A Morte do Romantismo

Eu sei, é clichê, mas que homem e mulher nunca parou para pensar aonde diabos foi parar nosso querido hábito de fazer amor em versos, mostrar ódio, admiração, sonhos e veneno com a mão firme deslizando sobre uma folha de papel?! Outro dia, aliás, especialmente ontem, durante o dia dos namorados, fui inebriada por um bando de devaneios nefastos sobre os homens e as mulheres do século XXI.

Antes que comecem a me apedrejar, não sou solteira. Na verdade, este deve ter sido o motivo crucial que me obrigou a considerar o assunto com tamanho afinco. Se mesmo as pessoas comprometidas vivem em relacionamentos muitas vezes desprovidos da animação, ansiedade e envoltura de uma trama romântica das eras passadas, quem dirá os solteiros contemporâneos que aprendem que não precisam de mais do que um par de palavras carregadas e roupas pavônicas para chamar a atenção de uma mulher?

Fico indagando a mim mesma e convido aqueles que tiverem coragem o suficiente para fazer o mesmo: Há quanto tempo esquecemos do que realmente importa?

Acho que tudo se deu com a evolução do homem perfeito, idealizado em tempos remotos por grandes gênios do romance como nosso adorado Shakespeare. Ah, disso o Bardo entendia com veemência. Claro que a adaptação de Romeo e Julieta criada por ele foi mais famosa, até mesmo do que a original, situada em Siena, e consagrou o homem como o romântico de todos os séculos. Pensemos então em todos os seres masculinos como Romeo Montecchio, sedutor, baderneiro, viciado em lutas e brigas sujas de beco, bêbado, e fã da boa farra com os amigos. Qualquer semelhança com os jovens modernos não poderia ser mera coincidência, certo? Pois bem. O que diferencia o herdeiro dos Montecchio de todos os outros homens que conhecemos é que, para o Bardo, todo homem bárbaro e arrogante tende a se perder e deixar desmoronar a barreira que o cerca para tornar a si num ser tolo e instintivo, liderado e guiado unicamente pelo amor.

Romeo fala em prosa. Quantas vezes você já comparou sua namorada a um dia de verão? Parece bobo, não é? Mas, e se eu disser que, para Shakespeare, a comparação significava dizer que Julieta era gostosa como um dia quente depois de uma chuva torrencial e o frio congelante? Que a sensação dela sobre a pele faria queimar de forma reconfortante? Não seria este um jeito melhor de se declarar para alguém do que se limitar ao fútil e vulgar “Gostosa” ao pé do ouvido? Ok, não sou hipócrita. Ouvir coisinhas assim é bem “caloroso” em certos momentos, no entanto, e creio eu ser o exemplo vivo disso, a coisa cansa, fica massante, evapora com o sentimento. Ah, não me julguem, por favor, ainda existe muita paixão remanescente dos tempos perdidos aqui neste coração seco.

Ai está o problema. As Julietas também mudaram. Quantas mulheres foram vistas pelas redes sociais exibindo os presentes caros e luxuosos que seus namorados lhes deram? E quantos desses presentes, eu vos pergunto, pareciam completamente iguais? Eu digo: Quase todos! E elas exigem as mesmas coisas, porque precisam de algo esplendoroso para mostrar para as amigas, para os pais. Deveras, é ótimo mostrar aquilo que se ganha. A sensação de causar inveja se torna maravilhosa em alguns momentos, porém… Não estou certa se isso é o mais importante. Por quê? Eu pergunto. Por qual razão hedionda nós, mulheres, nos tornamos vadias materialistas que nos deixamos levar no primeiro sorriso bonito que aparece? E vocês, homens, por que, por Merlin, pararam de selecionar?

Acho que eu sei o motivo. Julieta se perdeu de Romeo há muito e, se cada um tem a sua própria, acho que o que faz mais sentido é que jamais parem de procurá-la. Para isso, acredito eu, existe um instinto aventureiro e buscador por baixo do peito de cada homem que, sem saber o porque, acha que precisa provar de todos os gostos até encontrar sua principessa.

Generalizo sim, afinal, se até eu me incluo nesse meio, não estamos sempre em busca da diferença? Ser diferente, fazer diferente, parecer diferente. Isso, meus caros amigos, não nos torna exatamente iguais e genéricos? Ser diferente é normal. Que paradoxo mais ingrato, não?

Tudo bem, vou me encerrar antes que perca o fio da meada. Tendo a esquecer o assunto principal quando começo a divagar em demasia. Tudo o que queria, senhores, era refletir um pouco comigo mesma sobre a função do romantismo - se é que o mesmo existe – nos dias de hoje. Qual é o sentido das flores sem o cartão, das cartas sem ao menos um verso dedicado ao destinatário, dos chocolates e doces que não foram feitos pelas mãos do remetente? Dos ursinhos e bichos de pelúcia que não tenham o cheiro de seu comprador, que não exalem o sentido de proteção à alma a quem se destina?! Eu não compreendo e rogo que me perdoem por isso.

Por fim, sinto-me como Julieta no ato final da peça, prestes a tirar a própria vida sobre o corpo frio do amado, desistindo do amor. E vale a pena viver sem ele? Eu não sei. Acredito que amor, sexo e romantismo são obrigados a caminhar de mãos dadas e, se um falta, abre um buraco no peito, no relacionamento, na vida. Espero que eu viva o suficiente para ver o retorno desse monstro, o reencarnar do Bardo. E que serenatas ao pé da sacada sejam mais frequentes do que as palavras vazias nos comentários de fotos e nas postagens do facebook.

“A despedida é uma dor tão suave que te diria Boa Noite até o amanhecer…” (Romeu e Julieta)

Ladra de Tinta Seca
Enviado por Ladra de Tinta Seca em 01/02/2016
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