada em comum entre Homero e Empédocles, a não ser o verso: por isso, é justo chamar de poeta o primeiro e de naturalista, o segundo, não de poeta. (Aristóteles, 1999: 102). Obviamente, que não havia àquela época a noção de literatura tal qual conhecemos na atualidade. Mas, Aristóteles já indicara os primeiros critérios da Poética. A mimese do “real”, e os impactos e efeitos particularizados que esta arte ocasiona ao público.

Aristóteles não pretendera de modo algum ditar e institucionalizar as regras da elaboração literária para as gerações subsequentes. Por outro lado, baseou-se numa contemplação metódica de uma prática milenarmente verbalizada na Grécia. Historicamente, a “Poética” fora, no tempo e no espaço, o primeiro balanço crítico e a primeira definição para compreensão do fenômeno literário na sociedade: analisa com verossimilhança, certo número de obras anteriores na contemporaneidade do autor da obra, associando-as a atores diversos. A saber: [Homero, Sófocles, Esquilo, Eurípedes, Aristófanes], ao mesmo tempo destacando princípios de funcionamentos próprios a cada um dos gêneros (ou “espécies”). Não é admissível dissertar sobre Aristóteles e afirmar que este fundou uma ciência crítico-literária segundo a noção moderna que conferimos a essa. Correlativamente com Jakobson, elucidaremos o funcionamento linguístico da poesia que para Jakobson que o indagava, respondendo a seguinte questão: o que faz de uma mensagem verbal uma obra de arte? Com este proposito, Jakobson propôs uma reflexão sobre as diferentes funções da linguagem, entre as quais a função poética ocuparia uma posição crucial.

É obvio, que, da mesma maneira que as outras funções retóricas da linguagem, a função poética nos revela, pois, uma dimensionalidade intrínseca da palavra, à qual, contudo, a poesia não se reduz a uma mera expressão linguística, mas uma metalinguagem superior. Roman Jakobson postulava que é a textura de um poema que constrói sua própria gramática: escrito em colaboração C. Levi – Strauss, em 1962, o celebre comentário do soneto “Le Chats” de Charles Baudelaire faz, com veemência, uma elucidação metódica um sistema de equivalências que estruturam e organizam o sentido do poema; assim que, buscaram uma veracidade plausível para todo existir da linguagem poética como algo de superioridade que brota inerentemente dos âmbitos mais profundos da alma humana.

Nesta territorialidade da própria “linguagem poética, fora este sentido que Jakobson declarara que a verdadeira intenção dos críticos contemplava que “a poesia não consiste em acrescentar ao discurso ornamentos retóricos”: ela implica uma reavaliação total do discurso e de todos os seus componentes, quaisquer que eles sejam”. (Essis de Linguistique Générale, p.248). Entender-se-á que nas esferas do conhecimento do Funcionalismo russo e do Estruturalismo Tcheco, tentamos relacioná-los com a análise critica de Aristóteles e elucidar os fenômenos característicos desta intercomunicabilidade entre os diversos autores de tempos diferentes, mas que inter-relacionando-se linguisticamente eis que a linguagem fora objeto de estudo para os formalistas, os estruturalistas e também encontramos tal preocupação na Poética de Aristóteles, contribuindo para compreensão dos diversos gêneros de produção artístico-literário, no tempo e no espaço.

José Turflay Albuquerque
Enviado por José Turflay Albuquerque em 25/02/2014
Código do texto: T4706123
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