A CRIAÇÃO DO HOMEM CONTEMPORÂNEO

Antes de mais nada preciso reafirmar o que já tenho dito aqui, e em outros lugares também: não sou lulopetista, nem sou bolsonarista. Mas, a par disso, reafirmo com ênfase, que também não sou idiota.

Não entendo como os discursos reducionistas dos ocupantes de cátedras ideologizantes - que se constituíram todos os imbecis que passaram a ter lugar de fala a partir do advento das redes sociais (devo esclarecer que esse pensamento não é meu, mas do semiólogo italiano Umberto Eco) - não admitem a possibilidade de alguém transcender a bipolarização do mundo a que insistem alguns.

Ah, mas pensar assim – dividindo o mundo em dois polos – é interessante para a criação do famoso discurso do “nós contra eles”, mesmo que as falas oficiais tratem de união, de unidade, de governar para todos, de governar para os brasileiros, por exemplo, mas na prática, as canetadas, as criações de emendas parlamentares, de projetos de lei, de medidas provisórias, de publicações no Diário Oficial da União demonstram que tudo é balela: que se está apenas tornando particular a coisa pública. E, nesse sentido, todos os políticos no poder são pilantras ordinários que legislam em causa própria: uns mais, outros menos, mas todos pensando na reeleição e na conquista do próximo mandato.

Após, então, essa breve introdução, que pretendi fosse um pouco esclarecedora (ih, ainda se pode usar essa palavra?), apresento as longas linhas a seguir, para expor uma ideia, um pensamento, que me veio nessas circunstâncias. Proponho-a para sua reflexão!

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Manter o ser humano vivo por palavras, envolvido em palavras, abraçando uma causa que lhe é transmitida por palavras, por discursos inflamados, que carregam emoções, sentimentos e pensamentos, de quem não só acredita – ou mesmo finge acreditar – mas de quem tem interesse de fazer outros acreditarem, não seria o mesmo que criar seres humanos? Por meio de palavras? Através de discursos inflamados, que abraçam causas e que se tornam o que são por essas causas? Não seria o mesmo?

Então, podemos aplicar isso à política e à religião.

A política é feita de discursos. Há discursos de uma tendência e de outra. E as pessoas ficam cegas por esses discursos. As pessoas ficam cegas por abraçarem esses discursos e são incapazes de confrontá-los e perceberem que esses discursos possuem pontos negativos. Por certo, que também terão os seus pontos positivos, mas o fato é que a verdade não está no discurso, porque os discursos são falhos e eles são discursos de momentos, que foram erguidos para satisfazerem uma necessidade de momento, e as pessoas vão como massa, como gado (independente de cor ideológica) atrás desses discursos inflamados, esquecidas de que estão apenas sendo conduzidas para o matadouro ideológico. É assim na ideologia de esquerda é assim, na de direita.

E, voltando agora em direção ao discurso religioso, percebe-se a mesma coisa. Discursos inflamados, sermões inflamados, sermões calcados na Bíblia ou não, no psicologismo ou na mentalidade do indivíduo que o prega, são levados às massas – no caso, às massas de igrejas, às congregações, aos auditórios – e as pessoas, por conta do caráter impositivo da religião, porque a religião tem esse caráter impositivo, que está presente na sua ortodoxia, que está presente nos seus dogmas e, inclusive, que está presente na questão da origem alegada por muitos pregadores, principalmente os de corte pentecostal, de que foi o Espírito Santo que deu, que inspirou, então, se você contestar o pregador, você estaria contestando o próprio Espírito Santo. E, ai de quem fizer isso – daí que ninguém vai querer contestar – as pessoas se curvam ao discurso feito por conta desse argumento ad verecundiam, que evoca a autoridade de uma origem divina, sagrada, para a sua fala.

Então, nesse discurso inflamado, religioso, também se percebe que as pessoas passam a ser aquilo que os sermões pregam e, fazem isso sem qualquer exercício da consciência crítica, de pensamento, para procurar entender se de fato aquilo que está sendo falado é coerente, tem lógica, e tem, realmente, valor significativo do ponto de vista de origem bíblico-divina, ou se não é meramente um discurso humanístico, do indivíduo que está por trás da fala, da pessoa física que assume a autoridade do pregador, do pastor, do padre, do líder religioso, e que todos aceitam de forma inquestionável, de forma tranquila.

