CRISTAIS DO TEMPO: história da fotografia no interior do Estado de São Paulo, da última década do século XIX à primeira metade do século XX - CAPÍTULO V

CRISTAIS DO TEMPO: história da fotografia no interior do Estado de São Paulo, da última década do século XIX à primeira metade do século XX – CAPÍTULO V

(Obra em andamento)

... de grão em grão experimento o passado. Bandeirante povoador no reino do Imperador D.João. 24 de junho: São João!

Onde estão meus heróis?

Onde estão vocês?

Onde?!

Fala-me, Musa!

Do amor,

de onde te encontres!

Como tantos outros, vi tantas cidades...

“Espero o sabiá

Que venha despedir-se em voz saudosa

D´essa tarde formosa,

No verde ramo da cheirosa ingá.

Todo o meu ser n´esta hora se extasia

Mergulhado, tristonho, em scisma funda!

E, cheio de ternura,

Vejo a obra de Deus que me circunda.

Contemplo o encanto ridente da Flóra

N´este céo de suavissima poesia,

Onde passa de rosa a nuvem pura.

Minh´alma se enamora

Até da flor singela das campinas

Que o encanto resume

No célico perfume

Derramado nas auras vespertinas.

E mais longe a jurity suspira...

Bem vejo: um flebil rogo

De viuva na dor, que o companheiro

Carpe, e o filhinho que se foi primeiro

Na solitaria e triste sucupira

Lavrada de fogo.”

(CHROMOS – B. Lopes)

D. Bárbara Elias (D.Borbora)*:

A minha vida dá um livro, você tem que escrever um livro!

Nasci no dia 22 de julho de 1907. Nasci em Beirute, no Líbano.

Meu nome é Bárbara Elias.

Então o meu pai veio pro Brasil, e deixou minha mãe grávida de mim. E ele veio pro Brasil, que já tinha o meu tio aqui, o Domingo Elias, que morava já aqui... e trouxe o meu pai; morava aqui, em Mococa.

Meu pai então veio pra Mococa e deixou minha mãe comigo. Eu tinha uma irmã mais velha do que eu; e ele veio pro Brasil, e nos deixou lá. Depois de cinco anos, ele mandou buscar a gente, lá. A minha irmã... a minha avó começou ‘a por medo’ na minha irmã, não deixou ela vir. Porque ela falou que, segurando a minha irmã lá, o meu pai voltava logo pro Líbano. Mas não adiantou nada. Aí, vim com meu pai. Eu estava com cinco anos, quando eu vim pra morar com o meu pai e com a minha mãe.

Meu pai tinha loja, venda de cereais. Meu tio tinha loja, tinha loja, loja de fazendas, de tecidos. A do tio, eu não me lembro... Domingo Elias... é muito, muito antigo. Domingo Elias... tecidos, aqui em Mococa. Meu pai tinha venda de... armazém... que ele tinha no começo... quando o meu pai veio pro Brasil, ele tinha loja. Depois, meu tio abriu uma casa de chope, lá embaixo, porque ‘era ponto’... “Confeitaria Ponto”. Ponto, assim é que chamava. É muito antiga, foi muito freqüentada. O Malim [ Zamarian] deve lembrar, não é Malim?

Então, um dia, é...

Em frente à Prefeitura, ‘subindo as Pernambucanas’, na esquina, onde tem uma casa velha, de roupa de criança; ali era um salão enorme, tinha... Eu acho que a minha filha, Lina, deve ter o retrato lá do ponto, ela deve ter o retrato do meu tio. E tinham cereais, vendiam cereais. Depois...

