É POSSÍVEL UMA ÉTICA PSICANALÍTICA?

COSTA, Irene Cristina dos Santos

Resumo:

Neste ensaio, apresento considerações sobre a Ética da Psicanálise. Busco refletir sobre a possibilidade de a Psicanálise servir como elemento fundador de uma ética, tanto para o profissional (analista) como para o leigo que dela fizer uso. Primeiramente, apresentarei algumas concepções de ética e moral e, em seguida, farei considerações com a finalidade de tentar responder a seguinte indagação: É possível uma ética psicanalítica?

Palavras-chave: moral; ética; psicanálise.

Pergunta-se: É possível uma ética psicanalítica?

Procurando responder à esta questão, tendo como parâmetro a psicanálise, pergunta-se mais ainda: É possível estabelecer regras e valores que possibilitem a harmonia social, emocional e psicológica do homem enquanto ser em coletividade?

Apesar de entender que a psicanálise tem algo a dizer sobre essa situação - sobretudo os trabalhos de Freud, que creditam à violência e à auto-violência a não canalização da agressividade para fins socialmente úteis, o de Winicott, que a considera decorrência de uma situação de intensa frustração, e o de Lacan, que a compreende como meio de reação à produção de uma ferida narcísica – ficamos perguntando se é possível uma ética psicanalítica que possa servir como um guia a mais – além das filosóficas – para ser empregada com a finalidade de evitar que situações de selvageria, como as aqui apresentadas, voltem a ocorrer. Por exemplo, a máxima de Kant (1786/1960), que afirma que o sujeito só pode agir de maneira tal que a sua ação seja passível de universalidade.

A fim de refletir sobre tais indagações, inicialmente apresentarei algumas concepções de ética e moral e, em seguida, farei considerações sobre a possibilidade de uma ética psicanalítica, ou seja, da possibilidade do estabelecimento de um reto agir fundamentado nessa ciência.

Definições de Ética x Moral

Sob o aspecto etimológico, ética e moral são sinônimos, a diferença encontra-se na origem da palavra, uma vez que ética é proveniente do grego ethica (vem de ‘ethos’, que significa o modo de ser, o caráter, indica o comportamento do ser humano), e moral, do latim morus (relativo aos costumes), e ambas significam ou dizem respeito aos costumes de um povo.

Ética é um conjunto de conhecimentos extraídos da investigação do comportamento humano ao tentar explicar as regras morais de forma racional, fundamentada, científica e teórica. É uma reflexão sobre a moral.

Moral é o conjunto de regras aplicadas no cotidiano e usadas continuamente por cada cidadão. Essas regras orientam cada indivíduo, norteando as suas ações e os seus julgamentos sobre o que é moral ou imoral, certo ou errado, bom ou mau.

No sentido prático, a finalidade da ética e da moral é muito semelhante. São ambas responsáveis por construir as bases que vão guiar a conduta do homem, determinando o seu caráter, altruísmo e virtudes, e por ensinar a melhor forma de agir e de se comportar em sociedade.

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Mas, com o passar dos séculos, tais termos acabaram assumindo significações diferentes: Moral passou a representar o conjunto de valores e de regras que possibilitam a vida das pessoas numa dada comunidade. A Ética, a definir o papel filosófico, compreendendo a reflexão – o pensar – sobre a moral.

No senso comum, também, tende-se a haver outra distinção entre ambas: Moral, quase sempre se atribui um sentido negativo a determinada pessoa. Por exemplo, tal indivíduo é moralista, é visto como sinônimo de retrógrado, arcaico e defensor de ‘falsos’ valores, dos “bons costumes” (somente na aparência, pois, em secreto, mostra toda a sua perversão, o que se revela nos típicos adágios populares: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, “a boa esposa é uma dama na sociedade e uma puta na cama”, “quem vê cara não vê coração”, etc.). Ética, se atribui à pessoa de maneira positiva e quase sempre a associa à honestidade, honradez, justiça, generosidade, às virtudes e a harmonia social.

Ética e Psicanálise

Nas obras filosóficas de Aristóteles, principalmente em “Ética a Nicômaco”, a ética é vista como parte da política que precede a própria política, e está relacionada com o indivíduo, enquanto que a política, em si, retrata o homem na sua vertente social. Logo, toda a racionalidade prática visa um fim ou um bem e a ética tem como propósito estabelecer essa finalidade suprema que está acima e justifica todas as outras, e qual a maneira de alcançá-la. Tal finalidade é a felicidade, e não se trata de felicidade na realização dos prazeres, riquezas, honras, e sim de uma vida virtuosa, virtude essa, que se encontra entre os extremos e só é alcançada por alguém que demonstre prudência.

