Entrevista com Afonso Martini

FB – Em seus dados biográficos do livro “Grimpas do Sul” consta que o senhor é gaúcho de uma cidade chamada ”Não Me Toque” e se transferiu aos trinta anos de idade para Joaçaba – SC, qual foi o motivo dessa mudança?

AM – Mais precisamente na área rural da vila de Bom Sucesso, donde saí pela primeira vez, acompanhando a família, pai, mãe e três irmãs, para a cidade de Piratuba-SC, donde fugimos das duras penas de doenças, acidentes com morte de um irmão e demais intempéries da vida, que arrastou minha família ao mais cruel sofrimento e pobreza. De lá fui, em 1953, para Aparecida-SP, pois minha boa e religiosa mãezinha queria que eu fosse padre. Não tendo dado certo, pois as ciências exatas não me deram seu aval de passar de classe em nenhum desses anos, voltei para Piratuba em 1957, começando a minha jornada, acompanhando a caravana da vida. Tendo voltado ao Rio Grande do Sul, trabalhei na Justiça, no cartório do crime, onde meu irmão Walter era escrivão. Nestes dez anos que estive no sul, fui funcionário de cartórios extrajudiciais e do crime em Tapera-RS onde casei com 22 anos completados no dia do casamento (08-09-60); em Cochinho (escrivão distrital), lugar que tive a honra de ajudar na sua emancipação política e social e no batismo desse distrito (agora cidade) com o nome de VICTOR GRAEFF-RS.

Motivos dessa mudança? Digamos que a ditadura, através do seu preposto ou prefeito biônico, nomeado como primeiro prefeito, não validou todo o trabalho que realizei enquanto escrivão distrital, porque me neguei de assinar ficha com a então, toda poderosa ARENA. Sempre tive por certo e ainda hoje tenho, que nem um homem, para ser realmente livre, deve filiar-se a partido político algum. A fidelidade a que se referem os parlamentares como fidelidade partidária deve, em primeiro e único lugar, ser fidelidade de consciência: votar no homem e não no partido. Fiquei sabendo que tinha alguns concursos aqui por fazer e vim para fazer o do então INPS. E, de quebra, meus pais doentes, vim para ajudar meus irmãos que já residiam aqui, a cuidar deles... E fui desviado da função pelo desejo da minha mãe: Queria que eu fosse padre.

FB: – O interesse pela poesia e literatura foi despontado logo na infância ou na vida adulta?

AM: – Como já disse, nasci no interior dos interiores do município de Não Me Toque - RS. Nos anos 40 as crianças do interior ainda eram aquelas que aprendiam a ter noção das coisas pela imagem daquilo que seus olhos viam. A poesia, ou seja, a cultura da arte e da literatura em geral, ainda não estava na lista das prioridades do nosso mundinho, lá por aquelas bandas. Somente quando cheguei a Aparecida-SP é que começou a abrir-se esse leque. Leituras diárias e aulas pertinentes. Já na época interessaram-me as formas do soneto... Mas nunca me passou pela cabeça de que eu tinha esse poder divino – ser poeta. Somente gostava de lê-los e admirava sua arte de, em pequenos versículos dizer tanta coisa linda. Fazia, de vez em quando, uma quadrinha, mas sem pretensão de ser poeta ou coisa que o valha. Eu pensava aqui com os meus “pés no chão” que essas coisas eram somente para os “monstros sagrados” da arte, da literatura e da poesia, como, Augusto dos Anjos, Baudelaire, José de Alencar, Paulo Setúbal e outros em evidência na época.

Somente muitos anos depois, quando já casado, comecei a escrever letras de música. Achava engraçado, pois, sem saber sequer tocar um instrumento musical, fazia a letra e a linha melódica já saía junto. Fiz, então, MPB, boleros, tango, mas, foi escrevendo música sertaneja raiz que descobri que, falando da natureza, eu escrevia a pura poesia. Comecei a me dedicar a essa arte deliciosa, mas, ainda não sabendo (ou não querendo acreditar e aceitar) que eu era poeta. Somente um escrevinhador de textos. ... Mas fui evoluindo, escrevendo já umas crônicas, alguns contos. Depois passei para ensaios, apólogos e outros gêneros literários, até que cheguei ao que sou hoje – um zero à esquerda da arte. ... Mas não quero parar. A lei de Deus é evoluir, e estou me esforçando para tanto.

