Qual o sentido da vida

Qual sentido? Apologia do medo e do absurdo

Viver é uma aventura. Não se sabe aonde se chega e nada que acontecerá futuramente. Isso significa que a vida é fruto do puro acaso? Qual dinamismo conduz a direção da vida humana? Essa incompreensibilidade em relação ao porvir e essa incerteza que caracteriza a nossa estadia no mundo é sinal da absurdez da existência ou apenas parcialidade na nossa percepção da realidade?

Não é que se deva querer e ter tudo de uma vez ou que as coisas sejam totalmente retilíneas, mas como se sentir cidadão quando se vive sem nenhuma ilusão, quando tudo parece sem sabor ou amargo? Deve-se repensar as feridas, as decepções, as incongruências e as desistências? Sim, claro, mas pelo fato que alguém seja positivo ou otimista, que tudo tenha dado certo e que encontre uma força para continuar lutando mesmo apos grande derrota, isso significa que exista um plano ou que tenha uma inteligência que conduza as vicissitudes humanas? Tem sentido os sacrifícios, as renuncias, as entregas e as humilhações que se sofrem em vista de um proposito? Não seria absurdo se submeter a certos regimes e esquemas em função de conquistar algo que não se sabe se alcança ou que se desfrutará de sua existência?

Aqui pretendo refletir um pouco sobre o medo e o absurdo que invadem a nossa experiência cotidiana e intelectual também, mas sem pretensão de rigor conceitual ou academicista, sem me orientar muito pelos paradigmas científicos, filosóficos ou teológicos sobre o tema, mas uma busca de maior compreensão e melhor aproximação de algo que arranha a nossa carne e que obscurece a tranquilidade do nosso caminhar. Uso de alguns aparatos teóricos, livros e narrações experienciais, mas como sugestão e como apoio, mesmo porque esses princípios fazem perceber que o que cada qual sofre faz parte da história de todos, ou seja, o modo que vivencio é particular, mas o problema é universal.

O ponto de partida é um axioma que se traduz em fatalismo ou em confiança, ou seja, a tremenda e desconcertante moção que compõe o absurdo, a inutilidade do esforço humano. Tudo quanto existe é destinado ao nada, a anular-se, a morrer. Qual o sentido de tanto trabalho, de tanta luta? Isso é determinismo fatalista ou realismo? É pessimismo diante das possibilidades ou coragem de olhar a vida como ela realmente é? Constatamos que o nosso destino está diante de nós mesmos e é aquele que provocamos e buscamos, que pagamos o preço de nossas escolhas, somos o que nos fazemos; tem ainda algo: o cuidado com a casa precisa ser de tal modo que destrua e não goze as alegrias que a casa possa oferecer?

Encontramos e nos desencontramos com pessoas, fatos e situações, em muitas vezes queremos sair de nós mesmos e nos tornar diversos para corresponder a um projeto nosso ou interesses de outros, e tudo isso não nos reduz a peça de engrenagem? Aqui acontece a negação da negação, onde se deixa de ser quem se é para se tornar o que se almeja ser, pessoalmente ou convencionalmente e o resultado, demonstra ser aniquilamento.

Sem apologia ao naturalismo ou desconfiança generalizada à chamada civilização, o que se pode apalpar é que ‘a vida se torna absurda quando se nega uma parte dela’ (Todorov: 2011, p. 219), como se para conseguir ter dinheiro perdesse a saúde e para ter sucesso abandonasse os afetos genuínos, isto é, a vida se torna absurda quando para galgar mais um degrau se deva demolir os outros que ajudaram a construir os passos.

Diante de tal incoerência, sem poder sentir todo o próprio mundo, muitos reagem com a banalidade, traduzida em milhares de aspectos, desde a liquidez dos valores, à destruição da própria casa ambiental, quanto à ganância de ter e possuir; outra reação é o plantar-se nesse mundo e sentir-se atraído e envolvido de tal modo por ele que professo uma evidente rejeição de qualquer outra possível perspectiva e, por isso mesmo, excluo qualquer mudança ou salvação. Quando se percebe a futilidade das próprias inventivas, a pessoa se lança em aventuras descabidas ou exuberantes, uma notável apreciação pelo aspecto banal da vida, sem nada que provoque admiração ou contemplação, tudo é devido, tudo é normal, sem originalidade, como relatado em “A Peste”, quer dizer, ‘O que é mais original na nossa cidade é a dificuldade que se pode ter para morrer’(Camus: 2002, p. 10).