Na teoria de Kant (1786/1960), a moral refere-se às regras e aos valores que possibilitam a harmonia social. a ética também diz respeito a regras e valores, porém, relacionados à busca da harmonia individual ou de alguma forma de felicidade (desde que, é óbvio, tal aspecto não implique na infelicidade alheia e, em consequência, na instauração da desarmonia social). Pode-se definir a ética da psicanálise como a ética do desejo (FRANÇA, 1996; GARCIA-ROZA, 1996, E ROCHA, 1996). Gozo.

Todavia, pode-se entender que desejo é falta. Assim, quando se busca satisfazer o desejo, segundo KUPFER (1988 e 1990), está dando alimento à demanda, que alude e ilude ao desejo ao mesmo tempo (semelhante à definição de sintoma apresentada por Freud). Alude uma vez que sempre se estará buscando satisfazê-lo, ilude quando nessa tentativa, produz-se respostas que aplacam os conflitos da irrealização através de respostas sublimadas (teoria de Freud), isto é, o gozo pelo Gozo.

Assim, segundo a teoria kantiana, jamais se conseguirá satisfazer plenamente o desejo, pois – ao passar pelo desfiladeiro da linguagem – ele aliena o sujeito, nomeando o desejo e, com isso, tornando-o igual ao de outros; aspecto radicalmente contrário à sua própria natureza, que é a da singularidade. E, ao satisfazer a demanda (ou um simulacro de desejo), estaria, na realidade, fazendo o jogo da moral vigente.

A ética da psicanálise de Lacan (1959-1960/1988) está recheado de preocupações e proposições que discorrem sobre a "experiência" desse desejo e do gozo na modernidade, situando essa experiência em momentos históricos específicos e, muito diretamente, quando a lógica da propriedade estabeleceu um direito ao gozo e o que se denomina ali de "serviço dos bens", fundando, assim, a lógica do poder, momento denominado de "nascimento do poder" (Lacan, 1959-1960/1988: 279). Neste texto, Lacan não só considera, mas analisa de maneira contundente as modificações próprias da modernidade e seus efeitos para a ética do sujeito.

Veja: O indivíduo guiado por suas pulsões vai atrás de um objeto (objeto de desejo). Nesse momento, ele deveria sofrer o interdito, que para Freud, seria desencadeador dos conflitos, a castração. Por exemplo, uma mãe dizer ‘não’ ao seu filho quando ele for abrir uma determinada porta. Segundo a teoria de Kant, é graças a esse movimento que o seu aparelho psíquico será formado, pois desejo não morre e, então, ele continuará no sujeito, mas ocupará um lugar – construído por ele próprio – para ali residir: o inconsciente em pequenas frestas de janelas, em buracos de fechaduras e vorazes olhos voyeurs

Observa-se que, diante disso, não há como impor – caso seja possível a sua existência – uma ética psicanalítica, pois ela só teria em sujeitos analisáveis. A Psicanálise aqui, sob a óptica da teoria kantiana, assume o papel de auxiliar o paciente a tomar contato com a sua singularidade e, a partir disso, construir maneiras de se relacionar com o social mais amplo, todavia, nesse sentido, ela se locomove exatamente contrária ao fluxo da moral, que pede regras e valores para todos, uma vez que sua preocupação é com o sujeito, e , portanto, indubitavelmente, mantém-se uma constante tensão entre o individual e o social, de modo que a sociedade vai se transformando como decorrência dessa dialética.

Quanto à Freud, nota-se que este não postulou uma ética/moral psicanalítica extramuros. Talvez porque – como sábio que era – ele sabia ser impossível. Todavia, ele buscou enfatizar a necessidade de jamais o analista faltar com a verdade e buscar a neutralidade a todo o custo no seu trabalho analítico. Para ele, se existe uma ética, esta existe em função do paciente, não do analista.

Se existe uma ética da psicanálise, ela está do lado do analisando, não do analista ou da teoria. [...] Se, enquanto analistas, existe algo que podemos fazer para que a psicanálise mantenha um compromisso ético, é nunca deixarmos de nos ver como analisandos, de fato ou em potencial. [...] Deixar de se ver como analisando é uma espécie de ‘doença senil’ dos psicanalistas, não porque nos acometa só na velhice, mas porque representa o envelhecimento de nosso compromisso com o desejo nosso e de nossos analisandos (KEHL, 1996, P. 120).

