Sobre a crença e a descrença

Nossas crenças nos são impostas pela sociedade. Os nossos valores são transmitidos direta ou indiretamente através de instituições culturais, a começar pela família, pela escola, pelos amigos e conhecidos, pelas religiões, pela mídia, pelo estado.

É preciso ter sorte para não incorporar preconceitos à nossa formação que nos condicionarão pelo resto de nossas vidas. E refletir para que possamos pensar, pelo menos uma vez, com nossas próprias cabeças e agir em conformidade com nossos reais e autênticos pensamentos, e sem que isso implique em um procedimento autodestrutivo em face da sociedade.

Pois o que é pertencer a uma humanidade senão preservar e respeitar valores humanos? E, até hoje, a humanidade gerou muito de positivo, mas também o seu oposto, preconceitos que impedem a visão direta da realidade e produzem muitos conflitos, guerras e dor.

O avanço da humanidade não é, infelizmente, retilíneo. Ele ocorre com recuos. Estamos, permanentemente, num processo de evolução que envolve a tentativa e o erro. E a sabedoria consiste em reconhecer, a tempo, onde se encontra o erro e na devida correção de rumo. Assim o avanço depende da reflexão que consiga captar nos elementos presentes os pontos de conflito e antagonismo que devem ser corrigidos na efetivação de medidas de resolução de tais pontos. E isso vem sendo feito de forma errática, a partir da percepção de algumas pessoas, que se transmite a algumas instituições, e que depois ganha corpo até ter uma importância social significativa. Tomemos como exemplo a questão ambiental. As verdades ali consignadas se tornaram conscientes há mais de trinta anos. No entanto, os usos, costumes e práticas de pessoas, empresas, nações não mudaram até hoje, e apenas mudarão mediante a adoção de legislação específica que crie penalidades severas para os infratores.E sempre haverá vozes que se insurgirão contra elas e lançarão campanhas contra a legislação ambiental.

Mas, é em termos pessoais que devemos pensar, pois é a partir da cabeça de pessoas que a realidade se cria. Acredito, piamente, que não se pode admitir nem uma única injustiça, nem uma única mentira, ainda que muitas vezes não se possa fazer nada a respeito, torna-se necessário ter uma espécie de arquivo no cérebro para destina-las e conviver com elas com um sorriso.

Sempre penso em como eu me comportaria se tivesse vivido em um período específico da história. Por exemplo, como seria a minha vida, se eu tivesse vivido na Alemanha nazista, quando as verdades eram impostas pelo estado e as pessoas, aparentemente as seguiam cegamente? Hoje sabemos que tais verdades não passavam de preconceitos e de ideologia calhorda. No entanto condicionaram a vida de toda uma geração. Será que eu me insurgiria contra elas e seria preso num campo de extermínio? Ou acataria a tudo com a cabeça baixa, ou alta, dependendo de minhas posições ideológicas?

Tal exemplo extremo é suficiente para ilustrar a tese: há a verdade social, que pode estar toldada por muitas mentiras e a verdade individual que pode estar igualmente contaminada. E há o ser, que precisa ser alimentado com o que há de melhor para que preserve a expectativa de realização. E nada melhor do que a liberdade para se refletir e optar pelo melhor em cada momento da história pessoal.