Conversas com alunos sobre felicidade.

Ouvi em um programa qualquer em um canal da TV aberta um jovem fizer:

“A dor deixa a gente criativa.”

Alguns baseados conhecimentos supostamente verdadeiros analisam esta fala como besteira de canal aberto, outros como uma alienação imposta pela mídia e outros, ainda como um horror, pois para os que se consideram esclarecidos qualquer coisa que cheire a tristeza, ao desprazer ou a morte é coisa de gente que gosta de sofrer, que está doente e com desejo de morrer, porque a vida daquele que sente algo desta natureza não está valendo à pena. É muitas vezes carregam esta conclusão na tinta desta, responsabilizando o indivíduo por esta vida que se supõe não valer muita coisa, dizendo, que ele não sabe viver.

Da minha parte fiquei contente em ouvir aquilo, pois para mim indica uma liberdade diante dos ditames que nos foram impostos pelas ideologias da vida moderna.

Algumas delas.

A vida a morte,

A tristeza a alegria,

O prazer a dor...

São experiências existenciais que foram colocadas pela retórica moderna umas tão lá no alto de um céu azulado e outras tão lá em baixo em um inferno profundo, terrificante, no máximo vermelho escaldante que, estas, perderam toda a possibilidade de serem vistas com capacidade de fazerem parte e contribuírem para a beleza da existência humana.

A dor não tem mais lugar, pois só nos é permitido sentir prazer.

A tristeza não tem mais lugar, pois somos obrigados a sentir somente alegria. Euforia.

A morte, vixe! Desta nem se fala. Sendo finitos somos obrigados s vivermos como se fôssemos eternos.

Com a vida baseada nesta lógica somos refém de uma existência idealizada, uma ex-existência que não corresponde a toda riqueza de percepções, emoções e práticas da existência na sua permanente complexidade de sentimentos e afetos existência quem vêm a gerar a nossa maior ou menor experiência e possibilidade/capacidade para sermos felizes.

Estas condições são a porta aberta para todo tipo de alheamento, alienação, anomia revestidas de uma concepção de vida confortável, baseada nas comodidades da vida moderna e tecnológica.

Ai de quem não tem um celular! Ele sofre duplamente: pela falta do aparelho que julga fundamental para ter uma boa vida e fazer frente aos seus pares que o possuem e pela violência posta em movimento pelos colegas de convivência mesmo quando estes, somente o excluem das práticas de convivência, sob a alegação de que ele não possui o sinal tecnológico de inclusão - o celular.

Ah, estamos falando sobre A ou B e ele não assiste ou não tem para estar por dentro deste tema.

Ah, é por devido a ele não dominar o assunto que agora falamos que ele não conversa agora. Falamos com ele em outros momentos sobre outras coisas, quando o assunto for do interesse dele.

Nestas condições, como as pessoas e suas relações é que constituem o fundamental, mesmo com a intenção respeitosa a violência da coisificação do humano está posta para todos os envolvidos, para quem não possui e, também, para quem possui aquilo que, no lugar das pessoas, está determinando como a vida deve ser vivida.

Na confusão que fazemos entre vida feliz e vida confortável trocamos o bem-estar da vida real por substitutos enganosos: uso desenfreado do outro, consumo das drogas lícitas e ilícitas e a entregar irrestrita e reverente a biotecnologia ofertada pelos saberes e produtos dos grandes laboratórios.

Para se evitar o desprazer e buscar o prazer permanente o uso desenfreado do outro (todo tipo de exploração e builling, sexo casual, sem afeto e responsabilidade, etc) é a saída aceitável.

Para se evitar a tristeza e se obter alegria permanente o caminho cotidiano é consumo das drogas lícitas (o chope obrigatório do final de semana, o cigarro, o consumo desenfreado, a exibição permanente, as pílulas milagrosas, etc) e ilícitas ((maconha, coca, êxtase, crac, etc).

Par se evitar pensar sobre a nossa condição finita (morte) e negarmos a nossa finitude permanentemente, (quem dera fosse possível sem morte?) a receita é, nos templos da biotecnologia, se entregar de modo irrestrito e reverente às mãos dos seus sacerdotes e sob a força, quase sobre naturais dos seus ídolos: toda parafernália biotecnológica produzida, atualmente, pelos grandes laboratórios da indústria farmacêutica (intervenções extremamente invasivas a vida, próteses diversas e drogas de toda natureza).

Vivendo sob a perspectiva de não sentirmos realmente as nossas vivencias, seja qual for à natureza delas,

vida e morte,

tristeza, alegria,

prazer, dor..., e tudo mais que a vida nos trouxer.

Fugimos da nossa própria condição humana finita, diversa e complexa é, por isto mesmo cheia de ambigüidade e contradição, corremos o risco de passarmos a existência realizando práticas que não podem se converter, para cada um de nós, em reais experiências,

“A experiência é o que nos toca, o que nos acontece, o que nos toca.

Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca.

A cada dia se passam muitas coisas porém, ao mesmo tempo, quase nada acontece.

Dir-se-ia que tudo o que passa está organizado para que nada nos aconteça”

(Larossa, 2001)

Que possam nos trazer sentimentos reais para um viver sentido plenamente e por isto nos traga a alegria e prazer de viver sem lançarmos mãos de rotas de fuga que não dão lugar para a vivência do luto, trocam o prazer pelo gozo e a alegria pela euforia própria da vida instantânea oferecida pelos dois grandes mercados de controle do corpo e do desejo na atualidade: os mercados das drogas ilícitas e das lícitas estas últimas revestidas de comodidades da vida moderna.

Francisca de Assis Rocha Alves
Enviado por Francisca de Assis Rocha Alves em 15/10/2014
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