Sobre gorduras e consumos

Grandes replicadores costumam atrair para em torno de si uma enorme multiplicidade de replicadores menores. A forma de vida mais comum é o parasitismo, tanto em níveis estritamente biológicos, quanto nos modos industriais, ou nos modos simbólicos de existência.

Quando uma manada de ungulados se desloca por uma planície, cada indivíduo carrega em torno de si uma vasta profusão de moscas, carrapatos, e vermes dos mais variados tipos. A imensa população parasitária se aproveita das sobras energéticas dos enormes indivíduos constituindo uma nuvem de replicadores acoplada aos replicadores centrais. Moscas, carrapatos e vermes, são, eles própriOs, parasitados por criaturas ainda menores, sujeitas, elas também, a outros assédios.

De maneira análoga os gordos atraem e sustentam uma enorme população parasitária em torno de si, sugando seus excessos energéticos. Assim como um boi cria uma enorme quantidade de carrapatos ao permitir que uma matriz se nutra de seu sangue para produzir, a partir de tal alimento, uma prole numerosa que virá a se nutrir do mesmo sangue, também os gordos nutrem miríades de parasitas industriais.

Quando o gordo ingere um bombom parece, à primeira vista, estar destruindo um replicador, do mesmo modo que um boi ao chicotear uma mosca com seu rabo. Ocorre, no entanto, que o modo de replicação dos bombons, ao contrário do dos dípteros, pressupõe a destruição da matriz. Dessa maneira, a mosca eliminada pelo golpe desferido pelo boi, assim como o capim ingerido pelo animal são meramente destruídos, enquanto o bombom ingerido pelo gordo replica-se de seu modo indireto.

É conhecido o sistema de reprodução de numerosas espécies vegetais que exige que a semente passe através do trato intestinal de seu agente dispersor antes de germinar. Os bombons usam um modo ainda mais indireto de reprodução. Ao serem comprados nos mercados e lojas, o lucro gerado por essa ação dispara uma cadeia de informações e procedimentos que acarretam a produção de um novo bombom. Simultaneamente à produção do alimento, é gerada a embalagem que o enrola, assim como outra mais externa embalando o pacote de bombons, e outra ainda mais exterior para o transporte e distribuição do alimento. Junto com eles são criados os rótulos, as propagandas do produto. Também é gasto combustível para a distribuição do produto, fato que acelera a produção de mais combustível para substituir o anteriormente queimado. De forma geral, todo o gasto, em uma cadeia produtiva, é reposto em seguida pela produção de novo produto que substitua o anterior. Deve-se notar que a reposição do gasto vem acoplada às mesmas embalagens e gastos secundários que anteriormente acompanhavam o produto consumido.

Além dessa reposição, o consumo de determinado produto dispara uma onda crescente de produção de novos replicadores, muito além da mera reposição do elemento consumido. O consumo de bombons acaba gerando a elaboração de novas marcas e tipos, acarretando a diversificação dos tipos de bombons, culminando na diversificação dos doces e dos alimentos em geral, gerando possivelmente novos produtos anteriormente impensados.

Em torno dos gordos, especialmente, existem enormes nuvens parasitárias constituídas por enorme diversidade de guloseimas, embalagens associadas, discursos dietéticos, profissionais das dietas, produtos dietéticos de todos os tipos, revistas, programas de TV, conversas, roupas, e em suma, um enorme mundo parasitário associado à gordura que acompanha e se alimenta dos excessos energéticos dos gordos, do mesmo modo que os parasitas se nutrem de um rebanho.

Embora o discurso usual pareça sugerir a diminuição da gordura excessiva, as recomendações dos replicadores se voltam para sua própria reprodução. Não é espantoso, portanto, que os profissionais que dependem da existência de gordos propugnem, e defendam com veemência, dietas que impõem um grande número de refeições, sugestão aplaudida e ecoada por inúmeros elementos na longa cadeia parasitária que acompanha esses ricos hospedeiros.

Toda a vasta nuvem de parasitas orbitando em torno dos gordos conspira para a perpetuação desse estado. Os hábitos dos gordos alimentam a rede parasitária que os controla; cada um de seus gastos com produtos e serviços para o emagrecimento alimentará o sistema gerando novas guloseimas que os tentarão ainda mais, novos serviços que perpetuarão e fortalecerão as condições que prometem eliminar.

A sociedade de consumo consiste em uma espécie de glutoneria irrestrita e desenfreada, em uma voracidade direcionada não só aos alimentos, mas a uma enorme profusão de “necessidades” cada vez mais variadas. Nosso lixo individual, a quantidade de lixo que cada um de nós produz, supera as toneladas e cresce ano após ano. Constituem majoritariamente “necessidades” desconhecidas por nossos avós. A montanha de lixo produzida por cada um de nós, nossos dejetos, proporcionam uma descrição da vida de cada um de nós. A análise de nosso lixo revelaria nosso modo de vida; somos controlados pelas criaturas que jazem nos monturos, vivemos por elas, e para elas. Estamos enredados, presos por tais criaturas, transformados em marionetes, por elas. Nossa submissão aos artefatos torna-se maior a cada dia. Nossos filhos dependerão mais dessas necessidades que nós, nossos netos mais ainda que eles. Orgulhosamente, vamos aumentando nossa dependência da profusão de inutilidades criadas a cada dia. Consideramo-nos ricos quando nos deixamos prender na teia do consumo. Orgulhamo-nos de nos enredar cada vez mais no enorme emaranhado de inutilidades que criamos.

Os parasitas costumam controlar seus hospedeiros compelindo-os a facilitar sua transferência de um hospedeiro a outro. Controlam, por exemplo, a temperatura do corpo de um hospedeiro, aumentando-a, por exemplo, no momento adequado para atrair o mosquito que o transportará até um outro hospedeiro. Esse fenômeno de controle do hospedeiro pelo parasita, foi engenhosamente desvendado por Richard Dawkins em um livro intitulado “The extended phenotype”, no qual ele descreve como estranha e surpreendentemente, os parasitas são capazes de controlar as ações do hospedeiro com vistas a sua própria replicação.

De modo análogo, a profusão de parasitas criadas por nós, os artefatos, agora controlam nossas ações. Tais criaturas artificiais, hoje, exigem uma quantidade de energia muito superior à que utilizamos para a nossa própria replicação; é para replicá-los que geramos quase toda a energia produzida.

A imensa teia emanada pela profusão de artefatos controla nossas ações, nossos sonhos, nossos desejos, nossas metas. Controla nossas vidas. Eles já estão no controle. Embora iludidos, vivemos para eles.