Quando nós chegamos pra cá, eu lembro que eu era muito criança, eu não lembro...?! Depois de uns tempos, meu pai mudou pra Conquista [MG]. Ficamos lá uns cinco anos, acho, mais ou menos. Ali ele morreu, ele foi cobrar os fregueses lá, ‘umas coisas’, pra receber o dinheiro, pra ir pro Líbano, que essa minha irmã escreveu pra ele, que ela estava sozinha, que morreu meu avô e minha avó e ela ficou sozinha. Ela estava com 14 anos, mais ou menos, 13 anos... ?! Nagiba, ela ainda é viva. Ela está com 90, ou quase 94 anos?! Agora ela está morando na Austrália. Ela mudou pra Austrália, os filhos dela está tudo morando lá. Então, ela foi pra lá...

Aí meu pai morreu, e nós viemos todos pra cá. Viemos pra cá. Meu tio, Domingo Elias, foi lá e me trouxe logo pra cá. Minha mãe, com sete filhos, pra Mococa, pra Mococa...

Meu pai... ele morreu lá, naquele Rio Grande. ‘Morreu novo’, não tinha nem, não tinha ... quantos anos tinha o papai quando morreu?! morreu afogado. Então, minha irmã falou pro meu pai que fosse buscar ela; fosse buscá-la, bom, não repara ‘o meu português’, não, viu?

E depois ela então queria... naquela época, os comerciantes vendiam pro colono, pra pagar no pagamento geral. Pagamento geral... a gente vendia até o ano inteiro. Chegava na colheita é que colhiam e pagavam o negociante. E meu pai, então, foi receber esses... do pessoal, que devia pra ele, e atravessou o rio; foi numa véspera de São João. E ele se chamava João! E quando ele foi lá e atravessou o rio, já era mais tarde, ele foi numa noite, num dia que ventou muito, acho que no Brasil inteiro, ventania medonha! Disseram que o mar, o rio ‘faziam assim’, a água!! Foi em mil novecentos e quanto?! O papai morreu em 1921. É, em 1921.

Aí ele quis vir, não quis ficar lá, falou que a mamãe ia ficar preocupada e não quis ficar lá. Tinha um canoeiro que falou:

“_ Não, João, eu não vou atravessar, você não vai atravessar, o rio tá muito cheio, bravo!”

Um outro falou:

“_ Eu levo você, eu vou atravessar com você.”

Atravessou e afundaram os dois. O papai e o barqueiro morreram; e nós lá na cidade, esperando o papai chegar, e nunca, não chegava. E todo dia de São João ele soltava balão, descarregava o revólver pra festejar o São João, que era dia dele, o dia de São João. E nós fazíamos fogueira lá e tudo, esperando o papai chegar, e não chegava, esperando ele chegar, e não chegava. Ia acender a fogueira, não acendia a fogueira, não pegava o fogo. Aí chegou a notícia que ele tinha morrido e foi aquela tristeza.

... aí meu tio trouxe nós pra Mococa. Aí eu fiquei morando com o meu tio.

Eu era a mais velha, era eu... estava com 12 anos,

Então eu fiquei morando ali. O meu tio morava naquela casa, ali [perto da Caixa D’Água]. É uma casa antiga. Hoje tá tudo diferente, mudou tudo! Então, eu morei com o meu tio. Mas sabe como é que é, meus primos eram ricos, eles estavam bem, tinham de tudo, e eu era pobre, ficava dependendo deles. Meu pai tinha armazém. Com o tempo sumiu tudo, depois que ele morreu, não sei que fim levou. Ficamos sem nada. Aí vim morar com meu tio. Depois, meu tio achou que eu não estava bem ali com ele. Ele mandou eu morar com o meu primo, que já era casado; meu primo, Alípio Elias. Alípio Elias: “_ Cê lembra, Malim, do Alípio?”. Morei com Alípio. Ele tinha uma loja muito grande, lá embaixo. Loja de tecidos, era a maior aqui de Mococa. Era ali onde é a “Casa de Calçados”, em frente à “Fidalga”, ali que era a loja do Alípio.

Aí, depois, surgiu o meu casamento. Meu marido... eu já estava com 15, 16 anos, os meus 16 e pouco... apareceu um casamento. Meu marido falou: “_ Se você for separar a casa, ela mora com você...”

