A Miséria dos Outros

A MISÉRIA DOS OUTROS

Num futuro distópico, as pessoas morrem todas aos 50 anos. Aos 18 elas assinam um contrato que estabelece que o Estado pagará todas as despesas do indivíduo até o quinquagésimo aniversário, quando elas são “dispensadas”. Um homem se apaixona por uma mulher de 30 anos e fica aflito, porque não quer se separar dela e ele já está com 46 anos. Então ele entra na política para tentar mudar a lei. É eleito aos 48 anos, mais por piedade do que interesse da população.

Todos planejam suas vidas para durarem exatos 50 anos. No dia da dispensa, que coincide com a data de nascimento, os familiares e amigos unem-se para uma verdadeira celebração. As pessoas estão felizes porque entendem que o dispensado trabalhou em prol da sociedade e como todo mundo tem sua hora de partir. Mas nessa sociedade, tem hora marcada pra isso, não é de repente quanto no passado. Elas se orgulham de viver numa comunidade onde o planejamento é mais importante que o amor e o inesperado; o primeiro um valor vago e o segundo, perigoso. Quando as pessoas fazem 18 anos elas escolhem o que querem estudar ou trabalhar, tem férias uma vez por ano quando elas podem viajar para alhures.

A pessoa pode escolher qualquer serviço, desde que não explore outro ou seja individualista. Por exemplo, a misantropia é punida com a solitária. A mendicância é um conceito inexistente, porque o Estado fornece uma vida digna para todos, mesmo os que não trabalhem, desde que não prejudiquem os outros. Eles são chamados de anderilhos: "aqueles que não atrapalham os outros (anderen)". É uma sociedade que se forma depois da Grande Catástrofe Nuclear, que ocorre em 2350, na antiga Alemanha e França. O alemão se misturou com o francês e surgiu uma nova língua que usa alguns termos do antigo alemão, como anderen. Anderilhos é anderelin. Mannshaft (homenagem) é maifast, que é a cerimonia do contrato, aos 18 anos. Todo dia 05 de maio (mai) é realizada a cerimonia com todos nascidos àquele ano.

Bem, nosso protagonista então foi eleito para a câmara dos conselhos (sovietchamber) e entra com o projeto de lei. A lei é coerente, quer acabar com a dispensa (geburstag - que era "aniversário" em alemão, passou a ser dia da dispensa. Aniversário comum é jungtag - "dia jovem"), mas mantém a eliminação para casos de demência e invalidez. Para nossa personagem, enquanto o indivíduo puder "andar e falar" não há por que ser eliminado. A lei é aprovada então com uma ressalva: a partir dos 50 anos o indivíduo não tem mais apoio do Estado. Assim retorna o conceito de aposentadoria, que é descontada durante o período de serviço. Os conselheiros (Grosslieber - grandes amantes) acreditam que as pessoas sacrificarão um dinheiro todo ano, para poderem viver mais, já que a nova lei não modifica o orçamento.

Satisfeito com sua conquista, Hans (nossa personagem principal) começa uma campanha para incentivar a vida após os 50, que muitos tem medo por ser "inesperado". Ele se baseia no conceito de paixão. Ele diz que antes dos 50 anos as pessoas vivem com planejamento, configurando a vida no modo "platônico", um amor não consumado pois não é inesperado. Depois dos 50, como é tudo desconhecido, a vida vira uma paixão ardente, conceito que era conhecido, visto que a sociedade era promíscua. O que eles não entendem é que se o desconhecido que acarretava uma verdadeira paixão, a promiscuidade, que era infinitesimamente conhecida, era uma coisa sem ardência? Hans falava também da estabilidade que se conquista aos 50 anos. Ele retoma o antigo conceito: "a vida começa aos 40" para dizer que é essa época que começa a vida adulta, responsável e monogâmica, um conceito também em desuso. A vida aos 50 era paixão ardente no sentido de que se escolhia um parceiro (a) para o resto dos dias. Ele então se casa, aos 49 anos, com sua companheira e vive até os 85, quando morre durante o sono. Começa então o principal enredo da história. Sua filha única (cada casal tinha direito a um filho), que no seu falecimento estava fazendo 34 anos.

Mas a história de Marie Curie (a filha) começa quando ela aos doze anos conhece o suicida Dave de 15. Ele diz que não quer chegar aos 18 para a maifast porque não quer trabalhar pra ninguém, só aceitaria viver se ele pudesse viver viajando. Ele diz a ela que leu muito sobre um país em alhures chamado Brássoc, onde existem pobres e ricos e que os últimos exploram os outros. Marie não entende como a pessoa pode ser "rica" (glucklich) a custa da miséria de outros. Rica e feliz tinham o mesmo sentido, já que não existia desigualdade. “Pauversprit” – pobre de espírito – versão de “infeliz”, era ser misantropico e individualista. A "miséria dos outros" (misere der anderen) era uma pessoa sofrer com atitudes individualistas de outrem. Dave diz que o Estado antes do fim da dispensa era hipócrita porque punia o assassinato, mas matavam milhares de pessoas involuntariamente. Marie diz - graças a meu pai isso mudou. - Mas não mudou completamente - indaga Dave -ainda se mata os dementes e inválidos. Não temos direito de matar ninguém, apenas a natureza tem esse poder.

Marie fica tocada e leva a indagação a seu pai, que diz que quando ela fizer 18 pode entrar na política e mudar o que ela acha errado. Mas a resposta não a satifaz. Ela começa a pesquisar sobre os alhures e decobre que as outras sociedades sempre são vistas como inferiores e injustas. A própria palavra que as define não tem "anderen". "Outra sociedade" é versada para "antik societe" (sociedades primitivas). Mas ela percebe que elas são anderen – a sociedade dela via o "outro" como mais importante. E as antik socite são nada mais que o diferente, o outro que os anderilhos não devem atrapalhar. Estudando sobre a terceira guerra ela descobre que seu país foi completamente arrasado. As poucas pessoas que restaram foram obrigadas a mudar o estilo de vida para sobreviver. Como a comida era escassa tiveram que diminuir a reprodução humana (daí a lei do filho único).

Celina de BH
Enviado por Celina de BH em 16/10/2014
Reeditado em 18/10/2014
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