Aula de Português VIII: Gramática Oculta

“Dominar a gramática” ou “dominar a Língua Portuguesa” é, geralmente, considerado um privilégio para poucos. Porém, digo, e com convicção, que sabemos e muito a gramática de nossa língua e esse conhecimento não se restringe, em sua maioria, àqueles que sempre se destacaram, nas aulas de português, mas a qualquer pessoa que tenha o português como língua materna.

Para afirmar isso, parto de dois tipos de conhecimento, aos quais alguns estudiosos dão as designações de “implícita” e “explícita”.

Partindo de um exemplo: eu sou capaz de me gesticular ao dar aulas e, por sinal, meus alunos dizem que sou muito expressiva, quanto aos gestos que posso fazer, usando meu corpo. Além disso, minha maneira de gesticular atende às propostas, ditas normais, na sala de aula.

Apesar de ter esse conhecimento de como me expressar gestualmente, desconheço o estudo da fisiologia muscular.

Jogo uma leve indagação: tenho ou não tenho conhecimento sobre fazer gestos durante a aula? – a resposta é que sim, tenho esse conhecimento em um sentido importante, pois “sei usá-lo” – tenho, portanto, o conhecimento implícito, mas tenho deficiência quanto ao conhecimento explícito, pois sou incapaz, no atual momento, de explicar o que acontecem com os músculos do meu corpo, quando estou gesticulando.

Então, partindo disso, provo que qualquer falante da Língua Portuguesa possui um conhecimento implícito altamente elaborado, muito embora não seja capaz de explicitar 100% a estrutura desse conhecimento. Mesmo pessoas que nunca tiveram contato com o livro “gramática”, chegam a ter o conhecimento implícito perfeitamente adequado da língua. São como pessoas que não conhecem a “fisiologia dos músculos”, mas que sabem bater palmas, abraçar e pegar objetos.

Para mais um exemplo, digamos que eu esteja saindo do colégio onde trabalho, cheia de livros, e encontra-se o flanelinha da esquina e esse me perguntasse:

- “Professora, posso pegar seus livros?”

Talvez, esse jovem desconheça que “Professora” seja um vocativo; que “posso pegar” seja uma locução verbal que tenha função sintática de um verbo transitivo direto; que “seus livros” sejam o objeto direto e que “seus” seja o adjunto adnominal do núcleo do objeto, ou seja, “livros”. Mesmo assim, conseguiu articular as palavras muito bem e passou comunicação, uma vez que foi uma expressão interrogativa bem-formulada. Porém, garanto que a mesma pessoa jamais apresentaria expressões como estas:

“Seus posso, professora, livros segurar?”

“Segurar, professora, posso livros seus?”

Creio que a imensa maioria dos falantes (escolarizados ou não) não falariam tamanha mistura de palavras e achariam construções como essas incoerentes. Trata-se, mais uma vez, que embora bela parte das pessoas não consiga explicar isso com eficiência, essas pessoas possuem um conhecimento implícito que as permitem não produzirem textos, como os dois exemplos acima.

Nesse mesmo raciocínio, continuando os exemplos, pode haver os seguintes comentários a respeito de um programa de T.V.:

“Eu vi Ricardo na T.V.”;

“Nós vimos Luana na T.V.”;

“Eu nos vi na T.V.”.

Porém, uma formação como a que vem a seguir seria quase de impossível de um indivíduo falar:

“Nós me vimos na T.V.”

Uma vez que, logicamente, o pronome oblíquo “me” não pode assumir função de objeto direto, quando o núcleo do sujeito é o pronome do caso reto “nós”, deixando o texto incoerente. Uma prova disso é que, automaticamente, se alguém visse um texto como esse falaria:

“Não seria: nós nos vimos na T.V.?”

Partindo dessas colocações, questiono: de onde tiramos esses conhecimentos? Como se explica que tenhamos intuições tão definidas acerca de frases que nunca encontramos antes? Tudo provém do uso que fazemos, a todo o momento, desse mecanismo maravilhosamente complexo que tem em nossa mente e que manejamos muito bem, obrigada.

Veridiana Rocha

05/06/07

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Referências:

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: Encontro & Interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

PERINI, A. Mário. Sofrendo a Gramática. São Paulo: Ática, 2002.