A partir da interrogação da própria consciência, o dado se mostra como desespero, indecisão e perda, isto é, parece e é assim, a nossa experiência diz que tudo que é vivo morre e que haja uma permissão geral para a inexistência, onde vontade e merecimento não se enquadram. Como superar esse dilema e não se jogar no abismo do negativismo ou se lançar em um colapso alienante? Talvez buscando eliminar o sofrimento inútil como forma de sistema, principalmente excluído a lamentação. Preocupar-se menos com a repercussão das próprias escolhas e paralisar-se menos pelos erros cometidos.

Girando entorno da aplicabilidade de conveniências sociais até o que é natural se torna punitivo e malvado e as regras se tornam tormentos que o poder assevera para transformar valores em culpa. Então amar não é uma realização e sim uma condenação e um crime. Amar é sofrer pelo outro e para o outro. Amar é desproteger-se e permitir que o veneno da nostalgia paralise o instinto natural de salvar-se, dado que o amor provoca vulnerabilidade e contamina de incertezas quem teve a carne de seu horizonte afetado pelo espinho da fraqueza. O mal de amar é permitir que a fragmentação seja o modo comum de viver a totalidade.

Quem faz a experiência de amar sabe o quanto a sua existência é ameaçada e porque vive numa constante busca de equilíbrio, quando já se sabe que a natureza da pessoa é terreno escorregadio no qual tudo nasce, mas no qual tudo é destinado a desaparecer. Eis a raiz profunda da perplexidade e do mal-estar de quem busca pensar a própria condição. Nessa linha é razoável se perguntar: ‘Por que minha vida é uma tortura, por qual motivo não posso fugir nem da angústia, nem da depressão e nem mesmo do incessante sofrimento físico’? (Todorov: 2010, p.130). Essa tragédia vivencial como se explica? Essa imputação desmerecida e atroz a que de deve e por quais razões se aplica? É desconcertante imaginar uma bondade que se deixa minar pela sombra do que existe de mais enigmático e cruel num sujeito. Como expressar o fundo obscuro da alma quando não nos é permitido sermos quem somos e somos condenados quando não nos adequamos aos sistemas normativos ou contrariamos aos enquadramento exigidos para a convenção geral? Por que temos medo de dizer que somos perversos, limitados, necessitados, carentes e mal intencionados?

A relação entre servidão e pobreza é o que caracteriza, na maioria dos casos, os vínculos das pessoas, ou seja, a subserviência como manifestação de submissão e inferioridade e a necessidade como expressão da mendicância em relação ao outro ou aos seus serviços. Muitos se resignam à essa situação e a denominam normal, isso porque é usual e quase corriqueiro nos laços que estabelecem entre partes, sejam afetivas ou comerciais. Essa falta de horizonte e de mudança pode provocar o vazio. O vazio que é tradução de inexistência, mas também falta de perspectivas ou ausência de sentido. De um lado o vazio se identifica com o nada, com o não-ser e com o ainda não e, de outra parte, o vazio é a anulação, a miséria, a falta, ao que se entrever a totalidade, a bonança e a absolutização, quer dizer, tanto o totalitarismo quanto a mendicância são causados pelo absolutismo, o qual se manifesta como dogmatismo, como intelectualismo, como pedantismo, como relativismo, como banalização e também como indiferentismo.

