Malu entrevista Edna Lopes

A amizade é um bem muito precioso. É alimento para a alma em tempos de avareza de afetos. Feliz de quem, no inventário do cotidiano, afirma Eu tenho amigos!

EDNA LOPES em 14/03/2009





18/07/2009 15h23 - EDNA LOPES

Malu querida, cada vez que lia suas entrevistas, ficava imaginando como acontecia a mágica. Agora entendo. É feito um espelho instalado a nossa frente...a gente vai escolhendo as palavras, abrindo o coração, desnudando a alma. Não é de todo fácil o exercício.A opinião e a imagem que temos de nós mesmas nem sempre coincide com a que fazem e pensam  sobre nós...No meu caso, só posso agradecer os olhares amorosos, gentis, sobre o que escrevo e, consequentemente, sobre mim. Obrigada por sua atenção e carinho.Você é mesmo a delicadeza em forma de gente. Adorei ser sua entrevistada. Beijo, Malu!



ENTREVISTA

Ela é decidida, inteligente, sensível e engajada na luta contra a desigualdade social. Com os versos de Geraldo Vandré, dou início à conversa com a moça dessa semana, Edna Lopes.

"Caminhando e cantando

E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção...

Edna, qual o momento da sua vida - como educadora e cidadã - você sentiu que está valendo a pena a sua luta?


             - Em muitos Malu, pois minha militância é pela vida mas, destaco dois em especial. Um, durante um encontro de alfabetizadores no alto sertão de Alagoas, uma das cursistas levou um de seus alunos para cantar aboios para mim. Aquele homem, quase aos setenta anos estava se alfabetizando, maravilhado por ser reconhecido importante, ter legitimado o seu saber. Os olhos dele brilhavam de felicidade e os meus derramaram-se de emoção. O outro, aqui na cidade, numa visita uma instituição paupérrima, um menininho me convidou pra brincar numa roda de "chicote queimado". Sentei com eles e vi a alegria, a esperança em cada olhar, a felicidade de estar naquele lugar... coisas tão simples, mas tão importantes para devolver a  autoestima, a dignidade a um ser .  Aí eu penso: é para eles que trabalho...  Vale a pena!


    - A sensibilidade aliada ao comprometimento do seu trabalho já rendeu vários textos. Qual deles, mais te emocionou ao escrever?

       -Embora minha escrita não tenha a intenção de ser autobiográfica, cada palavra do que escrevo sou eu, o que penso, o que sinto, como interajo com o mundo. Me emociono muito quando consigo relatar experiências vividas no coletivo, com estudantes, com educadores, textos que coloco em tutoriais ou numa série intitulada VIDA DE PROFESSORA. Me emocionei muito também ao escrever a série LEITURAS INESQUECÍVEIS, que, espero nunca concluir, rsrsrsrs. Ao escrever Leituras inesquecíveis III: Livros de aventura, Monteiro Lobato e o ano em que não fui à escola, quase não termino, ás lágrimas ... lembranças tão vivas da menina que fui e, de certa maneira, não deixo de ser, voltaram com toda força. Enfim, Malu...rssssssss, emoção é meu sobrenome...


Vivenciando situações de extrema pobreza, você acredita que exista solução para essa gente tão sofrida ou viverão eternamente " no paliativo"?

   - Acredito Malu, que soluções, boas idéias existem. Mas, é preciso mais que programas temporários para resolver todos os problemas.Penso numa fala de D. Helder Câmara, contando de uma retirante à porta de sua igreja, esquálida, faminta, amamentando um bebê e seu seio sangrava. Para aquela mulher "o paliativo" seria tudo e para quem amanhece e não tem como alimentar sua família também, mas isso não deve ter caráter permanente. Alimentar sim, mas ao mesmo tempo, construir as políticas públicas que esse país precisa.

E a Edna escritora, quando surgiu?

     - Acho que quando rabisquei as primeiras letras. Menina, decorava poesias, copiava as que mais gostava no caderno, fazia uns versos de pé quebrado, caprichava nas redações, surpreendendo os professores. Sempre estive às voltas com a literatura e quando já estava na Universidade, ousei mostrar meus rabiscos no mural do Diretório Acadêmico. Quando me profissionalizei, algo aconteceu que não escrevi mais... só relatórios de trabalho, textos acadêmicos...mas lia compulsivamente ficção. Num período em que estava muito doente, alérgica, respirando mal comecei a ler poesia em voz alta, como exercício respiratório e foi como redescobrir o mundo. Mário Quintana falou, no meu ouvido." Tudo já está nas enciclopédias e todas dizem as mesmas coisas. Nenhuma nos pode dar uma visão inédita do mundo.Por isso é que leio os poetas. Só com os poetas se pode aprender algo novo." E também um amigo me incluiu numa lista onde fazia circular poemas quase que diários e foi mágico! Me reencontrei com vários poetas que amava. Conheci outros, por quem me encantei. Aquilo salvou minha vida. Algum tempo depois acordei com um texto pronto: "A poesia me salva. Do abismo. Da desesperança. É minha trincheira, Minha bandeira desfraldada ao vento, Meu verbo encarnado, Na palavra bem dita Ou mal dita, conforme o argumento. É chuva na aridez do deserto. É meu modo imperativo de Conjugar o verbo VIVER". Isso foi em 2002 ou 2003...nunca mais parei...Escrevo diariamente, às vezes para jogar fora, para exercício... mas escrevo.

