A economia real, a ilusória, e a loucura do mundo contemporâneo

A fabricação de uma coisa qualquer exige certa quantidade de trabalho. Esse computador, por exemplo, exigiu algumas horas de trabalho; foi preciso que alguns operários gastassem certo tempo montando as placas, o teclado, a tela, etc.. Também foi preciso produzir os componentes necessários às montagens. Todo o projeto e produção de softwares também exigiram muitas horas de trabalho distribuídas conjuntamente à infinidade de unidades produzidas. Tendo aplicado todo o esforço desse trabalho a materiais encontrados e colhidos por outros trabalhadores, fabricou-se o computador que temos em mãos. As ferramentas utilizadas também exigiram trabalho para sua fabricação.

De modo análogo, qualquer objeto fabricado exigiu certo número de horas de trabalho. Tanto o objeto quanto o tempo referido são reais.

O preço desse objeto, no entanto, tem um componente francamente ilusório. A propaganda e o marketing são formas de iludir o consumidor, de enganá-lo levando-o a desejar os mais variados produtos e a pagar por eles um preço disparatado. A troca justa deveria ser uma hora de trabalho por outra; trapaceiros, no entanto, desequilibram fortemente essa relação, conseguindo com frequência trocar uma de suas horas por milhares de outras. Essa forma de logro é, não apenas tolerada, mas francamente estimulada, elogiada, em nosso mundo.

Se encontrássemos algum trapaceiro induzindo um otário a trocar uma nota de 100 por uma de 1, provavelmente interviríamos denunciando a trapaça e o embusteiro. Mas vemos cotidianamente as multidões trocando uma hora de seu trabalho por milhares de outras de uns astuciosos, e nada fazemos para intervir. Normalmente, aliás, elogiamos a “sagacidade” do pilantra capaz de realizar o prodígio, e o invejamos. Somos todos estimulados a agir de modo similar, enganando o semelhante extorquindo-lhe o trabalho, trocando uma hora nossa por inúmeras do outro.

Existem inúmeras maneiras de se realizar tal enganação, falcatruas costumam fertilizar as mentes. Propaganda e marketing são instrumentos legais utilizados com esse fim, fenômenos muito prestigiados, tidos em alta conta em nosso mundo. O dinheiro obtido com a burla compra não só os objetos e o trabalho, mas também os tribunais, as moralidades, as crenças e tudo o mais.

Aplicando-se o trabalho a um dado material, obtém-se um produto. Aplicando sobre esse a propaganda tem-se o seu preço. Uma parcela desse preço paga o tempo de trabalho necessário para a fabricação do objeto, o restante paga a enganação, o ludíbrio. Frequentemente pagamos muito mais por essa ilusão que pelo valor real do objeto.

Como resultado temos, de qualquer modo, um produto real revestido por uma roupagem ilusória.

Creio ter apresentado um resumo de economia básica.

Os estranhos processos descritos acima acabaram levando nosso mundo a um impasse surpreendente. A economia real, o mundo de verdade, foi deixada aos pobres, enquanto os ricos se encarregaram da ilusão. Muito mais que em outros tempos, os ricos têm se especializado em enganar os pobres, iludindo-os cada vez mais, conseguindo valorizar suas falcatruas a extremos, tornando-se capazes de trocar uma hora das suas por tantas da multidão que seu número não seria crível se explicitado aqui.

O fenômeno se espalhou em vários níveis de modo que, não apenas as pessoas ricas, mas também os países, se especializaram nesse logro. Assim, os países ricos repassaram a fabricação dos produtos para os pobres. O pobre labuta para fazer o produto real que o rico se apossa, e vende por preço muitíssimo maior que o pago pela fabricação. Desse modo, os pobres trabalham e os ricos levam a grana. A esperteza fez com que toda a produção real passasse a ocorrer nas regiões pobres, especialmente na Ásia. Europeus e norte-americanos se encarregam da mágica, da ilusão; fazem uma marca no produto, e o vendem por centenas de vezes mais do que pagaram.

Mas os asiáticos são cultos.

O sistema educacional chinês e o de muitos países asiáticos estão entre os melhores do mundo.

Quase toda a produção econômica real está sendo feita, hoje, na Ásia, especialmente na China. Europa e EUA se encarregam, fundamentalmente, da produção de ilusões, muito mais lucrativa. Também produzem tecnologia, software e entretenimento.

Por serem cultos, os asiáticos conseguem reproduzir os produtos industriais, frequentemente, mais aperfeiçoados que os originais.

Esqueci de mencionar que o produto mais lucrativo dos EUA talvez seja, absurdamente, o dinheiro; papel impresso, ou números em contas bancárias.

Assim, a economia asiática é real, a do primeiro mundo é ilusória; extremamente lucrativa, mas irreal e baseada em crenças. As multidões do mundo inteiro estão adestradas a pensar e repetir que as marcas controladas pelos embusteiros propagandistas valem mais que as outras. Têm pagado muito mais pela marca que pelo produto real, estão adestradas a pensar que deva ser assim. Pagam pelo embuste. (Também somos levados a considerar desonestos os “piratas” que vendem seus produtos baratos. Acreditamos que os honestos devem trocar seu tempo de trabalho por inúmeras de nossas horas, podemos acreditar em qualquer coisa).

Um dos paradoxos do mundo contemporâneo está fundado nessa inversão. O poder mundial não está mais sustentado por fatos (embora o poder bélico dos EUA seja descomunal). Mas o poder econômico real, quase toda a produção real ocorre na Ásia. Os asiáticos dominam hoje, virtualmente, todos os produtos palpáveis. Sendo mais cultos que os restantes, logo sobrepujarão os ocidentais na fabricação de software.

O capital mais significativo de todos é a cultura, a sabedoria de um povo. (Estamos nós, brasileiros, entre os mais obtusos do mundo, uma lástima).

O crescimento econômico asiático é avassalador; tendo se apropriado da produção real, os asiáticos logo dominarão toda a ilusão espargida sobre ela.

A economia americana minguará ante esse crescimento, como um pudim solado.

A economia americana se sustenta, hoje, apenas em crenças. (Há certo respaldo também em suas bases militares).

O dólar ruirá, deixará de ser a moeda internacional, fonte de renda fácil e exorbitante.

O eixo do poder migrará para o oriente.

Será o momento de se denunciar, de se reconhecer essa absurda forma de logro que temos consentido. O estelionato tem sido o meio de vida dos milionários, sua fonte de renda. Legalidades e moralidades têm sido definidas e impostas pelos farsantes. Os fundamentos de nosso mundo, como esses, serão revolvidos, remexidos, expostos durante a grande crise que se anuncia, concomitante à mudança do poder, e das regras. Viveremos, em breve, a maior revolução da história da humanidade. Ondas imensas revolverão todas as crenças. Aguardamos mudanças drásticas.