Então, se o discurso, se a fala, se a palavra, seja ela política ou religiosa, para citar esses exemplos mais radicais, porque existem outros níveis de discursos, como o discurso familiar, o discurso empresarial/profissional, existem outros tipos de discursos. Mas, se o discurso, a fala, principalmente nesses aspectos – religioso e político – têm o poder de mover o indivíduo, de tornar o indivíduo quem ele é, fazendo-o, construindo-o por meio da palavra, da narrativa, não seria esse discurso, também, aquele que cria? Aquele que faz?

E aí a gente pode voltar – para pensar no poder da fala – àquilo que é discurso, que é narrativa, que é o verbo, que é a fala, tanto no Gênesis, quando há um Deus que cria, e que fala, e que pela ação da sua fala as coisas acontecem. O fiat lux, por exemplo. A inexistência de luz no caos, nas trevas, nessa origem cosmogônica, da terra, do planeta e das coisas, que se originam a partir da fala da divindade, do comando de Deus, do Deus que cria pela sua Palavra. E, também, no seu similar, decorrente e complementar, no Novo Testamento, do Filho Amado, do Cristo, o Filho de Deus, que também recebe esse codinome de Verbo ou Palavra originária, ou seja, que tem a capacidade de criar mundos, seres e coisas.

Ele é o Verbo, a Palavra, que se humaniza, que vem habitar entre nós. Que estava presente na Criação também, e que deu origem a todas as coisas e à humanidade, junto com o Pai, e que agora vai dar origem a um novo tempo, uma New Age verdadeira, pelo discurso, pela fala, pela esperança que o novo Reino e a nova proposta – pois a nova proposta também é pregação – os sermões de Jesus: o Sermão do Monte, o Sermão Profético, os sermões de Jesus revelam isso – então, pelo discurso, a implantação de uma nova realidade também se dará.

Ou seja, as realidades são mudadas pelos discursos. As realidades são mudadas pelas falas. Se as realidades são mudadas pelas falas, é a fala que cria o homem. É a fala que cria o homem de sua geração. A humanidade é produto do discurso de seu tempo. É assim que caminha a humanidade, principalmente porque o indivíduo tem preguiça de pensar e, muitas vezes, entrega essa tarefa para outrem. Que imbecilidade: seguir cegamente o que alguém diz, sem assumir uma atitude bereiana, em conformidade com a prática dos habitantes da Beréia bíblica, que checavam nas Escrituras para saber se era assim mesmo como os apóstolos estavam dizendo. O historiador Lucas chama a essa atitude, de uma atitude nobre (cf. Atos 17.11).

As realidades são mudadas pelas narrativas e constroem o indivíduo, o ser. O homem que subsiste em uma ideia, o homem que subsiste em uma caricatura de ser, que está presente em uma geração, em uma época, que pode ter uma conotação, uma dimensão, mundial, ou mesmo que tenha uma significação nacional ou regional, mas que representa uma coletividade, que muitas vezes não se enxerga naquele discurso que foi entronizado no poder. Isso, é caracterizado por ideias, movimentos, tendências que são abraçados, de forma até impensada, de forma feita pelas massas, por influência do grupo ao qual se pertence, como se fosse uma resposta de multidão a um acionamento que fora feito, a um gatilho que foi dado por alguém que tem liderança, e aí, as pessoas são criadas.

A palavra cria o homem. A verdade é essa: a palavra cria o homem; a palavra cria o indivíduo. E aí, eu concluo dizendo: que se essa palavra é boa, se essa palavra é bendita, esse homem será bendito. Mas, se essa palavra for maldita, esse homem será maldito. Porque a palavra também origina o caráter. Se origina a vida, origina o caráter. E o caráter que vamos reproduzir será em função da palavra que abraçarmos. Por isso que a gente precisa ter cuidado com aquilo que ouvimos, a quem ouvimos, a quem pomos atenção. Se a gente presta atenção, a gente acaba absorvendo valores, princípios, ideias, que vão incorporar-se às nossas próprias vidas. Para o bem e para o mal. Então, o homem é o seu discurso. O homem é a sua fala. E aí, anterior a isso, a gente poderia dizer que o homem é o que ele ouve. Porque o que ele ouve torna-se a sua fala. É isso! O restante é com você! Que narrativa formadora, criadora, você vai escolher para construir o seu caráter?

(Josué Ebenézer – Nova Friburgo, 3 de janeiro de 2022 – 11:04hs)