Por que os meios de comunicação não enfatizam a superação econômica da maior potência mundial?

A maior notícia econômica das últimas décadas é a surpreendente superação da maior economia mundial, os EUA, pela China. Em 10 anos, a economia chinesa será o dobro da americana, informação que pode parecer incrível, justamente pelo silêncio absurdo sobre todos os fatos relacionados a isso.

A superação será, avassaladora, pelas seguintes razões: os donos do poder vêm maquiando os índices econômicos para escamotear o fato, a correção dos dados revelará uma vantagem maior dos chineses que a suposta hoje; em seguida, os chineses assumirão o poder mundial e as regras do jogo, redefinirão regras e arbitragens; novos índices econômicos serão utilizados, assim como novas regras, favoráveis aos novos detentores do poder. A manutenção das rédeas garantirá aos chineses que os ventos lhes soprem sempre favoravelmente.

Assim, bastaria a mudança de poder e a manutenção de tudo o mais, como está, para garantir o largo passo da superação da antiga maior economia; soma-se a isso a imensa vitalidade da economia emergente, cada vez mais pujante e alimentada agora por ventos favoráveis garantidos pela manutenção do poder. Tudo leva então a crer que, em 10 anos, a economia chinesa tenha superado fartamente a americana, adquirindo o dobro de seu tamanho.

A conclusão drástica parece inverossímil. A estranheza disso decorre apenas do silêncio sobre o fato imposto aos meios de comunicação.

Aliás, anda bem claro o pouco interesse dos meios de comunicação em informar os fatos reais; preferem, nitidamente, adequar as notícias aos desejos e crenças de seus donos numa tentativa de moldar o próprio mundo a essa imagem.

Os novos detentores do poder fixarão outros rumos, de modo que os meios de comunicação se realinharão em direção às novas metas. Haverá, primeiramente, uma cisão, ocasionando uma quebra no consenso das notícias; diferentes canais mostrarão diferentes mundos. Tal situação exporá claramente a farsa em que temos estado imersos. Revelará, com extrema clareza a ilusão mentirosa criada pela repetição da visão de mundo oblíqua e deturpada em que temos vivido.

No que acreditamos?

Gostamos de acreditar que acreditamos nos fatos, que vemos as coisas como elas são e que assim o desejamos, uma mentira. Gostamos de acreditar naquilo em que os outros acreditam, e é nisso que acreditamos. Pouco importa o absurdo de uma dada notícia, a completa falta de correspondência entre ela e o mundo, a incoerência total entre a notícia e os fatos, desde que todos acreditem nela. A coerência exigida por todos não está entre a notícia e os fatos, o que se exige é uma coerência entre as crenças. Pouco importa que a crença seja absurda, interessa apenas que seja compartilhada por todos. O absurdo não consiste em acreditar na mentira, mas em crer naquilo que outros não acreditam. O absurdo é não compartilhar as crenças padrão difundidas pelos meios de comunicação e aceito coletivamente por todos. Não nos interessa a razão, acreditamos na repetição. Repetida por todos, qualquer tolice ganha ares de verdade indubitável. Tem sido assim.

A mudança de controle do poder mundial resultará em uma cisão da visão consensual criada pelos meios de comunicação. Não teremos mais uma única versão dos fatos; nem a eleição das principais notícias será a mesma. Na ausência de um consenso nas notícias, e consequentemente nas crenças, seremos obrigados a definir, por nós mesmos, aquilo no que acreditar. A maioria entregará a tarefa a alguém próximo, tentando fugir da responsabilidade de construir seu próprio mundo; a liberdade assusta a quem sempre viveu sob grilhões. Os mais velhos se verão confusos nesse novo mundo de escolhas, sentirão falta do conforto do consenso que lhes era imposto, buscarão ativamente as mesmas velhas correntes que os prendiam. Os mais jovens não tolerarão os velhos grilhões, serão rebeldes. O mundo se fragmentará em um imenso mosaico de crenças, o consenso definha.