E o que dizer da falta de expressão de tantas vidas? Como enquadrar os apáticos que na busca de proteção se tornam indiferentes e, como tais, culpados pela rejeição à vida? Por que tantas pessoas que como se não existissem? Quer dizer, que não fazem diferença nem para eles mesmos? Os sábios e inteligentes não são felizes, mas sabem que existem e tantos que no marasmo se arrastam para um destino que nem sequer se dão conta? São felizes ou sobrevivem a força do fatalismo circundante? Negar a própria condição, fugir de fazer escolhas e de questionar ou se interrogar e ainda fingir que não existem chegadas inevitáveis, fazem desses indivíduos mais contentes e felizes? Essa aceitação cega do dado e essa falta de espanto perante as circunstâncias pode evitar sofrimentos e angústias? A ignorância não é uma espécie de anestesia que muitos buscam conscientemente para não se desesperarem perante a falta de senso do próprio caminhar?

O quem vem a ser felicidade então? Proteger-se da verdade porque ela incomoda? A pessoa pode realmente ser feliz ou tem de se negar para isso? A satisfação e a realização são suficientes para dizer que alguém seja feliz? Não é muito mais real e presente a infelicidade? Quando mais se avança se percebe que não se chegará a nenhum lugar e isso causa pânico e falta de respiração e muitos preferem ignorar, como se ignorando a morte ela não chegasse. Fico como o ditado popular, que somente os loucos e tolos são felizes, ou ainda, que ‘não existe um gênio feliz’ (Todorov: 2010, 135). A nossa natureza é ambígua e descontinua, o que satisfaz agora não serve mais daqui um pouco, a não ser que alguém desista de buscar, de querer e de viver.

Algo que nos contenta e nos faz ter a sensação de felicidade é o amar e se sentir amado, mas em nós existe uma incapacidade de amar duravelmente, logo também esse estágio letárgico também passa, por isso muitos que vivem juntos, já estão por outras razões e não pelo mesmo amor, desde a conveniência, a parceria e o medo do novo, até a falta de encanto e o descrédito perante a própria natureza que como descontínua que é quer e não quer ao mesmo tempo, pois sempre faminta de novas presenças. Transfere-se o objetivo e se mascara com véus de felicidades, mas deixa alguém sozinho e que perca as conquistas para se verificar o quanto ainda são felizes? Felicidade não existe, o que existe é autoengano e auto complacência ou falta de interesse pelo próprio destino.

Sabendo-nos dentro duma guerra de sobrevivência, do salve-se quem puder, muitos se arvoram em levar vantagem sobre tudo e todos e a convivência se transforma em vampirismo ou abutricismo, isto é, suga-se tudo que o outro pode oferecer e devora até o cadáver, isto desde os laços familiares, como naqueles de trabalhos e serviços, como também no afetos e espiritualidade. Certo que para lidar e ser aceito em determinados grupos é comum a renúncia aos próprios desejos, a negação do que fere, operando a contumaz violência natural, predicando a punição da culpa pessoal ou coletiva e olvidando a pessoal inutilidade e a necessidade de existir com transparência. Sem querer forçar a aplicabilidade desse axioma, a pessoa se percebe envolvida nesse mar de difamação de si, isto é, deve esquecer-se e praticar espontaneamente a subserviência e subjacência do eu e testemunhar a sua integração no mundo dos “outros” ou conviver com o temor de não encontrar o amor que está constantemente buscando e que, talvez, não exista.

Por que algumas classes ou grupos são invisíveis perante a sociedade, e não somente dos pobres, mas soldados, enfermeiros, médicos, garis, mas também professores, quem os percebe a não ser quando precisa dos seus serviços. Isso porque deixa-se de lado aqueles grupos que existem e fingimos que não são, como os mendigos, as prostitutas, os homossexuais, os bêbados, os idosos, …, essa dimensão social da inexpressão existencial não somente fere, como é criminosa, e percebe-se claramente que na nossa visão ocidental, ‘o mal somente se anuncia na natureza através de seus efeitos’ (Schelling: 1991, p. 54) e não como algo ruim em si mesmo. O que se esconde numa visão como essa? O exercício desregulado da liberdade? As nossas ideologia não permitem distinguir entre liberdade natural, a liberdade declarada e a liberdade forçada. Achamos que a liberdade deva ser ou que seja absoluta e nos revoltamos quando o nosso complexo de absolutização não corresponde ao que realmente somos.

