Ponta Negra vive sob ameaças e cobrança de pedágio feitas pela "Família Mashkov"

Medo, desconfiança e sensação de insegurança compõem, agora com maior intensidade, o dia-a-dia de quem trabalha na avenida Erivan França, na orla de Ponta Negra, a praia mais famosa do Rio Grande do Norte, na zona Sul de Natal. Com a falha no policiamento, que não demonstra competência para evitar o tráfico de drogas e a prostituição na área, surgiu há menos de uma semana uma espécie de “milícia” que faz ameaças, cobra para garantir a segurança de estabelecimentos e determina até os lugares onde as prostitutas podem freqüentar.

No Rio de Janeiro e em São Paulo aconteceu da mesma forma: quando o Estado não assumiu o seu papel, a bandidagem chegou e dominou tudo, fazendo as vezes do poder público. Em Natal, os incidentes mais recentes passam por tiros em via pública e um e-mail ditando as regras dos supostos criminosos, que se identificam como membros da “Família Mashkov”. Coincidência ou não, Mashkov é o sobrenome do ator Vladimir, que interpretou Toylan, no filme “O Ladrão”, de 1997, que se passa por soldado para roubar.

O que pode parecer uma mera casualidade esconderia, segundo uma fonte deste jornal, a capacidade de um dos envolvidos na ameaça em articular idéias e planejar tudo, inclusive a ação dos disparos na avenida Erivan França, por volta das 3 horas do sábado passado, bem abaixo das câmeras de vídeo da Polícia Militar, que nada teriam registrado. “Foi tudo muito bem arquitetado. Eram quatro homens fortes, armados de pistolas, em um carro verde. Eles meteram bala no meio da rua, nas fachadas dos estabelecimentos comerciais e foram embora. Restaram o medo e o pânico aos turistas e empresários. Eles foram embora tranqüilamente”, diz a fonte.

A “lei do silêncio” cala das vítimas de “Dimitri Mashkov”, pseudônimo de quem mandou e-mail para vários empresários de Ponta Negra com as regras que deseja ver seguidas. Dmitri - com D mudo - é o prenome de Meskhiev, autor de “Os Nossos”, filme que narra a aventura de três foragidos de um campo de concentração que encontram refúgio em uma aldeia ocupada por nazistas. Mais uma vez, surgem numa trama cinematográfica, que parece ter inspirado o tom ameaçador do tal “Dimitri Mashkov”, personagens ligados à polícia, sendo um deles um franco-atirador.

Pelo visto, quem escreveu o e-mail aos empresários que atuam em Ponta Negra é um apaixonado pelo cinema, em particular pelas narrativas russas repletas de figuras ligadas estreitamente às armas e forças policiais. No 26º Festival Internacional de Cinema de Moscou, em 2004, "O Pai", de Vladimir Mashkov e "Os Nossos" de Dmitri Meskhiev foram alguns dos destaques. Fica fácil descobrir de onde veio a idéia, nada original, para formar o nome de quem remeteu o texto via internet.

A reportagem do JH PRIMEIRA EDIÇÃO chegou à avenida Erivan França às 16h36 de ontem. Tudo estava dentro da rotina: peladeiros se divertiam na areia da praia, prostitutas faziam pontos com roupas minúsculas nos bares e calçadas, taxistas aguardavam clientes e o policiamento ostensivo estava resumido, apesar do clima de terror na região, a quatro policiais militares, sendo que dois deles estavam apenas de passagem, pois ficaram responsáveis pelo patrulhamento da ciclovia. “A viatura foi atender uma ocorrência aqui perto”, justificou um PM. Somente às 17h27 a viatura 131, da Companhia de Turismo, deu o ar da graça. Os policiais desceram e conversaram com dois comerciantes que haviam pedido ajuda porque, segundo eles, foram fotografados por um desconhecido, que havia fugido em um Corsa branco, após perceber que estava sendo observado. Os PMs disseram ter abordado o carro e que nada encontraram que justificasse a prisão do homem. Por mais que o policial tentasse convencer o homem e a mulher que haviam acionado a PM, os dois continuavam apreensivos e garantiam terem sido fotografados pelo motorista. “Aqui, tá todo mundo assim, com medo, inseguro. Todo mundo que trabalha aqui sabe quem são as prostitutas, quem vende drogas, onde vendem drogas, mas a polícia parece não saber de nada”, desabafa um artesão que teve seu carro atingido por três tiros na madrugada do sábado passado.

