O que é arte - O papel das emoções, a jornada como um fim em si mesmo.

Há pouco tempo acabei um namoro. Foi uma relação especial, amorosa, respeitosa. Diferentemente do usual rompemos sem briga, sem discussões. Talvez no momento em que estávamos melhor como casal. Apenas percebemos que o caminho que cada um queria traçar era irreconciliável com o caminho do outro. Eu sabia que o fim deixaria marcas no meu coração, mas a maneira que apareceram me surpreendeu. Me sinto um bichinho vulnerável.

Para a decepção da minha família (ainda apaixonada pela minha ex) optei pela vida em detrimento ao recato. Abri portas que antes preferia manter fechadas. Minha vida já foi o refrão de ‘Timoneiro’. Novamente me jogo ao mar, desta vez com a resolução de me navegar. Passei a escrever e a desenhar com mais frequência, passei a sair mais e conheci mulheres. Elas são interessantes, decididas, confiantes. As águas estão mais agitadas do que as que eu já havia navegado. Mesmo achando candura e me fascinando com as oportunidades amorosas, opto em manter a âncora guardada no barco. Romper com uma relação absolutamente incrível construída em anos de muito carinho tem um propósito: permitir me lançar em alto mar.

Reencontrei uma pessoa por quem eu sentia atração e simpatia. O encontro deliciosamente encaminhou-se para o lado físico. Houve uma convergência de ideias. A menina que eu conhecia se revelou uma mulher com uma história marcante e opiniões formadas. Fiquei impressionado, ela atraída por mim! Logo percebemos que vivemos um momento semelhante. Ambos terminamos um relacionamento exatamente pelo mesmo motivo. Cada um de nós nos havia se envolvido com pessoas que queriam uma trajetória mais convencional do que a que queríamos para nós mesmos. Ela propôs uma amizade colorida, quando fosse conveniente chamaríamos um ao outro. A última pessoa que me fez esta proposta foi uma das pessoas mais importantes da minha vida, será um presságio?

Se imagine em meu lugar: acabei de terminar um namoro, louco para viver, desejoso de ser livre. Daí chega uma mulher extremamente atraente e propõe: Ambos permanecemos livres, quando você quiser me liga, quando eu quiser te ligo. Só tem uma coisa, não pode envolver sentimentos. É a encarnação de uma fantasia tipicamente masculina. Mas recusei. Como assim sem sentimentos!? Primeiro, isto é impossível. Segundo, o que eu mais quero é viver! É sentir! É ter sentimentos pelas pessoas e pelos momentos. Busco uma vida significante! Aceito pagar o preço (risco de me machucar) por uma jornada enriquecedora. O destino me importa menos do que a trajetória.

Em determinado sentido sou contido. Dificilmente estouro frente a alguém grosseiro, por exemplo. Em relação a controlar minhas emoções esta é minha especialidade, me segurar. Segurar uma ofensa a alguém que foi rude, segurar uma crítica a alguém impermeável a mudanças, segurar meu coração por medo de que ele machuque a sensibilidade de outra alma. Toda a força que tenho para me segurar me falta para me mover. Leio mal minhas emoções, às vezes sou desonesto comigo. Desisto de tarefas enfadonhas e com as quais não concordo, mesmo quando elas têm muito a me acrescentar em termos profissionais. É o caso de quando fiz pós graduações. Abandonei duas pelos mesmos motivos. Em matemática também fui um aluno ruim. Primeiro por ignorar a importância da prática e de exercícios. Mas também por excesso de vontade. Vinha uma euforia quando eu resolvia um exercício que era difícil para mim. Eu andava de um lado para o outro, eufórico. Me faltava força de vontade para conter minhas pernas e sentar. Imagine, tenho sentimentos intensos em aulas banais e por exercícios de matemática e uma garota me pede para eu deixar de sentir emoções ao vê-la! Neguei. Creio que minha franqueza a comoveu, ela aceitou manter o acordo em bases alteradas: somos amigos coloridos, mas agora com a permissão de sentir.