Fale - nos um pouco sobre a Edna mãe. Como é a sua relação com seu filho Vinícius?


     - Vou dizer uma asneira, mas já nasci mãe. Meio mãe de meus irmãos menores, de meus sobrinhos e sobrinhas, de meus alunos, de minhas colegas de Universidade (elas me apelidaram de Mãinha.. ..rsrsrrsrs) dos filhos do meu companheiro(Flávia, Cláudia e Ivo ) que amo como se fosse meus...Antes de engravidar, alguém me olhou e disse: Você vai ter um bebê! E eu esperei que viesse. Meses depois, senti quando fiquei grávida, então digo que minha relação com ele é de outras vidas, pois divido meu tempo antes e depois de ser mãe. Sei que me tornei um ser melhor.

E a Edna, mulher, como se diverte nas horas livres?

       - Nas horas livres adoro ficar em casa, já que vivo no mundo. Leio, ouço música o tempo todo, escrevo, cozinho. Acompanho um grupo de Seresteiros, que sai pelas ruas cantando nas primeiras sextas de cada mês e de um grupo de mulheres que escrevem e/ou gostam de poesia... Quando saio é sempre para alguma atividade ligada à música e ao teatro... Faço muita questão de usufruir da vida cultural da minha cidade e Maceió ainda é um bom lugar de se viver.

Dizem que ciúme é o tempero do amor. O que acha disso?

     - Numa relação ninguém quer indiferença, mas o exagero, o pegar no pé deve incomodar tanto quanto. Viver num clima de desconfiança não faz bem a nenhum dos dois, não faz bem a nenhum relacionamento. É preciso achar o equilíbrio. Para minha vida, estes são os verdadeiros temperos do amor: a cumplicidade, a sintonia, o respeito pelo sentimento um do outro, o direito do outro ser quem é...

Trilha sonora da sua vida?

       - Rsssssssss.. difícil, pois penso com música...uma para cada momento da vida, para cada situação... gosto tanto de música, Malu, que canto até hino de time de futebol, embora não torça por nenhum. Sou apaixonada pela nossa MPB, em especial, samba e bossa nova, e estou sempre procurando novos compositores, novos intérpretes.Tenho verdadeira adoração por música de raiz e por cada lugar que passo, faço questão de pesquisar e trazer CDs de gente que canta seu povo, sua história...

O seu livro preferido?

       - Difícil também de responder, porque já li tantos maravilhosos, que fizeram bem a minha alma naquele momento que não quero ser injusta. Há livros que me comoveram muito, mas não sei se foram/são os meus preferidos. Estou sempre me devendo leituras...A pilha no meu quarto cresce... Mas ouso dizer que a poesia, expressa em qualquer tipo de texto, é o que mais me mobiliza e encanta. Parafraseando Bandeira, eu leio versos como quem reza.

Na dança, qual o ritmo combina mais com você?

       - Rsssssssss...pela alegria, pela descontração, um belo forró pé de serra...adoro a singeleza das letras, a criatividade dos arranjos, os ritmos variados. Graças a Deus no nordeste há excelentes compositores, verdadeiros herdeiros do velho Lua, por quem tenho um respeito quase religioso. Mas isso também tem a ver com o momento...Adoro música romântica... dançar de rosto colado...hummm....

Como o amor entrou na sua vida?

      - O amor sempre entrou na minha vida pela porta da amizade.Tenho um desconfiometro sempre ligado e as paixões repentinas, embora apimentem a vida, tem prazo de validade. Já o amor é construído no convívio... palavras, pequenos gestos, olhares, desejos que se harmonizam. É nesse tipo de amor que acredito, que apostei e aposto todas as minhas fichas e não me arrependo. Sei que amo, sou amada, desejada, querida e por isso sei o quanto o amor é importante em minha vida.


Edna, agradeço a gentileza da sua participação. Beijos

malu
Publicado no Recanto das Letras em 18/07/2009