Manifesto pelo Nada

Como um pastelão de massa folhada, nossas metáforas e figuras formam camadas de significado de tal forma que às vezes parece que não lemos o mesmo idioma, tal é a quantidade de simbologias usadas. E o que deveria ser um recurso de enriquecimento transforma-se em instrumento de aparte, estratificação e segregação. Sempre que tentamos expressar nosso interior, nossos pensamentos, sempre que tentamos contar um fato, uma história, precisamos de todos os símbolos de nossa língua, e com o resultado que só nossa língua é capaz de dar, porque o idioma é a visão que um povo tem de si e do mundo, uma visão toda particular: um poema escrito por um brasileiro em português tem um enfoque e um ponto de vista diferentes do que se fosse escrito por um chinês em mandarim. O que fica sedimentado na língua são os conceitos considerados mais importantes: não o fossem e eles já teriam desaparecido do nosso dia-a-dia. Esta é a matéria–prima da literatura: nossa linguagem, que tem sido muitas vezes camuflada em véus. Por que não voltamo-nos para dentro da linguagem, para nossas entranhas? Há uma rica viagem na etimologia sem que precisemos ir para o espaço sideral para conseguir coisas novas. É sem dúvida um descobrimento também. E por que a literatura não mantêm um diálogo mais estreito com as ciências ditas exatas como a matemática e a física? Afinal a era do conhecimento trouxe-nos os bites que são a representação matemática de imagens e sons, ou seja, tudo o que nos rodeia; assim uma orquídea e um colibri ao serem representados em um computador nada mais são que uma sucessão de zeros e uns combinados. Se a informática vai permear nossas vidas, seremos rodeados inevitavelmente por zeros e uns ad aeternum. E na continuação desta busca das coisas que estão dentro das coisas acharemos no final de tudo…o nada…por exemplo, uma ponte possui tantos vazios entre seus átomos que grande parte de si mesma é o nada. E mesmo ao falar de sentimentos como o medo que sentimos ou o amor que expressamos também falamos de conexões neuroniais físicas que dependem de átomos de carbono em nossos cérebros, que possuem em seu interior uma grande parte de…nada…somos afinal de contas um grande vazio, um buraco onde em determinado ponto não temos mais certezas absolutas…Ao despertarmos nossa consciência para o nada teremos um vislumbre de tudo o que nos cerca: o ar que respiramos de uma fábrica será processado pelos nossos pulmões e fará uma viagem dentro de nosso organismo e será parte de nós, então uma célula de nossa barriga é a fábrica que respiramos – ou então, uma fruta que é o resultado do processamento do estrume nas raízes terá em si átomos desse estrume, átomos estes que farão parte de nossas células ao comermos esta fruta, enfim organicamente também seremos o estrume que fertiliza, num círculo interminável. Nessa interação material encontraremos a interação literária, onde um conceito vira palavra, que vira outra palavra, que cabe em outra, em parâmetros que revelam o tempo e o espaço, em uma antropofagia verbal, cabendo a nós tentar desmascarar, mostrar, explicar, integrar, até chegarmos às entranhas, ao vazio, ao 0 e 1, ao princípio, ao vácuo, ao não ser. Afinal, para que um conceito exista é necessário o contraponto da não existência.

Tatiana Brioschi
Enviado por Tatiana Brioschi em 22/05/2007
Código do texto: T496753