O ser humano do ser humano: as múltiplas faces da existência

... “gente”: carne, osso, alma e sentimento,

tudo isso ao mesmo tempo.

Adriana Falcão em Palavras ao vento

_____________________________________________

Quem somos, como seremos e de onde viemos são dúvidas que martelam o homem desde que este se percebeu como tal. E o assusta, ainda hoje, com sua filológica necessidade e incapacidade de se definir. “O que é o ser humano?” talvez seja a questão que mais tem movido e influenciado o curso da história.

Como é o ser humano? Esta criatura frágil e indefesa que domina seus predadores é, talvez, o ente mais paradoxal que já habitou sobre a face da terra. Podemos olharmo-nos por vários ângulos. É impossível num único enunciado definir toda a existência humana.

Somos animais, Homo sapiens sapiens, tão movidos pela natureza quanto o gato que sobe ao telhado em busca do rato de cada dia para saciar a fome que alarma em seu corpo, o banobo em sua democracia pacífica e o uso do coito como moeda de barganha ou o chimpanzé com sua agressividade e disputa pelo poder. A Etologia existe para compreender o que é genuinamente humano, mas seus pesquisadores se espantam com a animalidade humana ou antropomorfismo animal.

Sigmund Freud alarmou o mundo não apenas pelos seus avançados conceitos ligados a energia libidinal, mas principalmente pelo determinismo psíquico que despiu o homem até suas entranhas e revelou-o em associação livre sua animalidade instintiva e inconsciente. Enquanto ente, o homem é um organismo vivo agente e condicionado ao meio. Ele é suscetível à sua cultura, às situações cotidianas e inusitadas, a um complexo sistema alheio e mesclado a ele que o inclina a emitir determinados comportamentos. Diz os provérbios “Diga com quem tu andas que eu digo quem tu és”; ou “Filho de peixe, peixinho é”.

Sim, o leitor deve já estar indignado com uma idéia martelando a mente: “E o livre arbítrio?” O homem não pode ser considerado como um mero títere do meio. Nós “somos seres especiais” e nossa cognição nos torna livres para pensar e fazer a cultura. Deveras esta observação não está errada. “Dentro da pele” como diz Skinner, há um universo de estímulos, sensações, comportamentos privados a nossas entranhas. O homem cônscio das contingências que reforçam, punem ou extinguem comportamentos de seu repertório é capaz de modificar através de suas auto-regras seu aprendizado e estilo de vida. Ao ler estas palavras deve pensar: “E onde entra a alma e o sentimento citados na epígrafe e ignorados no texto?” Eu explico: alma, sentimento e pensamento não foram negligenciados aqui, tampouco esquecidos. É uma questão de conceituação.

O ser humano se orgulha muito de ter uma alma, preferencialmente eterna, que lhe assegura que por mais que a vida lhe seja desagradável vale a pena vive-la por dias melhores no futuro, mesmo que o futuro seja numa suposta e desconhecida outra vida ou quiçá outro mundo. Esta criação da alma traz muito conforto e esperança às pessoas, mas com eles o comodismo e a procrastinação que impedem a ação imediata. Prefiro ver a alma como uma oferta única, pessoal e intransferível para estar no mundo com seus prazeres e dores. Como um jogo de fliperama com mortes contadas em uma jogada que não permite crédito de outras fichas. Não se pode voltar atrás. Um amigo me questionou: “Se realmente vê o mundo efêmero desta forma por que se empenha em prol da vida?” Como se esta estadia fosse um purgatório físico para uma vida espiritual. É preciso experimentar e contemplar a vida e seus fenômenos para saber aproveitar bem esta estada possivelmente sem volta. O mundo me oferece estímulos aversivos e recompensadores. Cabe apenas a minha pessoa decidir os caminhos a seguir, os sacrifícios a fazer e os ganhos a receber.

Vamos agora para a visão cognitivista ou mentalista do homem. Aquela em que o caminho entre o estímulo e a resposta é mediado pela linguagem e emoção. Também não está errada. O pensamento e as emoções fazem parte de nossa existência. É a nossa percepção do mundo, seu termômetro que nos indica o impacto das coisas e situações em nossa existência. Formam o ponto chave de outras duas grandes incógnitas da humanidade: a decisão e a criação. Duas ações que nos tornam singulares aos nossos pares. É a possibilidade de escolha, de modificar algo, de contribuir ao mundo com novas possibilidades ou reformar as existentes. A decisão e a criação desafiam nosso repertório de experiências e mesmo a invenção da roda tem gosto de eureca.

Assim, o homem é um complexo meio de interação de múltiplos fatores que formam a existência. Cada humano carrega em si um encantador sistema que engloba bioquímica, fisiologia, psicologia, sociologia e antropologia num único sujeito. A questão “Como é o ser humano para você?” Leva a uma gostosa divagação nos leva a muitos caminhos e resultados surpreendentes, mas não a uma resposta definitiva, pois o homem não é definitivo e sim miscigenado e confuso, como o texto que apresento.

Paulo Marques
Enviado por Paulo Marques em 24/08/2007
Código do texto: T622483
Classificação de conteúdo: seguro