UMA REFLEXÃO SOBRE SAÚDE

Mais do que unicamente refletir sobre a saúde psíquica e a saúde de nosso ser corporal, mais do que categorizar o que é ser saudável e o que é ser enfermo, é fazermos uma compreensão mais profunda dessa palavra e do seu significado no contexto onde ela pode ser concebida, desvelando a sua etmologia na expectativa de iluminar a nossa consciência para o exercício de uma vida saudável.

É importante irmos nas origens para ver qual o sentido mais originário desse termo designado para expressar um estado e também uma maneira de se sentir, um termo que é tão esmiuçado e utilizado para o estudo da psicologia, da psicoterapia, da psiquiatria e da medicina de um modo geral. Intervir numa vida enferma requer, antes de mais nada, que tenhamos uma ideia sobre as nuances e a dinâmica do que é ter uma vida saudável, bem como um parâmetro para atingir o estágio de uma existência caracterizada como forte, vigorosa e sã.

Antes de caracterizar as patologias e definir os padrões da normalidade, é indispensável desvelarmos, averiguarmos e investigamos o sentido do que é levar uma vida saudável, bem como a semântica da palavra saúde e suas derivações, que podem muito bem remeter desde uma perspectiva médica e psicológica até uma perspectiva espiritual e teológica, o que demonstra que tais expressões possuem na sua grafia uma versatilidade de compreensões e significados.

Os teólogos cristãos e os monges budistas sempre defenderam a santidade como forma de obter uma vida saudável e mais próxima de Deus ou de sua espiritualidade. Os psicólogos veem no autoconhecimento, na coragem para uma vida mais resiliente e no reconhecimento de quem somos, uma maneira de atingir uma vida mais salutar. Até mesmo os filósofos, como os estoicos e os epicuristas, não deixavam de preconizar, na sua época, o desenvolvimento de uma vida saudável através do ato de filosofar, considerando esse modo como fundamental para uma vida sóbria e sapiente.

Logo de início percebemos que as palavras saúde em português; salud em espanhol; e santé em francês (saúde), provêm de salus, termo latino para designar tudo aquilo que é inteiro, íntegro e intacto; e também remete a sanus, de origem latina e usada na era medieval, cujo significado diz respeito ao que é puro, correto e verdadeiro. A palavra salus remete a uma outra derivada, a salvus, cuja conotação diz respeito à salvação e a superação de certas ameaças contra a vida humana.

Indo mais adiante na investigação das origens do que conhecemos como saúde em nosso português percebemos que a mesma é polissêmica, e algumas línguas atestam a versatilidade de seus sentidos. A palavra latinha salus; a palavra höl na língua escandinava (saúde); e a palavra derivada de höl, holy (que é de origem inglesa para designar tudo o que é santo e puro), provém do grego, da expressão holos, que, por sua vez, é o termo que expressa a totalidade, como é o caso da expressão "holístico", um nome usado para designar o exercício da integridade do ser, tal como é preconizado pelas terapias que levam esse nome.

Hoje, as terapias holísticas ganham espaço no mundo como uma alternativa a medicidade tradicional, embasando ora conhecimentos que já vem de tradição, ora conhecimentos fundados em perspectivas espiritualistas. São holisticas porque justamente encaram o ser humano numa visão mais global, modista e unificadora.

Baseado nesse estudo da palavra saúde e do que é ser saudável, compreendemos de antemão que a saúde tem muito haver com as dimensões moral, ontológica e, porque não dizer, psicológica, do que podemos conhecer por integridade, que é uma condição caracterizada quando um ser humano se dispõe a levar uma vida sóbria, transparente, autêntica e invulnerável, num pendor para a prevenção dos possíveis riscos a vida e para promover a gênese de uma condição mais sadia e vigorosa no sentido vital.

Ida Elizabeth Cardinalli, no seu estudo sobre o pensamento daseinsanalítico de Boss (Daseinsanalise e esquizofrenia), traz uma excelente definição sobre o conceito de saúde, uma perspectiva que tem como base o pensamento heideggeriano do dasein (ser aí). Eis aqui uma reflexão inspiradora para pensar uma vida humana no que diz respeito ao cuidado com a sua própria vida e a sua própria condição de ser sadia: "Ve-se que doença e saúde estão orientadas, ao mesmo tempo, pelo poder realizar e pelo ser livre, isto é, pela habilidade do homem de realizar seu existir e pelo comportamento mais ou menos livre diante do que encontra. Na doença, ocorre uma privação mais acentuada de realizar livremente seu existir, enquanto na saúde, esse realizar se mostra pelo poder dispor mais livremente das possibilidades de relação que se apresentam na abertura do mundo de uma pessoa específica". Portanto, partindo dessa visão, podemos pensar a saúde como um condição de um ser humano poder realizar mais livremente as potencialidades do seu existir.

É claro que uma pessoa adoecida ou enferma psicossomaticamente não necessaria e precisamente está nessas condições devido a uma degeneração moral e ética, mas pode certamente ter perdido o sentido de sua vida e do que é ser num mundo onde predomina os valores do ter. Por outro lado, existem casos em que a saúde de um ser é prejudicada quando o aspecto moral e ético encontra sérias limitações, especialmente na esfera das relações interpessoais e da convivência humana, de tal modo que oblitera a abertura para a disponibilidade do amor e da fraternidade sadia.

Toda precaução é imprescindível na hora de avaliarmos o que deixou um ser humano destituído de uma boa qualidade de vida. Quando estamos em consonância com ela, desfrutamos de uma certa liberdade para realizar certas atividades, exercitar a nossa força e vigor corporal, e exercer certas práticas ou ações através de nossa robustez energética e motivacional.

Então, por essa razão, a saúde de uma vida que preza por todo o seu ser é aquela que vive em harmonia com sua maneira de ser, na apropriação de sua própria essência e de suas qualidades. Portanto, dessa maneira consegue não negligenciar o cuidado com a sua totalidade; e isso, certamente, inclui todas as dimensões de sua existência, como a de seu ser-com-os-outros, de seu ser corporal, de seu ser na dinâmica espaço-temporal, e de seu ser com os demais seres, incluindo toda a natureza e os outros seres humanos.

Essa é, portanto, a condição para uma vida saudável que nunca dispensa a sua força vital para o exercício de tudo há de mais nobre, criativo e verdadeiro. Além disso, valoriza a sua integridade, a sua salvação ontológica de tudo o que obscurece o seu ser, bem como a sua propensão para atingir a totalidade não no sentido de controle obsessivo, mas tão somente na pacificidade para a obtenção de um sagrado autoconhecimento capaz de conduzir a vida ao cerne da individuação (para usar um conceito junguiano) e da diferenciação no sentido de identidade pessoal.

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 21/01/2022
Reeditado em 07/02/2022
Código do texto: T7433954
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