A literatura como entretenimento

Houve um poeta que em uma das polêmicas entrevistas que concedeu à imprensa, deixou atônitas milhares de pessoas que consideravam seu trabalho resultado do mais alto grau de idealismo e, suas crenças, uma verdadeira filosofia de vida: “Rock é entretenimento”. Agora, após a leitura das obras A Moreninha e Iracema, veio-me à lembrança esta declaração e percebo que o impasse é o mesmo: Não se deve esperar mais da Literatura do que tão somente entretenimento?

Assim como na música e em todas as outras manifestações artísticas, na literatura existem diversas formas pelas quais o autor pode transmitir a mesma mensagem, a mesma ideologia; e note-se que é praticamente impossível separar a ideologia do autor do todo de sua obra: o produto é sempre uma projeção (com diferentes níveis de representação) de suas concepções, do seu imaginário, de seus sentimentos, ainda que o narrador se esforce por dissimular sua intenção ou nos leve a pensar exatamente o oposto.

Antes de tudo, é preciso não esquecer que as duas histórias pertencem à mesma escola literária, o Romantismo. Segundo Bosi, a literatura da época tinha um propósito bastante restrito: entreter um público específico, garantindo assim a manutenção do status quo de um segmento da sociedade ávido por duas coisas: uma leitura que possibilitasse sua evasão ou que, ao contrário, espelhasse fielmente seu estilo de vida. Se analisadas a partir de um destes ângulos, ambas as obras cumprem perfeitamente o seu papel; o que não significa que sejam de igual valor: cada autor utiliza de maneira própria a liberdade dentro de um formato, com as inovações e/ou as técnicas que permitem seu talento. Macedo nos dá a receita do sucesso no amor com ingredientes da moral vigente, mediante a manutenção de determinado tipo de comportamento e valores morais, em uma sociedade que deseja, antes de tudo, manter a pompa e a circunstância; tudo é mediano: as personagens, o ambiente, o enredo...aproximando-se perigosamente da mediocridade e da previsibilidade. Os heróis, que o autor crê serem virtuosos, não passam de colegiais entediados; neles, não há sequer um vislumbre de complexidade que possa surpreender o leitor ou refletir o espírito humano. Isto é, na medida certa para agradar seu público.

Enquanto o enredo de A Moreninha, se destacado do ambiente que lhe é próprio, resiste muito pouco à evolução dos tempos (pois não se preocupa em exceder às expectativas do público), Iracema prende a atenção do leitor do século XX por sua linguagem rica, bem elaborada, ancorada por um enredo bem estruturado e convincente. Alencar nos transporta para a narrativa e nos permite contemplar a natureza ideal em toda a sua pujança, com olhos embevecidos e sonhadores; seus heróis passeiam pela história, incorporando o mito do nobre selvagem, com muita naturalidade.

Se o leitor médio de qualquer época busca o entretenimento, acima de tudo, louvável é a presença de espírito do autor que procura transcender as expectativas do público e criar uma obra que possa sobreviver aos modismos, aos costumes, aos valores culturais e morais de uma época; e existem inúmeros exemplos de escritores românticos que imortalizaram tipos humanos com seu talento e desenvoltura, traçando um perfil individual tão complexo que serviu para a análise de todo um padrão de comportamente humano. Se o artista tiver plena convicção do que deseja extrair de sua obra - e for dotado pela natureza com um mínimo de discernimento - poderá entreter e ao mesmo tempo instruir, evadir e ainda assim convidar à reflexão.

BIBLIOGRAFIA

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 33. ed. São Paulo: Cultrix, 1994. p. 110-113.

CITELLI, Adilson. Romantismo. In: Série Princípios. São Paulo: Ática, 1986.p. 55- 61.

GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. In: Série Princípios. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995. 70p.

LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. In: Série Princípios. 5 ed. São Paulo: Ática, 1991. 96p.

MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. In: Série Bom Livro. São Paulo: Ática, 1996.

ALENCAR, José de. Iracema. In: Série Bom Livro. São Paulo: Ática, 1996.

Ruiva da Noite
Enviado por Ruiva da Noite em 06/05/2007
Reeditado em 06/05/2007
Código do texto: T476723
Classificação de conteúdo: seguro