Lacan parte dos pressupostos contidos nos textos fundamentais de Freud, retomando as discussões freudianas da relação do sujeito com uma regulamentação cultural das pulsões, mas para reafirmar o mal-estar causado pela existência de "um elemento de impossibilidade" (Lacan, 19691970/1992: 43) próprio da relação do sujeito com o outro e com a cultura; impossibilidade esta de consecução plena de uma gestão simbólica e política desse elemento intruso: o gozo. Isso significa que a referida ética está comprometida com a tentativa realização do desejo, configurada na constante busca por esse objeto de desejo à consumação (irrealizada) do

Freud (1913-1914/1972) tratou desses temas (Ética/Moral) à partir da interdição do incesto (analisando os complexos de Édipo e de Eléctra, mitos e conflitos) afirmando uma imposição inaugural de perda para o sujeito em sua relação com a Lei. Considera, contudo, que algo de paradoxal aí se apresenta - um paradoxo da Lei. Pode-se dizer que, a partir do momento em que se estabelece uma interdição, uma perda de gozo, duas vias se abrem para o sujeito, pondo-o diante de uma escolha ética fundamental:

1) aceitação da normatização pelas leis simbólicas da cultura, e da linguagem - balizadas pelos ideais fálicos e pela castração, que através da transferência ou sublimação do desejo produz respostas aceitáveis à sociedade, isto é, o gozo pelo Gozo, a coisa pela Coisa;

2) um efeito paradoxal de gozo com a transgressão e a culpa, um gozo de morte, viabilizado pela submissão a uma ordem superegóica: um gozo sádico/masoquista, caracterizando-se na perversão em função do Gozo (mesmo que concretamente inalcançável).

Nesse sentido, a ética para a psicanálise se define ou concerne ao desejo (wunsch) dos seres falantes e do real do gozo que o determina. Ela está, intimamente, associada, a descoberta freudiana do inconsciente e do desejo (wunsch) indestrutível que exige satisfação imperiosa. Sendo assim, importa fazer considerações acerca da sexualidade e do desejo.

Os conceitos freudianos de sexualidade e a sua abordagem clínica da mesma requerem, conforme afirmava Lacan, uma posição ética radical. E essa conversão é definida como a introdução do sujeito (analista e analisando) na ordem do desejo, considerando que, nem um nem o outro podem ser excluídos dessa situação desejante, nem se excluir aquilo que se frisa como objeto de desejo

Logo, o “Desejo como desejo do Outro, desejo do Outro que é objeto do desejo” e perseguido incansavelmente, gera conflitos, mecanismos de defesas do Ego, sublimações, transferências, atos falhos, sonhos nos homem ‘normal’ (sujeito à lei, à moral, portanto ciente de seu compromisso ético); e taras, tabus, neuroses, histerias, perversões, naquele que sucumbe a seus desejos e castrações de desejos em busca do Gozo, seria o caso das relações sádicas/masoquistas, uma vez que que todo sádico desperta no outro o equivalente masoquista, e encontra na dor e degradação do Outro o prazer da Dor.

Bibliografia Referências:

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco (Coleção Os pensadores, pp. 118-320). São Paulo: Nova Cultural. 1996. (Sem a data da publicação original do trabalho).

FRANÇA, M. I. R. F. A clínica psicanalítica e a ética do desejo. In: França, M. I. R. F. Ética, psicanálise e sua transmissão (pp. 179-187). Petrópolis, RJ: Vozes. 1996.

FREUD, S. (1996). O mal-estar na civilização. In: S. Freud, Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud (J. Salomão trad., Vol. 21, pp. 67-148). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1930). 1996.

FREUD, S. Totem e tabu. In: S. Freud, Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud (J. Salomão trad., Vol. 13, pp. 13-163). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1913).1996.

GARCIA-ROZA, L. A. Ética e política em psicanálise. In França, M. I. R. F. Ética, psicanálise e sua transmissão (pp. 19-33) Petrópolis, RJ: Vozes. 1996.

HTTP://psicologado.com/abordagens/psicanalise/a-etica-na-psicanalise-a-partir-de-seus-conceitos-centrais-e-sua-relacao-com-a-terapeutica

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KEHL, N. R. Psicanálise, ética e política. In: França, M. I. R. F. Ética, psicanálise e sua transmissão (pp. 109-121). Petrópolis, RJ: Vozes. 1996.

KUPFER, M. C. M. Freud e a educação. São Paulo: Scipione. 1988.

KUPFER, M. C. M. Desejo de saber. São Paulo, 1990. 214p. Tese de Doutorado. Curso de Pós-graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. 1990.

Nina Costa
Enviado por Nina Costa em 30/09/2015
Reeditado em 30/09/2015
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