‘Separamos’ a casa. Aí fomos morando, moramos ali... onde é?! Deixa eu ver onde que foi... ali, onde é a “Casa de Calçados”, ali, do “JF”, em frente, ali no “JF”. Casamos, moramos ali. Eu não tinha nada e ele também não tinha nada. Casamos, sem ambos ter nada, nem um nem outro. Meu marido ‘mascateava’ na roça. Aí meu primo falou:

“_ Se você quiser, eu vou te mandar uns fardos de tecido e você vai vender, você me paga...”

Naquele tempo, vendiam fiado pra gente, não faziam tanta questão como hoje; aí, depois, ele falou:

“_ Ô, é bom o senhor abrir uma loja, então abre...”

Ele ia mascatear e eu ficava na loja. Meu marido carregou baú nas costas muito tempo, coitado! Depois comprou um burrinho, depois foi indo e comprou uma charretinha. Aí que ele parou de mascatear, ficava na loja, na loja. Abriu a loja ali, onde é a “Relojoaria do Borges”, na rua Visconde do Rio Branco, perto da Maçonaria, encostada à Maçonaria, ali: Visconde do Rio Branco, Visconde do Rio Branco... Na época, era “Loja Paulista”, depois, quando tinha outra “Loja Paulista”, lá do Salim, do pai dele, saindo da “Loja São Jorge”...

Aí mudamos de lá, mudamos pra diversas casas, é! Moramos ali, na casa de um tio... depois compramos aquela casa onde eu tô morando. Agora compramos e mudamos pra lá, e ficamos...

A loja foi progredindo, foi aumentando, aumentando... Era uma loja grande, tinha de tudo! A loja era grande; tinha calçado, tinha chapéu, tinha roupa feita, tinha roupas de cama, tinha de tudo: linhos, linhas... tinha, de tudo! Eu tinha uma freguesia que era uma beleza! Eu e meu marido; aí ele me ajudava também, mas o povo me conheceu mais, porque era eu que ficava na loja. Enquanto ele ‘mascateava’, eu estava na “Loja da Borbora”. Logo que chegava, ia na loja da Borbora, Borbora... Ninguém me conhece aqui em Mococa se você fala Bárbara, aí ninguém me conhece, ninguém sabe quem é, não! Tem que falar Borbora. Aí foi indo a vida, lutando com a vida. Depois, houve um transtorno na gente... na vida da gente. Ah! Antes de mudar pra lá, pra aquela casa, nos mudamos pra cidade de Tapiratiba. Eu estava com quatro filhos, dois filhos homens e duas mulheres. Porque não estava bom o negócio aqui pro meu marido, e ele mudou para Tapiratiba, porque disseram que lá estava bom. Mudamos pra lá. Chegamos lá... Um dia, eu estava com uma filha de 9 anos, outra com 7 anos, outro com 5 anos e outro com 3. Quatro filhos! E chegando lá, no outro dia, minha filha mais velha ficou doente, ficou com febre, febre! Naquela época, estava dando epidemia de tifo, aqui na cidade, em todo lugar. Foi mil novecentos...?! E agora? Agora que ‘é o negócio’! Eu não me lembro bem da data, eu sei que faz... quantos anos a Nila têm? 55 anos! Faz, faz 56 anos!! Aí, nesse meio tempo, a minha outra menina ficou doente, a outra, com 7 anos, a Odete. E tinha a Mirna Juvelina, com 9 anos. E a Odete com 7 anos, o João com 5 e o Anízio com 2. Então, ela, a mais nova, a Odete, ficou doente lá, e me morre lá! Perdi a menina! Em doze dias me morre a outra com 9 anos!

Eu trouxe a outra pra Mococa, mas não teve jeito. O médico ‘pelejou’... mas não teve jeito, morreu. Eu fiquei com os dois meninos, as duas meninas morreram. Naquele ano, que morreu a menina, nasceu a Nila, e eu coloquei o mesmo nome: Nila, mas como eu não tive coragem de chamá-la de Nila, então eu a chamo de Nenê.

