Aos que se iniciam em viagens de sonhos.

Te espero, de braços dados com minha terra, para te mostrar o asfalto e desnudar os paralelepípedos e as “estórias” que eles cobrem, e a minha terra há de retribuir, seu olhar imenso, se extasiar com sua sombra, soltar o menino que vive em mim, para te mostrar, junto com meu menino homem que te gosta tanto, os poucos que sei, dos tantos segredos que minha terra encerra.Te mando um texto desvairado como minha Sampa, enevoada pela garoa, que a tornou famosa, nos molha o corpo e nos lava a alma.Há viajantes que regressam as suas cidades para matar as lembranças e recuperar a vida, mas impossíveis os quatro horizontes de rostos conhecidos, induzem ás ciladas das vozes submarinas, numa fita mal gravada que leva a totalidade expressiva do silêncio...calo-me...mulher dourada do eterno pôr-do-sol , alaranjado teu colo lambido em luzes do entardecer.Peitos que apontam para janelas incertas, onde agonizam espiões, agarrados ao timão do próprio desejo.Ancorados numa poltrona confortável do – como tão tarde ?Sem dúvida a vida para eles morreu entre estes quatro horizontes de tijolos.E horizonte é uma palavra que sempre leva ao medo, de chegar tarde, de não saber ao tempo por favor, de na sua imensidão perder-se e trocar como o faço o “s” pelo “z”, e dar trabalho aos revisores, que juntos cabem hoje e uma mão, pois o revisor digital os substituiu, e escritas como as minhas em que “zes” e “esses” me confundem não confundem o revisor real que não revisa minha vida, seguindo trôpega ao encontro do indefinido.E se descobrissem algum prazer superior ao de olhar sobre, colos imaginários?Morreriam de frio, na sua própria e ardente agonia de tigres imaginários e domingueiros, que só descansam nas sextas- feiras que são feriados.Morreriam ? Sim morreriam se descobrissem prazer maior ao de olhar pelas janelas o espreguiçar da mulher em flor, abrindo-se em sorriso poético para a manhã que nasce.O frio aguarda mais além das mais além das pátrias mais além dos homens conhecidos e dos gestos.Sem surpresa, as pegadas te seguem sem imaginação e morrem quando descansas.Neste desvario de frase e pensamentos, é possível morrer de sinceridade, diante da descoberta de vamos sempre, de mentira em mentira, de morte em morte, recordando e vivendo, como diziam os mais antigos, nossos quintais crepusculares, nossos cachorros fiéis em amor e companhia, nossas pitangueiras e nossas ruas pessoais e intransferíveis, nossos prédios e desatinos de palavras, que nem sei a resposta, pois conservo os lilases no chão duro, e observo pelas frestas as moças sem flor que penduram crianças nos seios, e vêm pelas frestas, o velho adolescente, desvairado, procurando os horizontes de sua juventude.E o vêem encurralado contra a parede...louco...louco...de saudades de uma vida que não mais viverá senão em sonhos, senão ,nesta eterna improvisação de não saber o que fazer e o que dizer.

Mais além, procurando dar sentido em prosa aquilo que talvez fosse quase real em versos...Acorda não se vive de sonhos, e a morte é o indescritível para alguém que ama tanto em vida.Sexta feira em São Paulo, que te espera desvairada para sem pudor te apresentar suas, vielas e becos desconhecidos, seus perfumes sensíveis apenas aos que a amam, sua gente amável e os “desamados” desamáveis, seus meninos gentis e os meninos de rua que se alimentam de luz (como disse nosso Chico), espicham seus olhos famintos, de manhã, buscando o carinho da atenção, a tarde nossas pobres carteiras, que nada lhes darão além da droga de cada dia, seus restaurantes, cantinas e botecos, nossos árabes e nossos judeus , nossos japoneses, nossos teatros, nosso mercado, e nossos artistas de rua que “mabembam” sua arte, e principalmente nosso mais ilustre habitante, nosso carinho.

Carlos Said

Um dia em Sampa.

Recanto das letras. Luso-Poemas

Carlos Said
Enviado por Carlos Said em 17/10/2007
Reeditado em 15/08/2013
Código do texto: T698605
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