Homem-Aranha e a Saturação dos filmes de Super-Heróis

— E AGORA, QUEM PODERÁ NOS DEFENDER?

— O HOMEM-ARANHA! …MAS QUAL DELES?

Há 20 anos, uma fila enorme estava formada na bilheteria das salas de Cinema do Continental Shopping, um garoto aguardava ao final dela. A cada minuto, a fila crescia mais e mais até que um funcionário do cinema falou em voz alta:

"Alguém aqui vai assistir Spawn?"

Silêncio. Todos estavam ali para ver o aclamado e idolatrado Titanic, de James Cameron, filme com orçamento de 200 milhões de dólares, que viria a ganhar 11 estatuetas do Oscar. Todos estavam ali para ver a história do transatlântico e a história de amor entre Jack e Rose pela primeira, segunda, terceira… ou, quem sabe, décima primeira vez. Todos, exceto duas pessoas que levantaram a mão. Uma delas era aquele garoto citado anteriormente.

O funcionário informou que a sessão já estava começando, mas se quisessem assisti-la, poderiam sair da fila e dirigir-se imediatamente à bilheteria. Todos olharam aquelas duas pessoas como se fossem alienígenas: Como assim não estavam ali para ver Titanic? Qual era o problema deles? Não deveriam ser pessoas normais. Talvez não fossem mesmo.

Apesar de outros filmes baseados em quadrinhos lançados nos anos 1990, considero Spawn o pontapé inicial para o grande “boom” de filmes de super-heróis que segue até os dias de hoje. O filme baseado na obra de Todd Mcfarlane trazia um orçamento razoável e efeitos especiais que me impressionaram à época, assim como boas cenas de ação. Sem contar com as ótimas linhas de diálogo e a atuação de John Leguizamo, no papel de Clown/Violator. No papel principal, nada menos que Michael Jai White (de Black Dynamite).

Antes de Spawn, até tivemos alguns filmes de personagens conhecidos na segunda metade dos anos 1990, porém ou eram desconhecidos do grande público ou eram galhofas, como O Fantasma e os filmes da franquia Batman. Estes últimos, dirigidos pelo ótimo diretor Joel Schumacher que, infelizmente foi estigmatizado justamente por causa dos filmes do homem-morcego. Mas gosto sempre de refrescar a memória dos que o criticam, dizendo que ele fez filmes como Um dia de fúria, Tempo de Matar, Linha Mortal entre outros [depois vou postar algumas resenhas antigas que fiz em meu antigo blog: Parte 1, já disponível: http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdefilmes/6069785].

[Imagem ausente: "Ingresso de 2002 do filme Homem Aranha": Ingresso de quando assisti o filme no cinema… Sim: é aquele Shopping que explodiu em 1996…]

A coisa engrenou mesmo em 2002, quando estreou o primeiro filme do Homem-Aranha deste século, com Tobey Maguire no papel do cabeça de teia. Uma revolução. Com orçamento maior que o triplo de O Soldado do Inferno, trazia algo sem precedentes. Tive a oportunidade de assisti-lo no cinema e a sensação que os fãs de HQs expressaram era a de que, depois de muitos e muitos anos de espera e frustração, finalmente havia um filme decente de um super-herói clássico, guardadas as menções honrosas aos filmes de outras décadas. Mas a questão era que se tratava de um filme de nossa época, não uma relíquia do passado. Muito disso se deu pelo nível alcançado na evolução dos efeitos visuais.

No mesmo dia, um amigo me presenteou com um pôster do filme, que comprou logo após sairmos da sessão. Infelizmente foi perdido após uma pintura, mas figurou durante muitos anos na parede de meu quarto. O filme guardava um certo ar obscuro, mas tinha humor e cenas de ação. Relevamos tudo, era apenas um excelente filme e que bom era estar vivo naquela época para curti-lo.

Sua sequência também foi muito bem recebida e coroada com um Oscar de Efeitos Visuais. Nessa altura, muitos outros já haviam sido lançados e o período entre 2000–2010 foi bem fértil para os filmes de super-heróis, com altos e baixos. Em 2007, encerra-se a trilogia do Homem-Aranha, com um filme que ajudou a deixar aquele ranço de filme sombrio. Pecou, ao meu ver, por colocar muitos vilões de uma vez, tornando-se um filme confuso e corrido, deixando um gosto amargo.

Em 2012, o amigão da vizinhança ganha um reboot. Algo que estranhei. Em que se pese o decurso de cinco anos entre o último filme da franquia anterior e o primeiro da nova, achei algo um tanto prematuro. Acabei assistindo somente o primeiro filme desse reboot, em DVD mesmo.

Nesta década, os filmes de super-heróis já estavam a todo vapor. A Marvel Studios fez um audacioso projeto de lançar filmes separadamente de alguns de seus personagens, para depois consolidá-los em Os Vingadores, em 2012. Aqui temos, novamente, algo sem precedentes e que nunca poderia ter visto a luz do sol (ou dos projetores), caso a bilheteria dos outros filmes não colaborassem. O filme traz também um dos pôsteres mais horríveis de que se tem notícia [aquele que mostra o Homem de Ferro sem o capacete, junto com os outros personagens].

Toda vez que olho para o Homem de Ferro neste pôster, penso que é uma montagem fazendo uma paródia.

Nos aproximando do final desta década, vemos, mais uma vez, o Homem-Aranha renascer das cinzas, em novo reboot (?), apenas três anos após sua última aventura solo. Trazendo, desta vez, um ator ainda mais jovial. Acredito que deva ser um filme bem divertido, talvez o assista algum dia. Mas não agora, não no cinema. Aliás, acho que, dificilmente, verei tão logo algum filme de super-heróis no cinema.

Parei para pensar e percebi que já estamos na terceira franquia (não filme, franquia!) de um personagem dentro de um espaço de tempo relativamente “pequeno”. Na verdade é um espaço de 15 anos, o que mostra que estou velho pra caramba ou os reboots estão cada vez mais frequentes ou as duas coisas.

A verdade é que a franquia iniciada em 2002, tinha um ar de novidade, de uma quebra de barreira, de realização de um sonho dos fãs de HQs. Na franquia de 2012, os filmes de super-heróis já eram uma realidade consolidada e amplamente aceita no cinema, aquele velho preconceito contra as HQs havia sido derrubado, ao menos em grande parte. Já agora, em 2017, está mais do que provado que o gênero anda com as próprias pernas.

Particularmente, não sinto mais aquela sensação de “dever” de assistir, de apoiar e fomentar, pois o gênero já tem seu lugar garantido nas telonas. Quando começou a onda de reboots, comecei a perder um pouco do interesse. Também percebi uma certa fórmula sendo renovada constantemente: a de que “o melhor ainda está por vir”, a exemplo das cenas pós-créditos que viraram um lugar-comum, sendo a “surpresa” quando algum filme não as trazia.

E, hoje, realmente não sinto mais vontade de ver tais filmes. A não ser se for em algum evento para socializar com os amigos, sem esperar nada da projeção nas telonas. Acredito que o gênero está saturado, mas é uma fonte de renda certa para os grandes estúdios.

Entendo que pessoas nascidas nos anos 90 e anos 2000 não puderam acompanhar parte desse desenvolvimento e que alguns dos filmes produzidos nestas épocas podem soar datados. Então acho que é a hora de passar o bastão e ir em busca de algo diferente, sempre atento ao surgimento de bons filmes autorais ou, quem sabe até, de adaptações baseadas em HQs que ainda não chegaram às telas de cinema. Mas é hora de pagar o ingresso não somente com dinheiro, mas também com a atenção [ver Economia da Atenção em http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/6063795].