MADRUGADA DE MEDO

Eram, segundo comerciantes de Ponta Negra, exatamente 3h11 da madrugada do sábado, quando um automóvel verde (o modelo e a placa, estranhamente, ninguém sabe dizer) parou em pelo menos dois pontos da avenida Erivan França. Dele, quatro homens desceram, atiraram para o alto, nas fachadas dos prédios, nos carros que estavam estacionados e foram embora, como se, literalmente, fossem os “donos do pedaço”. Não apareceu ninguém para tentar impedi-los. Se ontem à tarde, depois de tudo que aconteceu, apenas quatro PMs faziam a segurança, era querer muito que a polícia chegasse rapidamente e prendesse os membros da, agora, temida “Família Mashkov” naquele momento. Na madrugada do dia 6 passado, tiros também foram disparados na orla de Ponta Negra.

AMEAÇAS

Pelo endereço eletrônico f_mashkov@hotmail.com, empresários foram ameaçados e avisados que, a partir de agora, devem seguir todas as instruções dos bandidos. Trecho do texto diz o seguinte: “A Família Mashkov assume responsabilidade pelos atos ocorridos na madrugada do dia 06/06/2007, com a minúscula destruição de algumas lojas localizadas à beira-mar de Ponta Negra. Demonstrando o que poderá acontecer com quem tentar nos desafiar ou não atender nossas exigências. Venho através desta informar que a partir do dia 10/06/2007, será cobrada uma taxa especial mensal para que seus empreendimentos e negócios continuem funcionando em segurança. Essa taxa é obrigatória e não negociável, o comércio que não efetuar o devido pagamento na data estabelecida acima, sofrerá conseqüências graves. Desde incêndios à eliminação dos proprietários. A cooperação com os órgãos de segurança pública não será tolerada, resultará em eliminação imediata dos envolvidos. Caso o patrulhamento seja reforçado nos bairros de Ponta Negra, Alagamar e Vila de Ponta Negra, haverá retaliação, desde saqueamento até o extermínio de oficiais e investigadores. Todos os confrontos diretos ou indiretos com as forças da polícia será cobrado dos empresários, sendo necessário aumentar consideravelmente a taxa de segurança. Cada integrante preso, morto ou processado resultará em uma punição financeira entre R$ 10.000,00 à 100.000,00 que será dividido igualmente entre todos os pontos sobre nosso controle, além dos envolvidos executados. Cada tiroteio será cobrado entre R$ 2.000,00 à R$ 80.000,00. Será cobrado um valor adicional da empresa que não efetuar o pagamento no dia certo, devido a despesas que terei para dar um pequeno recado”.

Quem redigiu e enviou o e-mail tenta até intimidar os veículos de comunicação, “determinando” que “todas as notícias em relação a organização ou suas ações serão permitidas. Porém, ficará restrita a divulgação de nomes e imagens dos integrantes do grupo, mesmo se chegarem a ser condenados”.

As empresas são caracterizadas por três níveis, que têm os valores cobrados pela “Família Mashkov” que variam entre 300, 500 e 700 reais por mês. Logo acima da “assinatura” de Dimitri Mashkov, o alerta: “Aconselho que não levem este comunicado como piada ou algum tipo de brincadeira, pois garanto não ser, para evitar qualquer ato de desastre não me testem. Se todos pagarem corretamente sua cota, os bairros sobre minha jurisdição serão melhores e poderemos todos viver sem medo, se tiver que chegar a ponto de aplicar ações destrutivas, pessoas irão morrer e inclusive o turismo que é a principal fonte de sustento de Natal será afetado violentamente. Não vamos transformar este paraíso tropical igual ao Rio de Janeiro, porém, isto depende apenas de vocês”. Entre as empresas ameaçadas estão hotéis, pousadas, restaurantes, farmácias, mercadinhos e casa de câmbio.

