SINCERIDADE NO ESPORTE - MAURO LEÃO - JORNALISTA

A verdade e os podres do jornalismo esportivo, curiosidades, opiniões e idéias polêmicas serão o foco dessa entrevista com o jornalista Mauro Leão. Ele que já trabalha com esporte, especificamente o futebol, há 23 anos, fala um pouco sobre essa editoria que é amada e odiada por muitos. Não são poucos os estudantes que escolhem o Jornalismo na esperança de trabalharem com esporte. Nessa entrevista está um pouco do que acontece nas redações, nos clubes e nos estádios. As dificuldades no relacionamento com outros jornalistas, a falta de profissionalismo de alguns, o difícil dia a dia de um repórter que acompanha os jogadores, a relação com a publicidade e os patrocinadores, a importância das fontes e o preconceito que ronda a imprensa esportiva.Tudo isso levado com bom humor e sem papas na língua.

Você nunca escondeu de ninguém que torce pelo Botafogo. Como isso o influencia no momento de escrever sua matéria ou de apurar as informações?

O clube que sou mais rigoroso é com o Botafogo, na verdade sou rigoroso com todos. Eu pautei minha carreira toda assim: fez bem, parabéns, fez mal é porrada. Como os times só fazem m... eu sempre estou “caindo de pau”. Sempre trabalhei assim, e principalmente no Botafogo, porque além de eu gostar do clube eu tento, mesmo que involuntariamente, consertar alguma coisa de errado.Por exemplo, decisão Flamengo e Botafogo e eu cubro o Flamengo. Vou torcer muito contra o Flamengo, mas não vou deixar que isso transpareça. É complicado lidar com emoção.

Jorge Kajuru estreou seu programa no último domingo e no fim ele declarou que na imprensa esportiva o que mais têm, é mentiroso. Você concorda com essa afirmação?

Toda profissão tem mentirosos, tem traíras. Uma coisa que me irrita muito é que toda vez que um jornalista publica alguma coisa que desagrada as pessoas, dizem que é mentira. E é complicado, porque muitas das vezes, para você provar que o que está escrito é verdade, você tem que queimar sua fonte. Eu jamais faria isso, pode me matar. Me pendurar de ponta cabeça que eu não revelo a minha fonte.

E como funciona sua relação com as fontes nesse jogo de mentiras?

Tudo é feito debaixo dos panos no futebol. Você pega um contrato de um jogador e lá está escrito que ele ganha R$ 8 mil reais por mês, enqüanto na realidade ele ganha R$ 200 mil. Esse dinheiro por fora é justamente para burlar o Fisco, para não pagar o imposto de renda. Eu acredito muito nas minhas fontes, raramente eles me deixam em uma furada. E se continuarem falando que você está mentindo, recorra à Justiça, processe.

Qual sua opinião sobre a história de que tudo que acontece de ruim, é culpa da imprensa?

Eu tenho um ditado muito bom, que o pessoal sempre costuma achar engraçado: “Chora o burro, chora o bode, é o repórter que se f...”. Tudo de ruim cai na cabeça da gente. A menina vai lá, transa sem camisinha com o jogador, a culpa é do repórter. O jogador bate de carro, a culpa é do repórter. Isso já encheu o saco. Como eu tenho independência, eu posso falar. Já estou há 23 anos nesse meio. Nunca me envolvi com nada errado, minha palavra tem força e as pessoas têm que me respeitar.

Existe isenção jornalística, principalmente no esporte, onde a emoção fica mais evidente?

A questão da emoção é uma coisa incontrolável. Eu vou fazer 50 anos de idade e toda vez que entro no Maracanã para ver o Botafogo eu fico arrepiado. O que mais me preocupa nessa questão da isenção é o dinheiro. É dono de clube que patrocina programas esportivos, é repórter que ganha um dinheiro por fora de dirigente, tem gente até que se vende por um almoço. Tem que separar emoção de dinheiro.

Qual sua opinião sobre a qualidade do JE (jornalismo esportivo) carioca?

Eu acho bom, mas já foi melhor. O que acontece hoje é que existe uma praga chamada assessoria de imprensa que prejudica o trabalho do repórter nos clubes. O assessor de imprensa é um jornalista frustrado que não conseguiu trabalho em jornal ou outro meio qualquer, e tem que se sujeitar às regras do clube. Não estou analisando se ele está certo ou errado, ele tem que trabalhar. Só que ele não assessora a imprensa, ele acaba se transformando em puxa saco do clube e puxa saco de jogador, acabando por prejudicar o repórter.

A Internet tem influência na qualidade do JE?

