Por Um Sentido na Existência IV

Por Um Sentido na Existência IV

O homem é pura liberdade. Um ser criado, sem essência definida, que precisa se construir à medida que vive. Essa é uma afirmação forte e pesada, que traz consigo não uma solução, mas uma infinidade de soluções.

Mas, se uma pessoa tem total liberdade, como saber qual opção seguir, se não há o conhecimento sobre um caminho diferente a ser seguido? Como escolher trilhar um outro caminho, se apenas se tem noção da existência de um? Peguemos o exemplo de um jovem qualquer de algum país em guerra. Ao nascer, este jovem foi diretamente inserido em um cenário de violência. Vamos agravar o fato considerando ainda que, inserido em tal cenário, o jovem não tenha tido contato algum com bondade, paz, humildade ou qualquer outro dos supostos “valores humanos”. Como poderia, portanto, um ser que jamais tomou conhecimento de tais valores, ter a liberdade de segui-los?

Bem, eu assumo que a liberdade é inata ao homem, e faz parte de seu ser a priori. Portanto, mesmo não tendo o conhecimento, o homem ainda sim tem a liberdade de seguir esse desconhecido, ou de desejar busca-lo, não havendo nada que o impeça de almejar uma coisa diferente da qual está habituado. Sócrates afirmava que “é impossível ao homem que conhece o caminho do bem seguir o caminho do mal”. Bem, nota-se que, primeiramente, o homem deve conhecer o fato, para depois escolher o seu caminho. Como a liberdade é inata ao homem, não é “impossível”, como afirmou Sócrates, que o homem siga o caminho do mal mesmo conhecendo o bem, da mesma forma que, mesmo desconhecendo o bem, nada o obriga a sempre seguir o caminho do mal, sem jamais questiona-lo. É possível ao homem apenas que siga a sua vontade, a sua liberdade. Mas a liberdade, mesmo inata ao homem, ainda é limitada às possibilidades do mesmo. Para deixar o caminho do mal, desconhecendo o caminho do bem, é necessário primeiro seguir a possibilidade de questionar porque seguir o caminho do mal, e, descobrindo novos caminhos, seguir a possibilidade de uma decisão diferente. I homem, em momento algum, é condenado a seguir sempre por um mesmo caminho. Uma criança, por exemplo, não possui definições e apreensões concretas acerca do mundo, de forma que faz maior uso de sua imaginação e, principalmente, de sua curiosidade.

A curiosidade é parte fundamental da liberdade pois, sem a mesma, o homem limitar-se-ia apenas a determinadas ações e pensamentos, não questionando o mundo que o cerca ou as possibilidades ao seu redor. O homem agiria apenas por impulso e instinto, nunca raciocinando ou refletindo suas ações e os seus por quês. Um homem não tem, em momento algum de sua vida, sua essência completamente definida, ao contrário do restante das coisas que existem no mundo. Ele sempre está buscando definir e formar sua essência, e o faz em conjunto de outros homens e do restante do mundo.

Exceto ao homem, tudo no mundo tem uma essência definida. Dá-se a esse fato, por exemplo, um simples copo de plástico. Sua essência está definida, e tão definida que, por vontade própria, o copo não pode se transformar ou alterar-se, e também não pode alterar o meio que o cerca. Sua essência é fixa e definida. Porém, esta mesma essência não é definitivamente captada por homem algum. Tanto o é que, de certo, o homem tem apenas a noção de sua própria existência, e de nada mais no mundo. Não há como o homem afirmar, sempre, a existência ou inexistência de algo senão ele próprio, e digo isso porque eu existo, e estou sempre existindo. Não sou capaz de me livrar de minha própria existência. Nem mesmo a morte limitaria ou apagaria a minha existência, pois a morte pode ser apenas o fim da sensibilidade física, mas não da minha essência enquanto ser.

Mas o que posso dizer quanto a existência dos outros e das outras coisas? Como afirmar que elas existem? Simples: não afirmo. Não digo que elas para mim existem porque, na verdade, elas não existem. Vejamos por exemplo, uma sala de aula em plena atividade. Enquanto presente nessa sala, posso afirmar que existem alunos, o professor, as paredes, as janelas, as carteiras, os objetos, o quadro. Tenho a noção e a sensação de que, nesse exato momento, tudo ali existe. Posso sentir, e interagir com tal existência. Mas e quando a aula acaba, e estou no conforto de casa, onde nem mesmo a idéia dessa sala de aula me vem à cabeça? Como posso afirmar que existem aquelas pessoas e aquelas coisas?

Ouso dizer que não existem, e digo porque. Não existem porque, ao contrário do que eu possa pensar, a existência, nesse aspecto, não está diante das minhas sensações. Nesse momento, aquela noção da existência não passa de especulação baseada em memórias que podem ou não ser verdadeiras, e condizentes com o real acontecido. O que vai existir ali, em minha solidão, é apenas a essência que foi apreendida pelo meu ser-em-si através dos meus sentidos. E nem mesmo essa essência é concreta, pois, dada novamente uma situação onde me encontre no mesmo lugar, e com as mesmas pessoas, tudo será diferente, não sendo de modo algum idêntico ao que eu já havia apreendido. Essa essência, embora seja aparentemente a mesma, está alterada, modificada. Heráclito, ao afirmar que “não é possível entrar no mesmo rio duas vezes”, pode não ter falado da mesma situação que menciono, mas se encaixa muito bem como referência para tal questão. A apreensão que podemos fazer das coisas-em-si não pode ser, sempre, a mesma, dada a alta inconstância dos sentidos, e também a constante mudança de minha própria essência que, a cada apreensão, se forma um pouco mais, nunca apreendendo duas vezes a mesma essência da mesma forma, ou “não entrando no mesmo rio duas vezes”.

Eis, portanto, sob meu ponto de vista, a origem da angústia e do desespero diante da sensação de completo desamparo no mundo. Por mais que eu tente me misturar, fazer parte de outras existências, e confirmar outras existências como fixas e certas para mim, minha própria existência é a única certeza que posso ter, visto que não posso me deixar de existir. Todo o restante é apenas a apreensão que tenho das coisas-em-si, que é filtrada pelos meus sentidos, seja por alguns ou seja por todos, e essa apreensão, também, dada a inconstância das sensações. Até mesmo o tempo é apenas uma apreensão sensível, e nunca determinada. Conceitualmente, 1 hora será sempre 60 minutos, um minuto sempre será sempre 60 segundos, mas a minha apreensão acerca da passagem do mesmo será diferente sempre, nunca percebendo a passagem de cada segundo da mesma forma, mas sempre de formas variadas.

Estou, no mundo, completamente só e desamparado, formando minha essência através da apreensão de outras essências no mundo. Sou, portanto, a única existência que tenho como concreta, por não poder deixar de existir para mim mesmo em momento algum. Todas as outras coisas, e todos os outros seres, não são e talvez jamais sejam existências concretas para mim, pois são apenas apreensões de suas essências pelos meus sentidos. Estou tão só e desamparado que nem mesmo posso me ver, meus olhos não me permitem contemplar a mim mesmo, apenas a essência alheia. Para poder me contemplar, tenho de ver-me através de um espelho, e o que vejo lá? Apenas o reflexo sensível de minha essência, e não o meu ser-em-si por completo, porque este apenas o sou.

Estou só, desamparado, angustiado, desesperado.

Estou existindo.

Pelas conversas com os amigos, e grandes pensadores, Lucas Ferreira, Magno de Souza, Geovane e Rodrigo Graçano.

Eduardo Setzer Henrique
Enviado por Eduardo Setzer Henrique em 30/05/2007
Código do texto: T507274