FB: – Vi em seus dados biográficos que o senhor é co-fundador da Associação Chapecoense de Escritores (ACHE); quem fundou essa associação juntamente com o senhor e qual o propósito dela?

AM: – Realmente, com minha participação, na fria noite de 17 de junho de 1986, fundamos a ACHE (Associação Chapecoense de Escritores). Em sucessivas reuniões, tendo à frente o professor, Doutor e Mestre em letras e literatura brasileira, Pedro Albeirice da Rocha, hoje reitor de uma Universidade no Estado do Tocantins, após árduas discussões, foi, naquele dia, assinada a ata de fundação pelos fundadores presentes. Qual teria sido a intenção desses abnegados escritores chapecoenses, além de congregar a classe em um só lugar e ritmo de trabalho? Parafraseando os mineiros, uai, foi o desejo de expandir a cultura nesse município ainda jovem que, abrindo um leque, abrangeu as artes como um todo (artes plásticas, teatro, cinema, artesanato etc.) que, tendo por carro-chefe a literatura, foi se expandindo e sendo lapidado.

FB: – O senhor tem também uma forte relação com a música, o que veio primeiro em sua vida a música ou a poesia?

AM: Já respondi no segundo item – foi à música, pois ela (a letra) evidenciou-me que era poesia que eu criava no lugar da letra, que saíam já musicadas. Vou postar no Recanto a letra da música, já gravada, que homenageia a despedida das quedas do Rio Iguaçu e que foi, em muito, a responsável pelo convite que recebi do Dr. Pedro Abeirice.

Pois é, seu Fábio, enquanto a gente é visto como sendo bom em algumas coisas, isso só nos acarreta sempre mais e maior responsabilidade. E quem não gosta de ouvir essa opinião! Em última análise, é a valorização do trabalho de quem se esforça por sê-lo. Foi assim que os homens da cultura do município onde fui escrivão – Victor Graeff – incluíram-me ex-ofício – eu morava em Chapecó – no rol dos concorrentes inscritos (seis, comigo sete), do Estado do Rio Grande do Sul, quando publicado o edital de concurso. Bem, instado, fiz o hino e quando saiu o resultado deu Afonso na cabeça. Rendeu-me esse Hino Oficial do Município de Victor Graeff, além de honrarias, medalhas, troféus e diplomas, um pouco de dinheiro e a gravação de um CD exclusivo, com sete músicas do meu MPB, mais o hino oficial do município. Tenho mais de 200 músicas minhas, dentre elas doze faixas da Música sertaneja raiz gravadas, distribuídas em CDs e discos long-plai de vinil. Hoje, com muitas novas atividades, só de quando em vez componho uma.

FB: – Pelo que contei em seus dados biográficos, o senhor já tem pelo menos onze livros já editados. Com qual desses livros o senhor se identifica mais e qual deles tem mais de sua pessoa?

AM: – Senhor Fábio, tudo o que escrevo identifica-se com meu caráter, tanto poesia como prosa... Até quando, muito esparsamente, escrevo um erótico. Kkkkk. Então, além de “Alcoolismo – Ataque e Defesa”, que é a biografia do meu próprio alcoolismo, portanto, abre as porteiras do meu ser, agora em 2ª edição, todos os outros identificam a minha personalidade: meus livros são o livro aberto da minha vida – um compromisso com a verdade de quem nada tem a esconder.

Editados tenho somente dez (10) livros, mas, tenho outros quatro (4) que estão prontos para o prelo, mas falta dinheiro para editá-los.

Como eu disse, todos se identificam comigo, com meu modo de ser e com minha filosofia de vida. Acho que, quem fala muito de mim é o “Os Caminhos de um Cão”. Esta história é um apólogo, quase real, posto que esse cachorro realmente existiu... E não era meu, mas todo o dia vinha me dizer “bom dia”, sorrindo com o rabo. É um cão filósofo que age nas ruas, com justiça e com sabedoria, como eu próprio me comporto. Tem coisas que a gente gostaria de trepar num cepo no meio da rua e gritar para todo mundo ouvir. É isso que faço meu personagem canino fazer.