Um grande amigo (fala, Daniel K!) leu meus ensaios sobre arte e fez uma crítica: “Chicão, você deixou de fora as emoções! Recuso uma definição ou uma forma de entender a arte em que as emoções fiquem de fora.” A crítica me desconcertou, mas a conversa com minha nova amiga me trouxe uma luz: A emoção está em tudo! Somos animais movidos por emoções; toda ação é movida por emoções. Desde ações básicas (como comer ou transar) até ações complexas (como uma pesquisa científica ou um ensaio filosófico) são movidos por emoções. Muita gente vê na matemática algo maçante, banal. Mas grande parte da matemática foi desenvolvida apenas pelo prazer da matemática, uma jornada como um fim em si mesmo. O ponto é que a arte é sim movida por emoções. Mas este não é um traço específico a ela. O papel que a emoção desempenha na produção artística é o mesmo que na produção científica, na filosófica, na tecnológica. Uma definição de arte precisa tanto do papel das emoções como a definição de ciência precisa do papel das emoções: não precisa.

Estou certo de que você que está me lendo está incomodado . Você assiste a filmes porque eles te emocionam. Você ouve músicas que te tocam e por elas te tocarem. Você fica escaneando o instagram atrás de imagens que te sensibilizem. Todas as vezes que buscou arte foi para sentir uma emoção. Como eu (Chico, autor do texto) posso defender que emoção é desimportante para a arte? Não posso e não defendo. A emoção é importante como motivação para fazê-la e consumi-la. Entretanto a emoção é comum a toda ação humana. A emoção é comum a todos os conhecimentos humanos, portanto é vão usar a emoção para distinguir a a arte dos outros campos do conhecimento.

Espero que tenha ficado claro que a emoção é fundamental à arte (como motivação para sua produção e consumo) e é dispensável epistemologicamente à sua distinção em relação a outros campos do conhecimento (ciência, filosofia e tecnologia). Em termos práticos, entretanto, a é mais importante na arte do que em outros campos do conhecimento. Pouca gente aprende tecnologia (como uma linguagem de programação) apenas pela emoção que sua prática evoca. Normalmente a perspectiva financeira (conseguir bons trabalhos) será um incentivo maior para a prática da programação do que o prazer de desvendar os enigmas que a programação levanta. Pouca gente pratica ciência (como desvendar os mecanismos de motivação humana) apenas por prazer. Normalmente a pessoa estudará a motivação humana querendo potencializar e direcionar sua própria motivação. Já a prática artística se dá fundamentalmente como um fim em si mesmo. Ou seja, em geral as emoções que arte evoca são a motivação para produzir e consumir arte. É claro que tem gente programa pelo prazer de programar, tem gente que estuda psicologia pelo prazer de estudar e tem gente que pratica arte como meio para alguma coisa. Por exemplo, gente que lê romances para ampliar vocabulário ou aprende a tocar um instrumento para prevenir doenças degenerativas.

Concluindo: As emoções são intrínsecas à arte, mas não são um traço específico a ela. Desta maneira as emoções não devem ser usadas para distinguir a arte de outros campos do conhecimento (filosofia, ciência e tecnologia). A sensação de que as emoções são mais importantes na arte do que nos outros campos do conhecimento se dá porque neste campo de conhecimento, mais do que nos outros, o incentivo maior para a prática são as emoções que a prática evoca. É mais comum encontrar na arte a prática como um fim em si mesmo do que em outros campos do conhecimento.

E aqui estou, fazendo um misto de crônicas do meu dia a dia e filosofia. Sempre inserindo uma metáfora. Escolhi este estilo por me parecer o que mais agrada ao público. Este ensaio, que emoções te despertou?

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 30/07/2018
Reeditado em 19/08/2018
Código do texto: T6404887
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