Entrevista concedida à Suzane Rzepian do Instituto Metodista de Ensino de São Bernardo do Campo (SP)

     SUZANE - Em sua opinião, há distinção entre o produtor alternativo e o independente?
     DOUGLAS - Na prática, não vejo nenhuma distinção, porque se trata apenas de denominações diferentes para uma mesma prática. Entretanto existe uma interpretação ideológica diferente quanto ao papel que cada produtor exerce neste processo.
     SUZANE - Qual é esta distinção e como ela se dá na área que você atua?
     DOUGLAS - Bom, o produtor que se considera alternativo, sente-se excluído do processo editorial capitalista, no caso do escritor, e busca veicular seu trabalho, nos bares, nas filas de teatro, no tradicional mano a mano, de uma maneira, portanto, artesanal, mas apesar de rejeitar as editoras, não tem, na maioria dos casos, uma proposta política de superação da condição alternativa, por natureza, ineficaz, em termos de distribuição e difusão cultural, tendo em vista a precariedade do processo, e as limitações de cada agente, que agem quase sempre de maneira individualista. Pode, portanto, por falta de uma perspectiva política transformadora acabar caindo no circuito tradicional de edição de livros, como tem acontecido com diversos autores da intitulada Geração Mimeógrafo da década de 70. São, portanto, alternativos passageiros, sempre atentos ao canto de sereia das editoras comerciais. Quanto ao produtor que se considera independente, trata-se, por outro lado, de uma luta pela autonomia e pela liberdade de criação, no sentido mais amplo, com o objetivo concreto de ter acesso e o controle dos meios de produção editorais. Evidentemente esta luta se dá em vários níveis, no político, no econômico, no financeiro, no ideológico e todo pequeno passo conquistado neste sentido, é sempre válido, desde que se alcance um novo instrumento de luta, seja um jornal, uma revista, um livro ou uma pequena editora. Nesse caso, não existe uma ação exclusivamente alternativa, mas uma ação no sentido de conquistar a liberdade editorial e política, que pode ser obtida, mesmo num regime capitalista, desde que a luta se desenvolva organizadamente, a partir da união dos escritores e produtores culturais em geral.
     SUZANE - Onde está a alternatividade ou independência no seu trabalho?
     DOUGLAS - No nosso caso, nos consideramos independentes, no sentido explicitado acima, porque almejamos a constituição de uma editora, ao mesmo tempo que lutamos pela transformação geral do país, que somente dar-se-á evidentemente, pela organização dos diversos segmentos da sociedade. Nosso trabalho se caracteriza pela criação de um ponto de venda de livros independentes no Rio de Janeiro, vendendo sempre que é possível, nas praças e pelo Correio, ao mesmo tempo que nos preparamos para a constituição de uma editora. Ao lado disso, estamos atuando nas praças, nos teatros, nos eventos comunitários, enfim formando um público.
     SUZANE - Como faz sobreviver seu trabalho?
     DOUGLAS - Tentamos fazer com que nossa atividade seja auto-financiada, isto é, todo investimento que fazemos, publicação do Boletim, cartazes, despesas postais, administração, etc, seja coberto exclusivamente pelos recusos obtidos através da atuação da Banca. E estes recursos são obtidos através de comissão cobrada em cima dos livros e revistas, que nos são enviados para venda pelos próprios autores, assim como através das assinaturas que progressivamente diversos leitores vem fazendo. Quanto a atividade desenvolvida nas praças e nos teatros, constituímos um grupo, que funciona sob a forma de cooperativa, administrada coletivamente.
     SUZANE - Quais as dificuldades que encontra e quais as alternativas para superar tais dificuldades?
