FILÓSOFOS PODEM SER COMO ANÕES DE CIRCO OU INVENTORES DE JOCOSIDADES PARA AS PLATÉIAS

Luciana Carrero

Andar com os pés no chão é o mínimo que podemos fazer para não gastar a cabeça, esfregando-a ao solo. Então diríamos: estou careca de caminhar com a minha cabeça. Isto não me serve e nunca me serviria em meu conceito destas teses e antíteses. Para mim o poeta não é a própria poesia ou vice-versa, como diria a ilustre “minha desconhecida” Otilia Matel, que anda para lá de Bagdá, como se diz popularmente, caminhando com a cabeça, na qual deveria usar ferraduras para preservar-se de inverter as coisas. Ficasse ela com os pés no chão, não andaria a propagar estultices que a nada levam. E demoraria um pouco mais para ficar careca. As teorias do Tomás de Aquino, que de santo nada tinha, ajudaram em muito a esta história de “religare”, que sabemos ser acoplar novamente coisas que se separam, tal o corpo e o espírito querendo vencer a morte. Para ele tudo era negócio. Aliás, a religião, que vem do religare, sempre foi o negócio de sua família (Aquino). Cada um se vira como pode. Assim sobreviveu. Antes de existir o corpo, não há religare e, depois de morto, muito menos o homem vai religar-se a mais nada que não seja a finitude, o nada absoluto. E isto logicamente é religar-se ao nada. Esta é a grande asneira que certos filósofos abarcam. O que lhes restou? O nada, como a todos nos restará, só para falar metaforicamente, porque tal nada não existe. O alter-ego não é poesia e nem o inverso acontece. Poesia, apesar de ser tida erroneamente como produto do poeta fingidor, nada mais é do que impressões de um ser que existe e inventa histórias, com ou sem pés ou cabeças em seus devidos e indevidos lugares. Não há nenhum alter-ego para ser a semente da poesia e nem uma poesia para servir ao alter-ego. Tudo nasce e tudo morre junto, no contexto existencial do homem. Para não dizer eu, o que pareceria pernóstico, ao meu gosto, digo, este conjunto que me faz e que tantam subdividir, na impotência de sabermos nos definir ou definir ao que é ou parece ser, andamos com as cabeças no chão. E não descobrimos nada. Principalmente, não descobrimos quando somamos partes que se completam como alters e físico. Tudo é tudo e nada é nada. Então tinham que inventar uma conversa mole religare e, pior, aplicá-lo à poesia. Não há nenhum mistério na arte, a explicar. Tudo é um contexto único. Quando você diz que não tem certeza se o poema é o próprio poeta, na verdade, para mim, que já tenho este conceito que de há muito já enterrei, afirmo que a poesia é o próprio poeta. Sugiro não dar estofo de alter-ego. Você está muito certo em não ter certeza de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. E só em mencionar isto já está automaticamente dizendo que não deve ter certeza mesmo. O alter-ego e a poesia são produtos da natureza humana. A poesia sou eu, o alter-ego sou eu. E acaba aí a história. Um dia nasceu um homem, supostamente repartido em explicações de alter-ego. O dia em que eu tiver que misturar religare com poesia, estarei literalmente fuzilado e mal pago. Um poeta, escritor e qualquer artista, tem que andar certo, com cada coisa no seu lugar. Pés nos pés, cabeça na cabeça. De qualquer jeito, a poesia vem, com a cabeça e os pés onde quiser. E quando morrermos não ficará nenhum resquício sequer de alter-ego. Esta história de misturar poesia com religiosidade, alter-ego e fantasias normais da matéria, é desinteressante, inóqua e impropria. Ofereço a minha poesia a deus e ao diabo e nenhum alter-ego a isto me conduz. Somos produtos do meio. Acho que é mais fácil de entender se dissermos que a poesia é o meio-ambiente. Esta é a liberdade da poesia, uma coisa tão nascível e morrível como tudo que há no planeta. Acho que poderíamos aproveitar mais nosso intelecto, se esquecermos a meta-literatura e fizermos literatura prática, científica, poética, fantasiosa e não tentar explicá-las. Também não considero que o ego é ególatra. Se assim fosse não existiria mais nada no mundo, porque até o próprio egoísmo conforta, sustenta e nos da sobrevivência. E o alter-ego é um preguiçoso, que nem para isto presta. O mundo só existe porque eu existo. Por isso sou a razão da vida e tudo deve girar ao meu redor. Se eu morrer, o mundo desaparece. E qual ego ou alter-ego irá me salvar? Sim, eu sou a escritora, a poeta e a poesia, enquanto Otilia Mar-sei-la-quem fica tomando o seu e o meu tempo de fazermos coisas melhores. E deus não precisa salvar minha alma, porque a alma é inexistível como todos estes elementos que discuti acima. E concluo, como o estereótipo do anão de circo que fez rir o povo, quando esqueceu o texto. - e será que foi seu alter-ego que respondeu, ao ser perguntando: o que vens fazer aqui e não falas nada? - Ao que o suposto alter-ego lhe assoprou o texto. E o anão falou: Vim aqui porque cheguei. Não digo mais nada porque não sei. A platéia se fartou de rir e jogou centenas de moedas de ouro para o anão. O macaco juntou as moedas num saco e desapareceu na floresta. Tudo isto eu falei para confirmar que você continua sábio e instigante, sabendo que o o homem e seus sub-produtos sempre estão tentando religar-se no corpo e no espírito. E não se ligam nem religam a nada. Esta é a explicação da antítese que debates, começando com a dúvida de quem nasceu primeiro foi a poesia ou o homem, ou os dois são a mesma piada, contada em duas versões. Você me perguntaria: e o macaco, o que fez com as moedas? Pergunte para o macaco. Abraços e beijos da sua eterna admiradora e tiete literária, Luciana Carrero, produtora cultural.