Dessa inferência nasce por um lado a controvérsia entre legalismo e justiça, isto é, entre o que é devido e o que se pretende, mas também entre a punição pela punição e a justiça como forma de melhorar o desenvolvimento geral. Mas também do mau uso das próprias possibilidades ou distorção de compreensão do que seja ser livre, as pessoas revelam seus instintos como se fosse forma de viver a liberdade e daqui nasce uma certa hierarquia das nossas bestialidades, ou seja, querendo ser superior nos mostramos inferiores até aos outros animais, capazes de gestos infames e atrozes que nenhuma besta selvagem realiza normalmente. Isso é fruto das nossas contradições estruturais? Encontra-se aqui as raízes da nossa insegurança e da nossa vergonha?

Essa contrariedade natural desemboca algumas vezes em expiação, culpa, remorso e em outras vezes em demonização, acusação e perseguição. Para preservar o próprio terreno e salvar a pele, o egoísmo prepondera e então episódios de exclusivismo e de intolerância parecem eliminar do horizonte o que nos impede de viver a confusa liberalidade. Não seria porque ainda não sabemos partilhar, dialogar e conviver com o diferente? Queremos domínio completo e sabemos o quanto ‘o absoluto mata e devasta’ (Todorov: 2010, p. 140) e o resultado comum, como a história infelizmente nos faz contemplar, são atuações de terrorismo individual e coletivo.

Fala-se sempre que um erro não justifica outro, mas quando se quer acusar ou absolver se faz desmesuradamente e, tantas vezes, sem o contexto das vicissitudes, o apelo à tradição e à história, como testemunhas de algo que está numa outra dimensão, uma guerra que se luta com armas diferentes. Isso caracteriza o que se chama a utilização indébita de recursos antigos e isso pode causar além de deterioração, também o silêncio e a disseminação de preconceitos. Tanto que em alguns ambientes, de pseudo intelectualismo, esquece-se que qualquer percepção mistura sempre realidade e fingimento, e por ideologia ou conveniência faz uma verdadeira cruzada a certos argumentos e personalidades, e ao invés de esclarecimento e conhecimento, produz-se hostilidade e guerra ao diverso, o contrario que a sabedoria produz, isto é, a hostilidade a todo tipo de guerra e tortura, inclusive aquela universitária e intelectual.

Essa indicação é procedimento comum, ou seja, barbarizamos o que não entendemos ou queremos evitar, operando a marginalização de sentimentos e de paradigmas, mas ao mesmo tempo confirmando que ‘os bárbaros são os que negam a plena humanidade dos outros’ (Todorov: 2008, p. 29). Como se posicionar diante desses guetos que excluem, rotulam e olham de malgrado os que não se enquadram em seus sistemas? Rebeldia e hostilidade seriam uma reação adequada? Mas como lidar com o medo da separação e da marginalização? Comprar uma luta e disseminar a vergonha e a discórdia? Certamente, como em qualquer situação que a pessoa se sente acuada e menosprezada, existe a tentação da vingança, de demonstrar a insignificância dos carnífices e os desmascarar. Porem, isso não seria também a necessidade de afirmação de si? O instinto primordial de preservação do que lhe é próprio?

Diante da massificação e de tantas interrogações desprovidas, se implementa uma razão desconfiada, que versa pela exploração dos defeitos e dos medos e manifestando como fruto da natureza descontinua e interesseira, a ferida da solidão e do abandono, mesmo porque em cada gesto nosso desfila, de algum modo, a ambuigüidade de sentimentos e de ação; é certo que o homem que vigia e que odeia é o mesmo que proclama a igualdade, mas sempre diferenciada, porque até o mais livres e espontâneos, são prisioneiros da própria liberdade e acaba por esquecer que ‘todo entusiasmo se pronuncia de maneira determinada’ (Schelling: 1991, p. 85) e não de modo absoluto e total como se pretende costumeiramente.

