Adestramento

Desafio o caro leitor. Não sou doutor no trato de animais, mas tenho alguma noção, que creio que também tenhas. Não raro ouvimos falar a respeito da grande capacidade de aprendizado e de adestramento dos nossos amados cães. Já vimos macacos jogaram bola e tocar piano. Tendo em vista isso, eu lhe pergunto, qual, de todas as criaturas viventes sobre a terra, é o mais fácil de lidar, o mais adestrável de todos os seres vivos? Resposta óbvia, alguns diriam. “Mas é claro que são os cães, com sua destreza e habilidade.” Mas eu lhes digo, no meu limitado conhecimento animal, digo com toda a certeza que nem o cão, nem o macaco, nem qualquer outro ser é tão superior no quesito mansidão e obediência do que o ser humano.

Peculiar esse animal que chamamos de homem. Enquanto a grande maioria dos outros seres, quando não são adestrados se viram muito bem na natureza, o ser humano não consegue sobreviver sem ser comandado, controlado. Ainda mais interessante é a capacidade que o homem tem de adestrar seus semelhantes, fenômeno esse que não manifesta-se em nenhum outro gênero, família ou filo.

Na conceituação da palavra “adestrar” sempre se tem uma idéia de uma cadeia, ou escada de comando, na qual há um último e um primeiro. O último, que não comanda ninguém; e o primeiro que exerce poder sobre todos, e que não é comandado. Mas, novamente, o ser humano se destaca e se põe à parte das regras que ele mesmo cria. Todo ser humano quer comandar, e sempre consegue uma maneira de não ser o último na cadeia de adestramento, por mais ínfimo que seja o seu nível de poder. E quanto ao primeiro, bem, o primeiro, por mais hipócrita e impiedoso que seja, sempre afirma submeter-se a uma autoridade superior, mesmo que seja essa sobre-humana, mesmo essa não sendo real para o hipócrita mor.

Ainda há aqueles pseudo-revolucionários, que provavelmente inventaram essa palavra para definir seus críticos, tomados de um pouco de coragem e muita vodka 1917, que se recusam a obedecer à um adestrador comum, e por “vontade própria“, propõem-se ao julgo de um senhor um tanto quanto diferente e bigodudo.

Adestrando e sendo adestrados. Assim segue a vida dos subordinados homens. A necessidade de subjugar e ser subjugados é tão grande que foram capazes de criar a mais incrível ferramenta de controle já vista, mais eficiente que a afamada coleira. A sociedade. De um modo indireto, sutil e inteligente o homem controla e é controlado diariamente por algo onipresente, onisciente e onipotente: a comunidade, a coletividade, o nacionalismo. Por um sentimento semelhante ao de um cão que após fazer algo errado leva uma boa surra, ou depois de agradar seu adestrador recebe um pouco de ração, o homem teme a si mesmo e as represálias de um enforcador invisível.

Limitar. Esse será o verbo mais conjugado na historia humana daqui para frente caso algo não seja feito. Agindo como cães adestrados, ou ainda macacos pianistas, não conseguiremos nada menos do que uma evolução tardia, cabeças treinadas para “pensar”. Gostaria de escrever mais, entretanto tenho de ir para a escola, ou melhor, a seção com o adestrador. Até a próxima.

Brasília, 24 de Setembro de 2007.