CRENTE SEM FANATISMO: DE CARNE E OSSO — Ensaio Teológico II(18) A complexidade da sexualidade e da religião

A sexualidade e a religião são dois temas que geram muitas controvérsias e debates na sociedade contemporânea. Muitas vezes, esses temas são abordados de forma dogmática e excludente, ignorando a diversidade e a complexidade das experiências humanas. Neste ensaio, pretendo analisar criticamente a visão de alguns fanáticos religiosos que afirmam que a relação com uma mulher estranha ou com a Igreja Católica Romana leva à morte e ao inferno, usando como referências teóricas a Bíblia, a psicanálise e a filosofia.

Em primeiro lugar, é preciso questionar o conceito de "mulher estranha" que esses fanáticos usam para se referir a qualquer mulher que não seja sua esposa legítima. Esse conceito é baseado em uma interpretação literal de alguns versículos bíblicos que condenam o adultério e a prostituição, como por exemplo: "Não adulterarás" (Êxodo 20:14) ou "O que se deita com uma prostituta se faz um corpo com ela" (1 Coríntios 6:16). No entanto, essa interpretação desconsidera o contexto histórico e cultural em que esses textos foram escritos, bem como as diferentes formas de expressão da sexualidade humana ao longo da história.

Além disso, essa visão ignora os aspectos psicológicos e afetivos envolvidos na sexualidade, reduzindo-a a uma mera questão de cumprimento ou transgressão de normas morais. Como afirmou Freud, "a sexualidade é o conjunto das condições anatômicas, fisiológicas e psicológico-afetivas que caracterizam o sexo de cada indivíduo" (Freud, 1905). Portanto, a sexualidade não pode ser compreendida apenas como uma função biológica ou um dever conjugal, mas como uma dimensão essencial da subjetividade humana.

Nesse sentido, é importante reconhecer que a sexualidade é uma fonte de prazer, de comunhão e de criatividade, mas também de conflito, de angústia e de culpa. A sexualidade é atravessada por desejos inconscientes, fantasias, pulsões e traumas que nem sempre se adequam às expectativas sociais ou religiosas. Como disse Foucault, "o prazer está espalhado por toda a superfície do corpo" (Foucault, 1976), mas também está sujeito aos jogos de poder e às relações de saber que regulam as condutas sexuais.

Em segundo lugar, é preciso questionar o conceito de "Igreja Católica Romana" que esses fanáticos usam para se referir a uma instituição religiosa que consideram corrupta e idólatra. Esse conceito é baseado em uma visão sectária e intolerante que nega o valor e a legitimidade de outras tradições religiosas que não se enquadram em sua doutrina. Essa visão desrespeita o princípio da liberdade religiosa e da diversidade cultural que são fundamentais para uma sociedade democrática e pluralista.

Além disso, essa visão ignora os aspectos históricos e teológicos envolvidos na religião, reduzindo-a a uma mera questão de obediência ou rebeldia a uma autoridade divina. Como afirmou Mead, "a religião é um sistema simbólico que serve para relacionar um indivíduo com seu universo" (Mead, 1937). Portanto, a religião não pode ser compreendida apenas como um conjunto de dogmas ou rituais, mas como uma forma de expressão da espiritualidade humana.

Nesse sentido, é importante reconhecer que a religião é uma fonte de sentido, de esperança e de transcendência, mas também de dúvida, de crítica e de transformação. A religião é atravessada por crenças diversas, interpretações variadas, conflitos internos e diálogos inter-religiosos que nem sempre se conformam às normas estabelecidas ou às verdades absolutas. Como disse Balzac, "a religião é a poesia dos sentidos" (Balzac, 1832), mas também é um campo de disputas e de negociações que envolvem os interesses humanos.

Em conclusão, embora a Bíblia possa ser usada como uma fonte de inspiração e orientação para a vida sexual e religiosa, é fundamental adotar uma postura crítica e reflexiva, reconhecendo que as pessoas têm crenças e práticas diferentes. A ênfase deve ser colocada no respeito, no diálogo e na compreensão mútua, em vez de fazer generalizações que podem ser prejudiciais e divisivas. A sexualidade e a religião são dimensões complexas e multifacetadas da experiência humana que devem ser vivenciadas com responsabilidade, liberdade e amor.