Os nossos relacionamentos são, na maioria dos casos, por conveniência, por obrigação ou por interesses, assim sendo, de modo quase automático acontece uma redução do outro a si e às próprias exigências, ou seja, nas nossas atitudes em direção ao outro tem uma certa indução ao desespero, quanto não uma imputação ao suicídio, estamos exagerando? Na hora do aperto, quando a pessoa deve decidir sobre a própria sorte e a o seu destino, a grande maioria renega os vínculos mais próximos, ainda que em algum caso tenha muita oscilação. Isso se dá porque ‘o homem é um ser indeciso. Somente ele pode decidir sobre si mesmo’ (Schelling: 1991, p. 61) e ele tem medo do desconhecido, do futuro, do não trivial e principalmente da responsabilidade pelos transtornos que podem suceder a partir de sua escolha e decisão.

O que dizer, que para ter segurança o homem seja antiquado? Ou toda essa perplexidade acontece porque ele seja demasiado visível aos outros? Não aconteceria em cada pessoa um desencontro de civilização? Seria essa uma boa explicação para as apologias sociais e religiosas que muitos enveredam? Ou seria a eterna obstinação politica e cultural de domínio e demarcação? Poderia encontrar nessa vontade de controle certa explicação pelo drama da dependência e da sujeição? Ou esse desequilíbrio entre ser a si mesmo e a vontade de permanecer daria inicio ao mal? Infelizmente, pode se perceber que ‘é a elevação da vontade própria que constitui o mal’ (Schelling: 1991, p. 45), mas existe uma explicação para o mal? O mal estaria relacionado com a busca de uma identidade? Se é verdade que cada rosto é a representação do território de si mesmo e que cada pessoa é uma verdade enciclopédica de seus próprios desejos, com todas as suas contradições e projeções, a manifestação da maldade teria nesse quadro uma possível explicação?

Como agir ou reagir quando a sociedade parece pedir que você se negue a si mesmo e o que você acredita em função de um objetivo ou de uma possível felicidade? Seria justo renegar a si mesmo e os seus para conseguir uma promessa? Seria viável pagar o preço de deixar de ser a si mesmo para ser salvo? Que salvação é essa que não restaura para quer que você se transforme em outra pessoa? Não é comércio determinados sacrifícios e renuncias em vista de uma provável libertação? O deus que te criou pede que deixes de ser quem eres e abandones tudo? Quem está sendo salvo num caso como esse? Devo destruir a minha identidade para ser feliz ou salvo? Não estou me vendendo? Se é assim, de ‘de onde vem Deus’? (Feuerbach: 2007, p.9).

Cada viagem é um movimento de entrar e sair de si mesmo, pois a vida mesma é um sinuoso movimento que faz cada pessoa serpentear entre o ser e a negação da própria existência, realidade onde cada biografia é uma autobiografia e cada afirmação é também negação. Nessa linha, percebe-se que entre natureza e cultura existe uma relativa solidão, porque eu sou um outro. E essa consciência provoca o isolamento, algumas vezes me preservo, mas em outras me suicido, dado que ‘quando me creio diverso, então sou igual’ (Todorov: 2011, p. 214) e porque na convivência existe a compensação e as desventuras, assim como a multiplicação de ociosidades. Não cabe apelar para o essencial, mesmo porque tem essência falsa e diferenciação lá onde tenha desconfiança e medo.

É uma assertiva que ‘a pessoa é responsável dos próprios atos mesmo sofrendo qualquer tipo de pressão’ (Todorov: 2011, p.132, mas a responsabilidade implica a humanização, ainda que haja uma imposição da liberdade do outro, quer dizer que a realidade absurda é a medida da falta de gratuidade e que todos estamos infectados de suspeitas e de apologias.

Nessa altura cabe uma pergunta: Existe realmente um sentido? Qual o fundamento da nossa existência? A única realidade vigente é o absurdo e a inquietude, mas se infere que ‘o fundamento do mal reside na positividade suprema contida na natureza’ (Schelling: 1991, p. 48). Então, seria o absurdo a prepotência de ser e de querer? Como tem confiança quando se é destroncado no que é mais preponderante na própria história? Como acreditar quando somente se vive o desespero? Como afirmara alguém: ‘Ele viu o mal muito perto para acreditar ainda na vida e agarrar-se a ela’ (Todorov: 2011, p. 255). Transferir aos demais a miséria da própria situação? Deixar de lado as situações preocupante? Ignorar a inutilidade de tudo? O que seria o mesmo que dizer ‘é necessário que nos ocupemos da abstração’ (Camus: 2002, p. 81) e esquecer as coisas reais e autênticas.

