Ao vivo

Ao vivo, sem direito a playback, a roteiro, a script, ou a direção externa, vivemos uma única experiência do realizar nossa existência temporal, finita e imanente.

Sem chances de mudar o passado, sem chances de prever o futuro, sem vidência ou autoridades do saber, se desejamos viver, necessário é que aproveitemos a eternidade do momento presente para construirmos nossa existência.

Sem direito a dublagem, retoque, ensaio, ou “overdubbing”, sem produção, promoção, assessores, ou empresários, temos que continuar a viver. Viver é necessário.

Ao vivo, em tempo real, somos eternos atores do improviso, do aqui e do agora, do agindo enquanto realizo minha existência, enquanto modifico o presente que quando tomo ciência dele já é passado. Ao vivo, em tempo real, sem nunca saber exatamente o que vem pela frente, sequer sem saber se teremos o à frente, pois que finitos em vida no tempo, a morte é nossa eterna companheira, desde que nascemos, e até já antes, ainda no útero materno, e dela apenas nos afastaremos quando sua realização for plena, e não mais existamos, e não mais a ela estivermos disponíveis. Ao vivo, em tempo real, somos navegantes do caos que nos cerca e nos envolve, nosso controle sobre a realidade é imensamente precário, tudo naturalmente possível pode acontecer, do imenso escopo das possibilidades naturais, por mais que me prepare ou planeje, tudo pode acontecer, e minha vida pode ser completamente impactada para o bem ou para o mal, por isso, ao vivo e em tempo real, tenho de estar ciente que não somos diretores de nossa existência, somos atores, talvez até mesmo somente figurantes, somos passageiros, somos efêmeros, somos a realização não necessariamente do que queremos, mas do que é possível, do que o caos reinante possa ter ajudado ou atrapalhado, isso nem é bom e nem é mal, isto não é justo nem injusto, isto não é ético e nem antiético, isto é assim, a natureza flui, a realidade flui, e nós somos interpretes (quando o somos) de nós mesmos, do que é possível interpretar, e no resto somos realizadores do que é possível realizar.

Ao vivo, em tempo real, não consigo viver ou reviver o passado, não consigo viver ou realizar o futuro, só me resta amar o presente, e realizá-lo da melhor (seja lá isto o que for), da mais humana, da mais digna, e da forma mais social que me for possível.

Ao vivo, nem sempre sendo sincero, mas sempre sendo eu, pois que não consigo ser outro, e sempre sou um dos que sou. Ao vivo, goste ou não, esteja preparado ou não, ao vivo tudo pode acontecer, tudo natural e dentro do escopo do naturalmente possível, caso a caso. Ao vivo, vivo, até que um dia, ao vivo, morra, e deixe de ser ator-figurante, para entrar apenas para a história, se alguém de mim lembrar...

Nada disto é motivo para nos omitirmos de nosso viver, nada disto pode servir de desculpas para nossa inação. Estar preparado para toda e qualquer mudança não esperada, procurada, ou não desejada, e ao mesmo tempo saber que não possuímos o controle total sobre a realidade que nos permite existir, não significa, e nem pode significar, se omitir da busca, no presente, de alguma transformação, momento o momento, para o que aqui está, para o que agora é. Se você não é o responsável completo pelo que acontece, você é responsável pelo que faz, e é também, sem nunca esquecer, responsável pelo que não faz. Mesmo que eu não saiba, em verdade, e nunca me seja possível saber, o que vai acontecer no próximo exato instante, uma vez que minha casa pode desabar, posso ser vitima de uma bala perdida, posso ter um derrame, ou qualquer outra coisa que esteja fora do meu controle, agir é necessário, agir é viver com vontade, de nada adianta ficar apenas assistindo meu viver, e não ousar, não tentar, não ser vanguardeiro de mim mesmo, do que sonho para todos, ou do que, dentro dos limites do possível, possa ajudar a transformar o aqui e o agora, o ali e o agora, o lá e o agora....

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 13/11/2014
Reeditado em 13/11/2014
Código do texto: T5033616
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