Psicanálise, fantasias sádicas, ética e sublimação

COSTA, Irene Cristina dos Santos

Observa-se que, na Psicanálise, o material trabalhado além do sintoma, é a fantasia. Nesse caso, a fantasia não pode ser confundida com um sintoma e ser dissolvida e curada, antes, segundo Freud, ela é uma construção, que se origina no sujeito. O analista, ante as comparações clínicas psicanalíticas efetuadas em seus estudos, vai desenvolver observações das reações do sujeito em relação ao outro.

Logo, Freud aborda o sadismo como uma pulsão em que o sujeito “violenta o outro” como forma de alcançar o gozo, o outro é o objeto de desejo que estabelece a condição (possível ou impossível) dessa realização do gozo. Já Kant toma o objeto (a coisa) como argumento de sua teoria e, nesse sentido, o bem assume o papel moral e o papel material. Dessa feita, o trabalho de prudência nos permite alcançar a felicidade, a obediência à lei, a virtude. O saber sobre a coisa (moral) leva-nos ao encontro do bem a ser alcançado (material), este vai se ajustando ao imperativo do desejo no que tange à busca da felicidade, da satisfação do desejo e, principalmente à concretização do gozo.

Assim, a teoria freudiana estabelece que o objeto e a preocupação deste reflete-se sobre o outro através da aproximação, isto é, a Coisa determinada pelas coisas similares porém não exatamente iguais. Em outras palavras, por uma associação quase metafórica das coisas, como se pode observar no seguinte exemplo: o Grito (isto é a Coisa) relacionado às recordações do grito (coisa) e suas vivências da dor trazendo à tona ressignificações do objeto producente da mesma. Essas reminiscências da dor (res)significam a dor e remontam a essência do Grito.

Logo, se em Freud a Coisa é a parte estranha, as representações são seu modo de relembrar, reconhecer, tornar familiar, aproximar aquilo que no processo de castração se perdeu do sujeito e na relação com as coisas (bens materiais) assumem novos significados; em Heidegger esta relação proximal não pode ser explicado, uma vez que a Coisa não se confunde com os objetos; a coisificação dos objetos levariam o homem ao vazio. Dentro dessa dicotomia, Lacan, por sua vez sintetiza as ideias de Freud e Heidegger a fim de expressar seus pensamentos sobre a Coisa e a coisa, abordando a ação do bem como moral e bem como material frente a ética, como possibilidade de experiência do próprio desejo.

As fantasias sádicas adquirem papel importante nesse âmbito, uma vez que ajudam a entender o objeto do desejo seja caminhando em direção à sublimação, como afirma Freud, para aquém da moral, como uma experiência ética em relação ao objeto do desejo; ou como forma de satisfação a realização do gozo para além da moral. Quando esse ir além se torna regra, pode ser visto como perversão. Nesse ponto, cabe estabelecer os limites entre o que é real, o que é fantasia e o que é imaginário e dentro dessa tríade (imaginário, fantasia e realidade) estabelecer os limites das verdades estabelecidas, seja nas relações amorosas, políticas ou sociais onde o poder se reflete na consumação do desejo sobre o outro, porém, deve retornar como reflexo para o sujeito em si, lembrando-se, todavia, que quando algo é consensual, em função do alcance do gozo (sem a anulação do outro), pode representar, de modo expressivo, a intercessão entre o real, a fantasia e o imaginário na busca pelo gozo nas relações com o outro. Não significa no entanto a realização plena do gozo, mas a satisfação parcial que traz aceitação e (im)pulsiona a novas e infinitas buscas. Enquanto se estiver vivo, a busca pelo gozo é, portanto, segundo Freud e Lacan, uma realidade que lança mão do imaginário e do simbólico para se efetivar.

O Marquês de Sade, por exemplo em suas fantasias sádicas perseguia a Coisa, objeto de seu desejo na figura feminina da donzela, qualquer uma que representa a virtude, a célula Mater (a mãe), não no sentido próprio, mas simbólico, e quando punido por sua ação sádica em relação a essa donzela (coisa), qualquer donzela, resolvia seu sentimento de castração em relação a Coisa (mãe) objeto de desejo e realização de seu gozo, ainda que para muitos, pervertido gozo.

Nina Costa
Enviado por Nina Costa em 30/09/2015
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