A transferência das próprias responsabilidade se evidencia mostrando que o outro, o estrangeiro, o diferente é que é o cruel e o errado, o que causa transtorno e desequilíbrio, é aqui onde ‘o medo se torna um perigo para quem o experimenta’ (Todorov: 2008, p. 15), mas essa atitude antissocial é porta de justificação de todo tipo de intolerância, de exclusão e de violência, culminando na exacerbação do eu e, como consequência, a falta de porquês e a disseminação da morte. Desse modo, o suicídio é a absolutização do egoísmo, é absoluta negação do outro e a busca desenfreada de afirmação de si.

Muito além da esquizofrenia existencial e dos vícios cotidianos que exibimos como virtude e modelo a ser seguido, o medo do outro faz com que o homem se anule e se revele ao mesmo tempo, o que significa que no contato com o outro ‘o espirito mostra os dentes’ (Domanin: 2007, p. 105) e provoca guerras, sempre injusta, para proteger a própria propriedade e a sua autonomia. A perda da hegemonia, seja ela territorial, econômica, cultural ou religiosa leva o homem a atitudes drásticas e ferozes. Mas é bom se perguntar: ‘Qual o bem que pode ser tirado do mal’? (Mancuso: 2014, p. 335), ou seja, desde quando um erro justifica outro e a busca de um bem justifique a negação de um outro? Como saber se a intenção pela qual sou guiado é reta e a mais apreciável? Tudo isso não seria a vontade de negar o diverso? Não se deve perder de vista que ‘a enormidade do mal do passado não justifica o mal do presente, mesmo se infinitamente menor’ (Todorov: 2011, p. 267).

Cabe esclarecer o que realmente acontece, isto é, até que ponto ha gratuidade no que fazemos e somos e também verificar se não somos movidos sempre por interesses e medos, já que ‘a vontade do homem é o germe de deus, escondido na eterna nostalgia, que ainda habita somente o fundamento’ (Schelling: 1991, p. 44), como procede essa falta de significado e essa maledicência no comportamento da pessoa? Como poder ser o que se é sem precisar mentir, sem delatar e sem se iludir? O mal vem da desconfiança de um para com o outro e da busca de proteção de si? A religião seria um refúgio para suprir essa carência nos relacionamentos e de sentido?

Essa constatação leva a uma inquietação imensa: ‘Como posso saber que Deus seja diferente do que é pra mim’? (Feuerbach: 2007, p. 47). Deus é algo objetivo, que é independente de mim ou ele precisa de mim para existir? Seria ele uma projeção de meus desejos e fantasias? A busca de supressão do meus medos e da tentativa de estabelecer laços menos maledicentes com o outro? Dizendo isso se afirma que ‘a religião é subjetivamente afeição’ (Feuerbach: 2007, p. 55) e como fica sua pretensão de verdade e de imparcialidade? A religião e Deus é uma necessidade do homem, uma transferência de seu profundo ou a impossibilidade do homem de se compreender com tal?

De um lado vemos que ‘a transcendência abita a nossa terra, mas é acessível somente aos exigentes’ (Todorov: 2010, p.138), mas isso é real ou essa famosa abertura ao outro e ao divino não passa da onipotência da afetividade? Essa presença do divino em nós é tangível ou é um recurso para manipular a falta de direção da nossa realidade? A vida tem razão ou ela é absurda? Se ‘a amizade pressupõe a igualdade’ (Mancuso: 2014, p. 163, então somos deuses ou os deus são frutos de nossa imaginação e medo.

Bibliografia

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Pejotaribeiro
Enviado por Pejotaribeiro em 26/06/2015
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