Depois eu tive a Odete, depois eu tive a Neja, eu tive o Nejo. Depois eu tive o Anízio, depois eu tive o Fuéde, depois a Odetinha ... eu tive nove filhos! Nove filhos... trabalhando no balcão. Lutei no balcão, fazendo escrita, fazendo de tudo, era eu que fazia tudo! Meu marido não sabia ler e escrever no idioma português. Ele não escrevia, era eu que ‘tomava conta da loja’.

Eu fiz segundo ano de Grupo. Estive aqui no “Grupo Escolar Barão de Monte Santo”, quando pequena... depois fui pra Conquista [MG], porque, nesse tempo, o meu pai não deixava ir à escola. Ele dizia que mulher não precisava aprender a ler e a escrever, não! Só o homem é que precisa aprender, é! Uai! Não deixava. Eu ia ‘escondido’ pra escola. Fiz segundo ano de Grupo... acho que até o primeiro ano. Só depois nós mudamos, fiz um pouco lá, e não fui mais.

Nossa, mas olha! Acho que tinha... acho que toda a Mococa, se não me engano, dos ‘antigos’, que não comprava um pedacinho de pano lá em casa. E depois, naquela época, que a gente tinha loja, os fregueses da gente não era freguês, era amigo da gente. A gente tem amizade até hoje com os ‘antigos’. Aí, quando foi em 1960, perdi um filho, com 30 anos, o João Jorge; o Cupim, que jogava futebol, com 30 anos, teve um derrame cerebral. Aí foi tocando a vida, foi indo...

Ah! meus filhos jogavam bola! O João jogava futebol, o Anízio jogava; o Anízio jogava aqui, no “Cruzeiro” de Mococa; o Nejo jogava no “Brás” e o João na “Vila Mariana”; na “Vila Mariana”... jogou também... no fim. Então eu ia no jogo, ia assistir jogos, todo domingo eu ia assistir os jogos deles! Desde quando o meu irmão jogava, eu já ia lá. Meu irmão, Jamir, foi jogador do “Radium”! O Jamir... desde essa época eu já ia lá assistir jogo. Eu gostava muito de jogo. Naquele tempo, disputavam! Os bairros tinham... cada um tinha um time; dava aquela ‘brigaiada’, cada um torcia por uma coisa.

Aí fui indo... Depois, depois que o João morreu, o Cupim, que jogava futebol, eu já fui desanimando, não fui mais no campo, não. Depois, passados uns anos, perdi outro filho, com 50 anos, o Nejo! O Nejo era jogador do “Brás”, o goleiro do “Brás”! Depois eu te mostro a fotografia que eu tenho dele. Aí... o que eu estava falando?! Esqueci! Ah! Aí eu tive um outro filho, lá em São Paulo, que fez operação do coração, foi tudo bem a operação, depois complicou. Ele era diabético, morreu. Nejo Jorge era o goleiro do “Brás”; ele até ganhou, tinha uma estátua que ele ganhou, eu até mandei isso pra São Paulo, pros filhos dele, agora. Goleiro menos vazado, é! Ele era muito querido aqui. Aí, passado um ano e pouco, aí morreu o sobrinho, o filho do Nejo, num desastre; depois de 9 meses, depois que morreu o Nejo. Daí, um ano e sete meses, perdi o outro, Anízio. Era jogador, jogador do “Cruzeiro” de Mococa. Anízio Jorge, ele trabalhou na loja comigo. Depois que o Jorge morreu... Ele trabalhou na loja comigo. E foi essa vida, aquela luta...

Depois fechamos a loja. Ele se casou, quis ir pra São Paulo, aí fechamos a loja... faz, não me lembro muito bem?! Faz uns 20 anos, mais ou menos.

