Entre pedaços e remendos, me despeço

Antes de tudo cabe aos amigos leitores a explanação que esse texto versa sobre mim. Sobre meus sentimentos, dores e marcas. O legitimo, mas não imutável, não a única parte da história.

A história que foi uma das mais bonitas de minha vida. Feito tatuagem, marcou a pele, está em processo de cicatrização e tão logo isso passar, não doerá até que alguém a lembre.

Não é difícil lembrar dessa história, destes atores. A cada cabelo com corte igual o dele, a cada mão com o mesmo formato eu lembro. Eu lembro, eu sinto uma saudade daquilo que não vivi, de coisas das quais não senti.

O conheci em meados do outono de 2020, admirou-se pelos meus posicionamentos, me chamou para conversar. Simpatizei desde o inicio, carregava em si segurança nas palavras, vivências que também lhe trouxeram marcas. Ainda hoje acho que nosso breve encontro - de dois anos de "convivência" não tenha sido ao acaso. Não acredito em acasos, acredito em reencontros, em almas afins, em reconciliação.

Chegou de mansinho como quem não quer nada, descontraída e involuntariamente me apaixonei. Não foi planejado, não houve qualquer motivo para que eu alimenta-se o sentimento, sempre foi via única. Mas foi e ainda é intenso. Talvez fosse necessário a gente acertar pendências do passado, mas entre remendos eu sei que hoje não é mais possível.

Neste período eu tive meu biotipo físico e meu status social avaliado por terceiras pessoas, as próximas, da sua base, avaliada e julgada como quem envia um currículo. Fui sentenciada a amar o impossível, o intocável.

Sentenciada, machucada, não consegui me afastar. Não havia motivos para romper com alguém que não foi responsável pelo sentimento. Eu não rompo abruptamente com as pessoas, não as descarto como se fossem coisas. Eu sempre insisto, por fé e amor. Primeiramente a fé, de te achar familiar, de já conhecer, a afinidade da conversa madrugueira. O amor, primeiro o da alma afim, que acima de tudo prevaleceu sempre, antes mesmo do amor de homem. De reconhecer em ti as qualidades e imperfeições que eu gostaria. Não me assustar com as mudanças e inclusive incentiva-las ao novo, ao desconhecido e ao incerto. Aos erros, aos acertos, a temperança dúbia. Tudo isso eu amei.

Mas como brisa no amanhecer as coisas se dissolveram. Me sentindo amada como amiga no decorrer da relação passei a me abrir, a falar sobre minhas imperfeições, meus erros, meus medos, meus monstros. Eu amei e me senti segura para falar sobre quem eu era, minhas marcas, despida do medo de rejeição eu acreditei que eu podia ser eu mesma contigo. Eu acreditei que seria diferente, que seria acolhida. Não, você certamente não é responsável por todos eles, tampouco é impossível mudar o que já está posto. Mas é doloroso se despir e ser rejeitada.

Eu não acho de verdade que você esteja errado, eu nunca sequer disse ou pensei isso. Sei que carregas tantas marcas e histórias quanto eu e que talvez tivéssemos a mesma segurança ingênua de acharmos que somos seres que não vamos errar com os outros, porque sabemos o quanto dói. Quem já passou por dores, não quer causar aos outros. A única diferença é que eu reconheço minhas falhas e sempre me arrependo de ver que machuquei involuntariamente quem eu amo. Eu não quero causar dor ou tristeza, quero que por onde eu passe, eu sempre deixe a certeza que dei o melhor de mim. Mas você não se abre, se fechou em si, não sei quando agi ou falei algo equivocamente. Eu não sou a pessoa perfeita que talvez tenha parecido no inicio, mas também não sou orgulhosa e tantas outras coisas das quais já ouvi e se juntaram a tantas outras marcas.

São tantas as marcas que eu sempre paro no espelho e as admiro. Admiro o olhar inexpressivo e vago. O semblante triste. O desleixo dos cabelos que combinam com minha alma sortida. Eu sou feita de retalhos e reconhecer minha trajetória é o único orgulho que carrego. Eu lamento ter me tornado um fardo, desinteressante ou sentir-me desprezada.

Desprezada pela falta de toques, de retornos, de convivência presencial. Eu gostaria de ser presente, de ver teu olhar divertido enquanto narra alguma história. O sorriso involuntário e natural.

Agora já não me resta nada. Durante todo esse período na busca de superar toda dor e o amor não correspondido, te busquei em outras pessoas, outros abraços e toques. Fracassei, fico tensa, nervosa e triste de reconhecer que nada mudou. Que estas outras pessoas eram muito bacanas e algumas o foram até especiais, mas foram trajeto, uma boa lembrança, não foram parada. Estou em um trem que avança sobre as estações e não consigo descer em nenhuma. Me habituei ao conforto da poltrona, das incertezas. Não temo o novo, mas sou incapaz de levantar e pedir para descer.

Eu juro que tentei não ser este incomodo, esse trem em disparada, mas eu não consegui e na verdade seja porque eu não queira.

Eu reconheço a verdade, os meus limites, mas eu não quero e não vou sentir menos. Eu não vou me sentir errada, ingênua, imatura. Eu carrego sozinha minhas bagagens e não do um direito de ninguém que não tenha ajudado a carrega-las a julga-las. Esse novo mundo pede que as pessoas sintam menos, se expressem menos, incomodem menos os outros com seus sentimentos. Sentir virou pecado. Não se pode falar, externar.

Ontem você, cansado, legitimamente ao que você tem acesso, se despediu. Saltou na estação e eu paralisada e sem reação só pude ver seu reflexo da janela . Observei meus pés e percebi que você levou minha melhor valise, que insistir por fé e amor vai sempre ser doloroso. Aos olhos parecia ser um pequeno objeto, mas seu conteúdo era tão valioso quanto nossa história.

Também me cansei, não de você, mas de tentar. Tentar manter a amizade, de não sentir desprezo. A terapia tem sido grande aliada. Hoje bloqueio, para deixar-lhe partir e evitar que continue procurando pretextos para te escrever.

Ensejo que estejas e fique bem, que continue buscando e sendo o seu melhor, que as decisões sejam unicamente tomadas por ti e que você permita-se ser sua prioridade. Que a felicidade seja constante e rotina!

Aos pedaços e remendos, hoje me despeço.

Com amor,

Marianna

Destinado à H.A.