A preocupação com a felicidade, com a longevidade e com a qualidade de vida num mundo de alienação

É impressionante como cada estudo bem intencionado oculta uma maldade. Acho muito importantes os estudos que tem sido feitos com relação à melhoria da qualidade de vida. Até porque com todo avanço na expectativa de vida, na longevidade da população mundial, não creio que tenhamos qualidade de vida. Há cada vez mais pessoas com depressão e com toda sorte de doenças físicas e mentais. Nesse sentido, tudo o que venha para melhorar a qualidade de vida das pessoas, que deve ser um dos grandes objetivos da humanidade, mais até do que o prolongamento da vida por muitos e muitos anos, é positivo. Há estudos sobre o sono que comprovam que uma boa noite de sono melhora a capacidade de aprendizagem e a saúde física e mental, mas eu não me engano e sempre me recordo do ditado "De boas intenções o inferno está cheio"! Por isso é preciso aprofundar esse debate. Num mundo de alienação, dormir mais só serve para tornar os indivíduos mais produtivos para o capital. Nesse sentido também podemos argumentar que tudo o que serve para recuperar o tempo de liberdade e de felicidade subtraído pelo tempo de trabalho, pela exploração capitalista, é legítimo, até mesmo sacrificar a saúde e a longevidade, afinal, de que adianta viver mais e bem só para ser um escravo mais produtivo? Eu quero que as pessoas tenham tempo para dormir e se exercitar, mas também tenham tempo de ler, de estudar (não só estudar para ser mão de obra mais qualificada, mas estudar aquilo que é de seu interesse particular, por mera curiosidade ou a serviço de interesses humanos e não dos interesses da classe dominante, pois até mesmo o conhecimento encarado numa perspectiva instrumental tem sua hierarquia, estando aqueles conhecimentos que atendem aos interesses da emancipação humana acima daqueles que atendem à lucratividade e à manutenção do status quo), de aproveitar a vida, de ter prazer (principalmente as formas de prazer não alienado, como o prazer sexual e o prazer das atividades ao ar livre, junto à natureza, o prazer que não é pago, em contraposição às diversões oferecidas pela indústria cultural, quase sempre imbecilizantes), de praticar esportes por prazer e por necessidade pessoal e não a prática de exercícios físicos inspirada pelo dever e por um impulso masoquista. A felicidade é objeto de interesse da classe dominante porque vivemos numa sociedade que pode oferecer divertimentos e garantir um certo padrão de consumo para todos caso se queira, mas reduzir a felicidade a tudo aquilo que se pode comprar é expressão de um horizonte muito estreito. A felicidade sem liberdade é um engano, assim como a crença de que é possível que a maioria da população possa gozar da mesma liberdade que as classes dominantes sempre tiveram, a liberdade de uma vida de ócio e superficialidade, de liberdade garantida pela escravidão do outro (pois alguém tem que trabalhar mais para que outro não precise fazê-lo) é de um extremo reacionarismo. Não pode haver liberdade verdadeira num mundo de opressão, repressão e exploração. A liberdade e a verdade são condições necessárias para a felicidade verdadeira e que nunca poderá ser plena, afinal, a vida humana é frágil e trágica, a unidade entre os interesses do indivíduo e da sociedade é possível, mas por enquanto ainda é utópica e propor a antecipação dessa utopia só pode resultar no rebaixamento do significado do que é felicidade e liberdade e, portanto, a negação da verdade, do conhecimento verdadeiro. Nós podemos ter mais qualidade de vida, podemos ser mais livres, ter mais saúde, viver mais, mas nunca poderemos vencer a morte e as próprias limitações individuais, mesmo num mundo livre de alienação, poderemos realizar nossas potencialidades, mas acreditar que é possível realizar todos os desejos e vontades é de um individualismo tirânico e de um narcisismo que só pode resultar no desrespeito ao outro, à sua vontade e liberdade, que são tão legítimas e sagradas como as suas próprias. Para isso existe a arte e as outras formas de sublimação de nossos instintos, paixões, impulsos, desejos ou como quer que se queira chamar nossa libido, nossa agressividade, nossa raiva e nossa vontade. Para isso existe a ciência, a filosofia, a política e todas as atividades humanas que possuem um sentido elevado do ponto de vista intelectual. Ter como única meta da vida adiar a morte e a degradação do corpo (que é inevitável) pode também impedir a concretização da única maneira de vencer a morte, a única maneira real de obter a imortalidade, que não passa pela religião, mas pela glória, e a glória só é experimentada por aqueles que lutam contra os desafios com que se deparam e ao mesmo tempo abraçam o seu destino (devo confessar que, embora não acredite na maioria dos conceitos metafísicos, míticos e religiosos, a ideia de destino é algo que não posso escapar e é talvez o grande elemento irracional que conseguiu se infiltrar na minha visão racional de mundo, a ideia de destino e a ideia de utopia, mas que me nego a abandonar, pois trazem uma promessa, a promessa da vitória da vida sobre a morte, da esperança sobre o verdadeiro fatalismo, que chega a ser pior do que o fatalismo da crença no destino, que é o fatalismo do ceticismo, da impossibilidade de mudança significativa). É preciso vencer a dor e o medo para superar os limites do humano e se tornar tudo aquilo que se pode ser. Feitas essas considerações, estou de pleno acordo com todos os estudos e medidas que melhorem a vida das pessoas, mas rejeito a ilusão de uma vida feliz sob um modo de vida administrado a serviço do aumento da produtividade do trabalho, a real intenção, o objetivo oculto de todas essas pesquisas.