Outro livro, A FAVELA ENCANTADA, diz exatamente o que estava engasgado em minha garganta desde o meu conhecimento de mim como homem pensante, a questão da terra, que todos precisam, mas só a poucos cabe o direito do livre e pleno acesso. É um romance de 346 páginas que, em seu bojo trazem muitas lições de vida, no tocante às questões da terra, quanto ao respeito aos povos indígenas. Mistura assuntos de questões políticas e sociais, enquanto amores e desamores levedam nos corações dos seus personagens e a justiça faz sua parte justamente. Foi laureado com o diploma de melhor romance editado em 2008, em Santa Catarina, pela Academia Catarinense de Letras (ACL).

FB: – tem algum projeto literário em andamento?

AM: – Sim, vários. Como falei, estou no finalzinho do romance em dois tomos, A PONTE DO PRECIPÍCIO, tendo, ainda, amarelando nas gavetas, mais dois outros livros – “A Culpa foi do Adão”, ensaio espiritualista, e “O Leão Dourado”, infantil. Mas não tenho pressa em editá-los, posto que a prioridade de um aposentado seja continuar vivendo. Quando sobrar, da manutenção da minha saúde e da casa onde vivi estes últimos 41 anos, algum “dinho”, vai chegar a vez deles ir para as prateleiras das livrarias. É muito interessante, mas não prioridade a materialização das letras amontoadas nas gavetas do computador em livros físicos ou eletrônicos, pois, sendo do interior, têm-se mais gastos que lucros com as edições, mesmo porque, mesmo sendo a literatura a primeira de todas as artes, a máfia do “quem dá mais” já se apossou das edições.

Meu projeto prioritário, que já está ganhando dimensões, é participar do 26° SALÃO INTERNACIONAL DO LIVRO E DA IMPRENSA, que será realizado em GENEBRA, na Suíça, de 25 a 29 de abril deste ano. Como já anunciei em matéria postada no Recanto, a obra que escolhi para me representar e, por tabela, a literatura brasileira, é o romance laureado A FAVELA ENCANTADA. A partir de janeiro deste ano, também, a livraria VARAL DO BRASIL, uma empresa suíça, com sede em Genebra, de propriedade de empresários brasileiros, que venderá cinco (5) dos meus livros, sendo A Favela Encantada, Guerra, Paixão e Morte, Grimpas do Sul, Os Caminhos de um Cão e o infantil Fábulas de Ligório.

FB - Quais as suas preferências na música e na literatura?

AM – Na música, sendo compositor, aceito todos os sons que contenham harmonia, musicalidade, linha melódica aceitável... Mas, primo por aquelas canções que, contendo esses atributos e sendo suaves, de preferência lentas, cuja letra contenha poesia e, sendo somente melodia, seja ela clássica. Por isso tenho o desejo de trazer de volta aos palcos à música sertaneja raiz. Tenho muitas compostas e todas elas são de poesia bucólica mais pura.

Quanto à literatura, todas as facetas e modalidades da literatura brasileira merecem meu respeito, como também, todos os autores contemporâneos e antigos (clássicos). É lógico que os antigos clássicos têm seu valor especial, tipo Machado de Assis, José de Alencar e outros. Entre os autores estrangeiros destaco Dostoiévski. Um dos livros que me chamou muito a atenção é a biografia de Sylvia Plath, excelente poetisa, escrita pela escritora inglesa Anne Stevenson, no seu livro Amarga Fama.

FB: – Tem alguma poesia ou alguma música que o marcaram mais?

AM: – Tenho sim. É uma canção que é toda poesia – sua letra e sua melodia... Tanto que me massageia carinhosamente o coração cada vez que a ouço. É a canção VIAGEM, de autoria desconhecida para mim, cantada por Marisa Gata Mansa, cujo long-play esteve em grande evidência na década de 50. Ela me marcou tanto por sua natural beleza e suavidade, e, talvez, pela maneira peculiar como entrou na minha vida. Em 17/04/2003 fiz o lançamento de mais um título, “Os Caminhos de um Cão”. Contratei para isso uma empresa de Publicidade e Eventos Artísticos. As surpresas foram se acumulando no decorrer do lançamento e uma delas foi o fundo musical... VIAGEM... E adotei essa música, para quando quero relaxar, coloco o CD no computador.

FB: – Como soube do Recanto das Letras?

