CRENTE SEM FANATISMO: DE CARNE E OSSO — Ensaio Teológico II(22) A relação entre virtude, pecado e tranquilidade: uma análise crítica

É fácil encontrar na boca dos crentes em geral o argumento de que o crime e o comportamento pecaminoso fatalmente levarão à punição e à destruição, afirmando que a tranquilidade e a prosperidade só são alcançadas através de uma vida justa. No entanto, é importante analisar essa ideia sob uma perspectiva crítica, levando em conta as evidências bíblicas, filosóficas e empíricas.

Primeiramente, é válido reconhecer que a lógica de que a virtude sempre leva à recompensa e o pecado, à punição não é uma representação precisa da realidade. Existem inúmeras situações em que indivíduos que cometem atos imorais aparentemente prosperam, enquanto pessoas justas enfrentam dificuldades. A vida nem sempre segue um padrão de recompensas e punições proporcionais às ações. A própria Bíblia reconhece essa questão, como no livro de Jó, em que um homem íntegro sofre calamidades inexplicáveis, enquanto os ímpios parecem desfrutar de bem-estar. O filósofo grego Platão também questionou essa relação causal entre virtude e felicidade, argumentando que a justiça é um bem em si mesmo, independente das consequências externas.

Além disso, a ideia de que a tranquilidade é exclusiva daqueles que seguem estritamente um caminho moral é simplista. Muitos fatores, como saúde, oportunidades econômicas e contextos sociais, podem influenciar a qualidade de vida de uma pessoa. A conexão direta entre moralidade e tranquilidade ignora a complexidade da existência humana. O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau criticou essa visão idealizada da virtude, afirmando que ela é incompatível com as condições reais da sociedade humana, marcada pela desigualdade e pela corrupção. A Bíblia também alerta para os perigos de confiar na própria justiça como fonte de paz, pois isso pode levar ao orgulho e à hipocrisia.

É importante também considerar que a abordagem desses fanáticos parece desconsiderar o potencial de redenção e mudança das pessoas. Mesmo aqueles que cometeram erros no passado podem buscar o caminho da virtude e encontrar paz interior. Julgar de maneira definitiva a trajetória de alguém com base em erros passados é limitar a capacidade humana de crescimento e transformação. A Bíblia oferece vários exemplos de pessoas que se arrependeram de seus pecados e foram perdoadas por Deus, como Davi, Pedro e Paulo. O filósofo alemão Immanuel Kant defendeu que a moralidade não depende das circunstâncias passadas, mas da boa vontade presente, que se orienta pelo dever racional.

Em resumo, embora a ideia de que a virtude leva à tranquilidade seja uma noção atraente, a realidade é mais complexa. A vida não se encaixa facilmente em uma narrativa moralista de recompensa e punição. É importante manter uma visão mais ampla e compassiva das experiências humanas, reconhecendo que cada pessoa é única e capaz de mudança e crescimento, independentemente de seu passado.