Devido à alteração no poder, daqui a 10 anos nossa visão de mundo terá mudado drasticamente, nossos pontos de vista atuais parecerão inverossímeis, nossas vidas atuais absurdas. Consideraremos nossas vidas atuais incompreensíveis, não nos lembraremos de como era possível viver como vivemos, acreditando nas mentiras tolas divulgadas pela TV. Veremos com perplexidade a nossa própria ingenuidade anterior; nosso mundo de hoje parecerá nebuloso, incompreensível. Tendo mudado virtualmente todos os nossos pontos de vista, nos parecerá incompreensível que víssemos o mundo sob ângulo tão tendencioso; nossos valores terão mudado drasticamente e teremos dificuldade de compreender como podíamos acreditar no que cremos, como podíamos ser quem somos. Tentaremos esquecer e enterrar um passado que nos parecerá absurdo e longínquo, tentaremos negar sermos o que somos. O passado nos parecerá nebuloso e confuso, ainda que venham a ser só 10 anos, mas vividos em outra era.

Vivemos a era do consenso e da ignorância manipulada, está por vir o tempo da fragmentação.

No Brasil, uma região periférica, as coisas serão pouco mais lentas; mesmo assim os 10 anos vindouros serão de ebulição. Nossa informação tem sido filtrada e disseminada, fundamentalmente, por um único canal de televisão, o grande arauto do poder, que determina a importância de cada notícia, cria e destrói celebridades instantaneamente, delineia nossos costumes e determina nossas crenças; tem sido assim nas últimas décadas.

A derrocada do poder atual resultará na retirada da sustentação desse imenso baluarte periférico. Parecerá inacreditável aos antigos, mas esse gigante ruirá inexoravelmente, levado pelos avassaladores ventos de mudança que já sopram fortemente.

A Globo foi ainda, na eleição passada, a principal arma de comunicação do país. Na próxima eleição presidencial já terá diluído amplamente seu poder, dividindo sua importância com a de outros meios de comunicação. Na seguinte, se ainda existir, terá perdido quase todo o seu brilho, será tida como uma força do passado, como um arauto de antigos tempos. No Brasil a Globo permanecerá para sempre o símbolo de um passado nebuloso e enterrado, será também o símbolo da dominação que os novos ventos terão varrido.

Mas, afinal, por que os meios de comunicação não enfatizam a superação econômica da maior potência mundial?

Porque esses canais não são, fundamentalmente, canais de informação, mas, muito mais propriamente canais de fabricação de crenças, de modelação de mentes. Não se incumbem, fundamentalmente, de informar sobre os fatos e acontecimentos do mundo, mas, se imbuem, precipuamente, na construção de valores e crenças consensuais. Não lhes interessa fundamentalmente que todos saibam a verdade, os fatos reais, cabe-ĺhes, principalmente, moldar as mentes para a construção de um mundo à imagem de seus desejos. Não se guiam pela divulgação dos fatos, mas pela fabricação de crenças compartilhadas por todos, crenças essas a que dão o nome de realidade, independente de qualquer correspondência que tenham com eventos reais.

Como peças de dominó enfileiradas, a superação econômica dos EUA acarretará a mudança do poder mundial, que confrontará os meios de comunicação diluindo o consenso criado por eles, junto com nossas crenças e valores moldadas por eles. Sentiremo-nos órfãos, mas livres, libertos dos grilhões que, em última análise, são forjados por nós mesmos em busca da aceitação de todos os outros. Queremos sonhar juntos, compartilhar nossos valores com os que nos rodeiam, mesmo que para isso seja necessário abdicarmos da realidade.

A mudança de poder que agora presenciamos será como uma pedrada no espelho, fragmentará toda a nossa visão de mundo, nossos valores e crenças. Por momentos, ao menos, teremos um claro vislumbre da realidade. Caberá a cada um de nós optar pela busca do mundo real, ou pelo mergulho em um sonho que só será compartilhado por alguns. Não estaremos mais, todos, em um mesmo barco.

A superação da maior economia mundial significará o fim da era do consenso criado pelos meios de comunicação.