AM: – Um amigo, conterrâneo e colega de letras, enquanto tomávamos um café – no Café Brasiliano – refúgio do poetas da cidade par quando temos alguma conversa para jogar fora – eu vou uma vez por semana das onze ao meio-dia – falou-me da maravilha que é a confraternização dos homens e mulheres que lutam com as espadas feitas da mesma arte. Cadastrei-me e, desde setembro de 2009 estou encantando-me com as delícias que aqui encontro.

FB: – Em sua opinião o que falta ainda para se investir em cultura neste país?

AM: – A valorização das lentes de todas as salas de aula, desde as creches até o doutorado. E, entre muitas outras ações dos sucessivos governos, o incentivo à leitura de livros físicos aos estudantes desde o primeiro até o último ano escolar. Pois, somente lendo (e não copiando da internet), que eles, os jovens aprendem a pensar e a guardar o que estudam, melhorando a redação, tendo maior facilidade de fixar nos seus conhecimentos, as matérias estudadas, para compará-las e juntá-las aos ensinamentos e experiências que o livro do mundo ensina.

FB: – Tem alguma mensagem que gostaria de deixar aos meus leitores do “Recanto das Letras”?

AM – Presume-se que todos os colegas do Recanto sejam pessoas altamente conceituadas e cientes de que, depois que resolvemos tornar público, materializando aquilo que escrevem, expõe-se enquanto indivíduos. Presume-se, também, sermos, todos nós, portadores de uma experiência de vida suficientemente forte para que, escrevendo, não deixemos escapar nenhuma oportunidade, por ingênua que pareça, de deixar ensinamentos para quem os quiser usar, nos lendo.

Lembrem-se sempre os colegas que, daqui a cem (100) anos... E ainda mais adiante, o que escrevemos hoje será referência para as futuras gerações, para pesquisas sobre o pensamento do nosso tempo. O pouco que consigo registrar há de servir de bússola dos pensamentos e tendências do nosso tempo, aos pensadores dos tempos futuros. A mensagem é, estado conscientes dessa verdade, sejamos criteriosos e verdadeiros em nossa literatura.

Querido amigo e cúmplice em letras, Fábio Brandão, sentem-me sumamente honrado em merecer sua atenção e a gentileza desta entrevista. Peço-lhe desculpas se não respondi a contento a todas as suas sábias e capciosas perguntas. Sou homem tímido e, o senhor bem o sabe, falar da pessoa da gente ou da própria obra é sumamente difícil e enredativo.

Por outro lado, agradeço a oportunidade, gentilmente cedida pelo senhor de falar, pois, já que nós escritores somos pessoas que a nós mesmos não mais nos pertencemos, porque nos tornamos públicos, os que nos lêem têm que ter ocasião de saber quem realmente somos, por isso, o meu agradecimento.

Fim

Música Preferida de Afonso Martini (Quem não conhece a melodia pesquise na internet que vale a pena, pois é linda)

Viagem

Marisa Gata Mansa

Oh! triteza me desculpe,

Estou de malas prontas,

Hoje, a poesia veio ao meu encontro

Já raiou o dia, vamos viajar...

Vamos indo de carona,

Na garupa leve, de um vento macio,

Que vem caminhando,

Desde muito longe,

Lá do fim do mar...

Vamos visitar a estrela,

Da manhã raiada,

Que pensei perdida,

Pela madrugada,

Mas que vai escondida,

Querendo brincar...

Senta nessa nuvem clara

Minha poesia, anda, se prepara

traz uma cantiga

Vamos espalhando música no ar

Olha quantas aves brancas,

Minha poesia, dançam nossa valsa,

Pelo céu, que o dia,

Fez todo bordado de raios de sol...

Oh! poesia, me ajude,

Vou colher avencas, lírios, rosas, dálias,

Pelos campos verdes, que você batiza,

De jardins do céu...

Mas, pode ficar tranqüila,

Minha poesia, pois nós voltaremos,

Numa estrela guia, num clarão de lua,

Quando serenar...

Ou talvez, até quem sabe,

Nós só voltaremos, num cavalo baio,

No alazão da noite, cujo nome é raio,

Raio de luar...

Compositores:Paulo César Pinheiro/J.de Aquino

Fábio Brandão
Enviado por Fábio Brandão em 24/03/2012
Reeditado em 14/08/2012
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