     DOUGLAS - As dificulades são inúmeras. Vender livros atualmente tem sido muito difícil, tendo em vista a crise financeira e social que o país atravessa, mas também a falta de hábito de leitura e o crescente analfabetismo. Apesar de nosso intenso trabalho de distribuição de Boletins para todo o Brasil, e até mesmo para o exterior, a resposta tem sido bastante aquém das expectativas, apesar de enviar o Boletim para leitores, escritores, entidades, etc. Lamentamos o fato, comprovado através de nossa prática, de que são os próprios escritores aqueles que mais raramente compram livros de seus colegas, pelo menos os livros independentes veiculados pela Banca. Para superar estas dificuldades e o desperdício de esforços, estamos restringindo nossa área de atuação, e reduzindo ou ampliando a tiragem do Boletim de acordo com a necessidade e a procura. Isto tem ajudado a nos equilibrar financeiramente.
     SUZANE - Suas expectativas para continuação e ampliação das atividades atuais são positivas ou não? Por quê?
     DOUGLAS - As expectativas tem sido sempre positivas, porque apesar de tudo, estamos sempre crescendo e criando novas formas de atuação, diante da realidade. Projetamos para o futuro, a instalação de uma banca de livros fixa numa praça ou um trailer itinerante para vender livros e acompanhar outros projetos culturais. Consideramos estes projetos realizáveis se aumentarmos nossa autonomia financeira, para que tenhamos mais jogo de cintura, assim como se obtivermos patrocínio de outras empresas, em troca de publicidade.
     SUZANE - Qual o seu principal objetivo com seu trabalho e como você luta para alcançá-lo?
     DOUGLAS - O objetivo principal é viabilizar a comercialização a nível nacional da produção independente, criando novas formas alternativas de distribuição, a partir da união dos escritores. Ao mesmo tempo criar condições técnicas para a fundação de uma editora. Lutamos basicamente pensando na conjunção dos esforços dos próprios escritores.
     SUZANE - Ele é plenamente alcançado?
     DOUGLAS - Evidentemente que não, porque ainda falta muita estrada para ser percorrida. Mas o fundamental é que acreditamos nesta luta e que iremos até o fim. Consideramos um processo longo, cansativo, mas por outro lado, extremamente criativo, porque, afinal de contas, é uma razão de viver.
     SUZANE - Como é sua relação com o público e vice-versa? Ou seja há aceitação de seu trabalho ou não? É você quem procura o público ou são eles quem o procura?
     DOUGLAS - A relação com o público tem sido ótima. As pessoas que tem comprado livros através da Banca têm manifestado muita satisfação de poder contar com um órgão deste tipo e muitos colaboram enviando selos e até mesmo doando dinheiro. Nas praças costumamos passar o chapéu para arrecadar recursos e o público quase sempre é generoso. No início, nós corremos atrás dos leitores e escritores enviando nossa proposta de trabalho. Agora com a difusão progressiva de nosso endereço por diversos jornais e revistas de todo o país e até mesmo do exterior, temos sido procurados avidamente pelo público, que nos escreve solicitando informações.
     SUZANE - Há dificuldades de comunicação? Em caso afirmativo, quais são e como são superadas?
     DOUGLAS - Existem realmente algumas dificuldades. Não são todos que entendem o trabalho da Banca, mas de um modo geral, a maioria entende a importância política de se criar pontos de venda de livros independentes, semelhantes ao nosso em diversas cidades brasileiras.
     SUZANE - Seu trabalho tem algum teor ou linha de atuação didática? Ou seja, é destinado a orientar, instruir, discutir ou levar à reflexão os problemas atuais? Em caso afirmativo, que tipo de problemas são abordados e como isso é feito?
     DOUGLAS - Sempre tivemos esta preocupação, principalmente no que diz respeito a organização dos escritores com o objetivo de fortalecer a comunicação escrita. E como achamos que a publicação independente é a maneira mais privilegiada de preservar a liberdade de expressão e de pensamento, temos durante toda esta luta, defendido e valorizado esta forma de veiculação do trabalho cultural.

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1) Publicado no "Boletim da Banca Nacional de Literatura Independente" - JUN/1987 - Rio de Janeiro
2) Entrevista concedida à SUZANE RZEPIAN, do Instituto Metodista de Ensino de São Bernardo do Campo (SP) em 12/06/1985.
3) Publicado em "Poesias ao Sabor do Vento" - http://www.bchicomendes.com/dcarrara/bnli0687.htm