Todo mundo hoje pode ser jornalista com a Internet. Você vai pra Internet e consegue inúmeras informações. Antigamente o repórter tinha sua informação e morria ali. Hoje é um inferno para você conseguir uma informação diferenciada, por conta dessa facilidade. Eu conheço dezenas de jornalistas de Internet, principalmente a molecada que está começando agora.

Qual a importância do editor-chefe?

A função do editor é de organizar as matérias e colocá-las no jornal. Hoje, o editor quer cobrar no dia seguinte, o que não adianta nada, pois o jornal já foi publicado. Você fica no clube, por exemplo, para cobrir um treino. Fica de 8h da manhã até 14h, faz seu trabalho e volta para a redação. Quando você chega lá, que todo mundo no clube já foi embora, o editor vem com as idéias geniais. Aí não dá mais.

A reunião de pauta não serve justamente para que não ocorra esse tipo de problema?

Eu odeio reunião de pauta, acho algo totalmente inútil, chato demais. Só tem conversa fiada. Os repórteres já chegam da rua e tem que dar de cara com os “bam bam bams”, que são os jornalistas de reunião de pauta, que falam que vão fazer e acontecer e no final não produzem nada. O repórter que produz não precisa disso, ele vai lá e faz. E tem outro detalhe, a função da reunião de pauta é que haja uma troca de idéias entre os jornalistas, só que fica um querendo derrubar a idéia do outro.

Quais os alicerces de uma boa produção no JE?

O repórter deve ter conhecimento adquirido e muitas fontes. Por exemplo, a cada ano geralmente há um rodízio de clubes entre os jornalistas, além de estar sempre antenado, ler muito jornal, escutar rádio. Se você cobre o Flamengo e de repente cai no Botafogo e não conhece ninguém lá, você está lascado. As minhas fontes são todos jogadores, porque é ali que está verdade. Cartola é mentiroso, está ali pra te iludir e te enganar.

Como você avalia o trabalho desses jornalistas que se dedicam a esportes menos expressivos aqui no Brasil, como o golfe ou o tênis, por exemplo?

Eu acho muito legal, só que é um mercado muito fechado. O repórter terá espaço só em revistas especializadas. Um exemplo bom é o tênis. Houve aquele boom do Guga, só que o Guga acabou. E agora? Quando que vai ter um brasileiro número 1 do mundo novamente? O jornal “O Lance” até dá um espaço legal pra isso, mas o dinheiro não é tão legal quanto o espaço. Mas, pode ser pensado como uma saída para a saturação do futebol.

Existe algum tipo de rivalidade entre os jornalistas e os espaços publicitários?

O que acontece é o seguinte: o repórter chega com a matéria, qualquer uma, a não ser claro que seja algo fantástico, como a morte do Pelé. Mas fora isso a publicidade sempre terá prioridade, e se reclamar vai ser demitido. É lógico que, quando se trabalha em um lugar sério, os chefes têm um tino de saber quando a matéria está boa, mas mesmo assim se não tiver jeito, é tesoura nela e pronto. No início você até pode ficar chateado, mas com o tempo você acostuma. O que importa é a publicidade, a matéria é supérflua.

Como funciona a receptividade dos clubes e de seus dirigentes em relação aos repórteres?

Aprendam uma coisa, todo mundo vai te achar o máximo, o melhor jornalista do mundo enqüanto você falar bem deles. No dia que começar a falar mal, aí você não tem caráter, não é bom profissional etc. Se o repórter ficar no “oba-oba”, não irá conseguir uma matéria legal. Sempre tem que dar uma cutucadinha. A minha educação funciona da seguinte maneira: me tratou bem, irei tratar melhor ainda; tratou mal, receberá na mesma medida.

Qual a importância do JE impresso em meio à velocidade das outras mídias como o rádio, a TV e a Internet?

O jornal faz uma análise mais trabalhada, mais bonita. Além disso, o brasileiro tem o hábito de ler o jornal. A importância está justamente nesse hábito, o brasileiro precisa ler, precisa se identificar com a palavra escrita. O camarada liga o rádio em casa, a mulher já começa a perturbar o juízo. Com jornal não, ele se tranca lá no banheiro e vai ler o jornalzinho dele.

No JE você acha que a formação acadêmica faz alguma diferença, ou o que realmente conta é uma bagagem de experiência prática?

Faz diferença sim, com certeza, mas o que irá diferenciar um do outro é a rua, a prática. Faculdade te ensina semântica, semiologia e tal. Tem faculdade que parece brincadeira, o professor chega na sala, joga meia dúzia de jornais em cima dos alunos e pede para eles fazerem notícia. O professor tem que ter tesão em dar aula e cobrar mais dos alunos, porém têm alunos que fazem Jornalismo de sacanagem

Daniel Bayão
Enviado por Daniel Bayão em 07/09/2006
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