O medo e o medo da morte

O problema do medo é que ele atrai sobre você exatamente aquilo que você teme. Esta é uma das lições mais valiosas que tiro da história de Jó, um homem sincero, reto, temente a Deus e que se desviava do mal. Não havia, pois, nada a censurar na conduta de Jó, a não ser o medo de que lhe acontecesse tudo aquilo que efetivamente aconteceu. É o próprio quem confessa: nunca esteve descansado, nunca sossegou, nem repousou. E, não obstante, o que ele temia lhe veio, o que receava aconteceu.

Ora, o medo é mais do que um sentimento: é toda uma disposição de espírito. Assim como a fé, ele é a certeza de coisas que não se veem – coisas más. O medo é mesmo uma fé para o mal. Tenho medo por saber que, entre as infinitas possibilidades de coisas que podem me acontecer, algumas me são amplamente desfavoráveis. Não importa que sejam possibilidades remotas: a simples existência delas me perturba, pois impede que eu tenha o total controle da situação. E o que eu quero é realmente ter o controle da situação – que não seja por descuido meu que o mal me sobrevenha.

Todo medo é medo da morte. Tenho medo por saber que pode me suceder um mal tão terrível que talvez não seja possível me recompor. Se eu soubesse que poderia viver normalmente depois que o mal acontecesse, eu provavelmente não teria medo. Mas, intimamente, acredito em danos absolutos e irreparáveis. É essa a razão do meu desespero, por mais ingênuo que seja o medo que me aflige, por mais que não exista nenhuma razão aparente para acreditar que, do enfrentamento, resultará a morte.

Se tenho medo da morte, é porque não acredito que dela advirá uma nova vida. Vejo a morte como um mal absoluto, diante do qual não cabe apelação – é o fracasso do meu desejo de continuar vivendo. Nada mais natural, portanto, que eu queira evitá-la. Mas se me preocupo excessivamente em fugir da morte, tudo o que consigo enxergar ao redor são ameaças à minha vida – não admira que eu seja enredado por uma delas.

No medo, não há descanso, sossego ou repouso. Pode-se falar efetivamente em uma vida de servidão. Sou escravo do medo e, para me proteger da morte, sou capaz até de abrir mão da vida – interessantíssimo paradoxo. Deixo realmente de viver a partir do momento em que exijo solo seguro para me locomover. Não tenho, e nem posso ter, nenhuma garantia de que, ao dar um passo, estarei dando outro no instante seguinte. É provável que sim, e é precisamente por acreditar nisso que saio do lugar.

O apelo à razão tem bem pouco poder sobre o medo – em geral as pessoas sabem quando seus medos são exagerados. Apenas duas coisas são capazes de enfrentá-lo: o surgimento de um medo maior ou a expectativa de uma recompensa. A primeira significa apenas que encontrei algo capaz de me matar antes. A segunda significa que me dei conta do que poderia ganhar se vivesse sem medo. Trata-se também de uma substituição: troco o mal que não vejo por um bem maior que ainda não enxergo. Pode ser a paz, pode ser a felicidade – pode ser a eternidade, derradeira vitória contra o medo. Resolvido o problema da minha morte, eu resolvo o problema da minha vida.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 07/04/2015
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