Tráfico de drogas e prostituição estão proibidos na orla

O comandante do policiamento da capital, tenente-coronel PM Ricardo Luiz de Albuquerque, não atendeu as quatro ligações feitas ao celular funcional que tem a sua disposição, no começo da noite de ontem, para falar sobre o caso. Entretanto, um oficial da Polícia Militar e um delegado de Polícia Civil concordaram em fazer alguns comentários, na condição que seus nomes não fossem divulgados.

O delegado explicou que, a partir do conteúdo do e-mail ameaçador, verifica-se que seu autor é uma pessoa que tem um “bom texto, articulada e sabe o que diz”. O oficial foi mais adiante, dizendo que o serviço de inteligência da corporação está empenhado para descobrir os ocupantes do carro verde que atiraram em via pública. Não está descartada a participação de policiais no quarteto.

A hipótese para se levantar a suspeita de envolvimento de agentes públicos é explicada pelo delegado: “Tem muito policial que ganha dinheiro fazendo segurança particular para empresas. Eles devem estar querendo ampliar os negócios. A gente também estranha o fato deles terem atirado bem abaixo das câmeras de filmagem da PM. Foi como se soubesse que não funcionavam, ou então quiseram mesmo desmoralizar todo mundo”.

Em outra parte do e-mail enviado por “Dimitri”, lê-se: “Após o dia 10/06/2007, estará proibido o tráfico de drogas, assaltos, furtos, assassinatos, prostituição, ambulantes em geral e menores perambulando pela orla da Praia de Ponta Negra. As garotas de programa ficarão restritas a freqüentar somente o Aquamarina, Complexo La Cucaracha, Azzucar e Batucada Brasil, salvo quando já acompanhadas por clientes a hospedagem do mesmo. O tráfico de drogas será estabelecido na Vila de Ponta Negra. O descumprimento desta ordem levará ao extermínio em público.

Todo mês será definido aleatoriamente um estabelecimento, o pagamento deverá ser entregue individualmente ao proprietário ou gerente deste, em um envelope padrão de correspondência, lacrado e totalmente em branco, dentro deverá conter somente o dinheiro em notas baixas e não marcadas, ou numeração correspondente e o nome da empresa que está realizando o depósito. O responsável pela primeira remessa será o senhor Osvaldo, proprietário do restaurante Sobre Ondas.

O responsável pelo recolhimento deverá entregar o valor para um representante da organização, receberá instruções mais detalhadas logo que eu julge necessário, sem poder compartilhá-las com ninguém. Caso o representante seja monitorado ou detido no momento da transação ou abordado enquanto trafega, o empresário será responsabilizado e assinará a sentença de morte de sua família”.

De acordo com fonte do JH PRIMEIRA EDIÇÃO, um italiano dono de uma pousada, além do e-mail, recebeu ameaças por mensagem no seu celular. Ontem, ele teria ido comunicar o fato, oficialmente, à Delegacia Geral de Polícia (Degepol), na Cidade da Esperança.

Enquanto ainda não existe a certeza de onde partiu o e-mail com as ameaças e regras da “Família Mashkov”, a polícia prefere não descartar nenhuma hipótese, como disse no começo da tarde de ontem, à InterTVCabugi, o delegado do 15º Distrito Policial, que fica na Vila de Ponta Negra, Luiz Lucena, garantindo que o policiamento na região havia sido reforçado. Ele chegou a dizer que não acreditava que o episódio significasse que a insegurança em Natal chegasse ao índice da enfrentada no Rio de Janeiro, mas teve o cuidado de reforçar que tudo seria investigado.

A reportagem ainda falou ontem, por telefone, três vezes, com o empresário italiano que recebeu as ameaças pelo celular, mas ele não estava na pousada, onde disse que chegaria até às 17h45, mas não o fez. (JRC)

João Ricardo Correia
Enviado por João Ricardo Correia em 12/06/2007
Código do texto: T524100
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