O BANCO NAQUELA PRAÇA (II)

Capítulo II – O trator chegou para o desespero

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Um barulho ensurdecedor abafou as palavras de protesto que já tomavam conta da praça, principalmente em frente a placa. “O prefeito está delirando, mas claro ele nunca sentou nesta praça. Sua vida é de gabinete em gabinete, não sabe o que é um ar puro de praça”,

Neste instante João Bolão, que largara sua cozinha no restaurante em frente, soltou um estridente e mal cheiroso “puuum”. Mariquita que estava falando, o olhou de banda, e determinou: “Não interrompa e nem me desminta”.

O trator estava chegando, era grande e trazia grossas correntes para puxar as árvores. Tinham dois carros batedores e um batedor de carteira mais veloz que o trator, e que fugiu como um atleta por entre o engarrafamento criado pelo trânsito da máquina pesada, e sumiu.

Enquanto velinho que antes contava dinheiro parou e chorou, não iria mais ver banda passar e nem contaria mais suas economias, pelo menos naquele mês. O dinheiro foi levado pelo ladrão.

Na rampa de acesso de veículos à praça já havia sentados uma dúzia de solidários freqüentadores. O tratorista que não era piloto de tanque de guerra chinês, não quis criar nenhum mártir e desligou o potente trator.

Mariquita lembrou o dia 04 de junho de 1989, quando um estudante chinês usou o próprio corpo para evitar o avanço de um tanque do exército durante manifestação pró-democracia na Praça da Paz Celestial, na China.

O prefeito foi avisado do bloqueio e rapidamente chegou à praça sendo recebido por extensas vaias. Na ausência de ovos podres, um pardal solidário que temia pela perda de sua árvore preferida, soltou uma “cagada” na cabeça do alcaide, que se estivesse armado certamente daria um tiro em direção ao céu.

- “Isto é complô contra mim, é coisa da oposição, articulação do PVV – Partido de Velhos Vadios”, mas foi interrompido por Seu Olavo um vivente da terceira idade, que já se alongava a mais de oitenta anos: “É sim PVV, mas é Partido dos Velhos Valentes!”.

O bate-boca ia aumentando, o prefeito mandando o trator avançar e arrancar tudo: “Não quero nem raízes por aqui ...”

Justamente eram as raízes ali fincadas em quase um século de existência é que impediam a praça ser destruída, e irritava ao prefeito as argumentações dos que não queriam ali uma avenida de duas pistas.

- “Caso esse ditador acabe com a nossa praça, uma coisa garantimos, as nossas raízes permanecerão” repetiam alguns.

Perplexo, sem entender por que esta defesa das raízes, o prefeito perguntou ao tratorista que espécie de raízes será, estas tão difíceis de arrancar.

- “Quais? Diga-me logo ou eu te exonero!”

O tratorista então lembrando que foi naquela praça que seu pai e sua mãe namoravam, e que ele também conheceu ali a sua amada, respondeu:

- “São raízes muito profundas, algumas regadas a lágrimas de felicidade. Coisas que não podem ser esquecidas ou levianamente lembradas”

- “Pirou, enlouqueceu!” desdenhou o mandante: “Secretário de Saúde. Venha rápido até aqui”.

O médico secretário em passos largos se aproximou, e recebeu a ordem para um exame completo no tratorista. Um simples José que se atreverá a falar em raízes.

- “Leve ele para o Centro de Atendimento Psico-Social, e lá no CAPS que ele deve ser tratado”, e fez o tratorista descer da potente máquina e entrar em um velha e mal aparentada ambulância...

A sirene cortou o trânsito como se transportasse um criminoso.

Pelo menos naquele dia a praça voltou a uma normalidade, um pouco anormal.

O menino que vendia picolé rondava aquele clima quente e anunciava seu produto:

- “Olha o picolé feito com água coada no pano, um é dez e quatro cinqüenta centavos...”

Um matemático que ali calculava a chance de acertar o prêmio da mega-sena, ao ouvir o pregão do “picolezeiro” o chamou e comprou-lhe cinco picolés, pagando-os um a um individualmente.

- “Viu menino como você é burro! Comprei cinco picolés por cinqüenta centavos, e você grita que cinqüenta só dá para quatro. Aprende a fazer contas burrinho!”

O adolescente sorriu e respondeu ao matemático:

- “Burro é o amigo que não entende de marketing. Eu grito que quatro é cinqüenta para que os espertalhões, como o senhor, que comprem cinco de um a um. Assim eu vendo muito mais!”.

Mariquita aproveitou a tarde para retirar a placa de aviso da destruição, atirando-a ao latão de lixo, e então passou o óleo de peroba na madeira do banco, como fazia regularmente.

E cantou alegre:

- A vitória há de ser da praça,

- Nem que seja na raça...

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Próximo capítulo – A volta do prefeito e do trator (Dia 27, neste mesmo espaço)

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Leia ainda o capitulo (I)

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