Temos 50 anos de balcão! Naquele endereço ali, a loja ficou muitos anos ali, trabalhava na loja o Jorge... Nós estivemos lá desde 1925?! 1926! Desde 26 que trabalhamos lá. É mais ou menos isso aí, é! porque o Jorge morreu em 1969. Durou mais 10 anos a loja, é isso mesmo!

A moda! Eu era uma balconista que se uma pessoa fosse lá e queria um pano xadrez, e eu não tinha xadrez, ela levava o listrado. ‘Convencia’, era... ‘convencia’! E eu trabalhei no balcão, mas era muito honesta, graças a Deus! Nunca aumentei um tostão na conta de ninguém. Medida certa, tudo certo, nunca logrei ninguém.

E foi melhorando a loja, foi aumentando a loja, foi tendo mais, mais, mais, mais coisas pra vender, diferentes, foi aumentando a loja... Ah! Usava muito linho, muito! mas o que vendia mais era algodão, mais era algodão. Depois, começou a aparecer esses tecidos, seda natural, tinha seda. Na época, tinha seda natural e algodão. Depois, foi em 1960 que começou a vir a moda do nylon, do... eu esqueci até os nomes da fazendas! tudo esses tecidos. Então, eu vendia muitas colchas piquê, do Tonhato; comprava deles, muito! Eu vendia muitas colchas deles, lá..

Isso foi, foi, foi vindo aos poucos; foi vindo... Depois do nylon, veio também aquela seda natural, o linho, a seda, mas o que mais usavam, o povo, era tricoline, era o pano que usava primeiro, o pano que usava primeiro, tricoline, é! tricoline. Usava, também, muito brim. Ah! No começo usava muito aquele colonial, que eu vendia muito pra colônia, pra fazer terno, pra bater arroz, aquele colonial, tecido, é! Eles compravam pra forrar o chão, pra bater os tecidos, porque usava muito “arranca-toco” pra vestir, pra homem, a calça era “arranca-toco”, aqueles brins, grossos... “arranca-toco”, o brim, o brim, é bem grosso, era bem o que agüentava pra trabalhar; que os roceiros usavam esse brim, “arranca-toco”...

Tinha freguesia da roça também, tinha muita gente da roça que pagava no fim do mês. E na cidade mesmo, a gente vendia pros fregueses. Naquela época, a gente vendia, por exemplo, a prazo; trinta dias. Não tinha, não era como hoje, marcado os dias, não! Eles compravam: “_ Olha, no fim do mês eu venho pagar”. Por exemplo, comprava 20 mil réis. Chegava no fim do mês: “ _ Olha, esse mês não deu pra pagar.” “_ Dez, fica dez pro outro mês! Que é que você vai comprar? Comprar mais do que você precisa? Pode levar tudo, o que quiser”. É, tudo marcado ali, na notinha, no livro... eu vendia pra costureira, meia, linha, retrós... As costureiras! nossa! tinha costureiras em Mococa! Tinha a Djanira, a Adelinha Scardazi, a Nilza Güerele, a Iolanda Puciarelli, a Liza Guebori, essa morreu, coitada! Como é que chamava? A Nida Pelegrini! Todas compravam ali, levava a caderneta, marcava. Tudo costureira... marcava, elas marcavam em... Julieta Comparato! Antonieta Bresiguelo também era costureira. Eu sei que essas costureiras... tudo compravam de mim. Tinha aquela na Mocoquinha, como ela se chamava? Esqueci até o nome dela!

Alfaiates também compravam, a gente vendia aviamentos de alfaiates, todos aviamentos para alfaiates tinha! Vinham até de Arceburgo [MG] e compravam. Tinha intertela de lã, retrós, linha... como é que chama aquele tecido pra forro?! Alpaca! Era o que mais vendia. Intertela de lã, tudo isso, era, sabe? Intertela de colarinho, pra camisa. Também vendia botões, tudo, essas coisas, tinha, filho de Deus.

Os nomes dos alfaiates?! Tinha um que era meu irmão. Tinha o Chafi, meu irmão, era alfaiate. O Chafi teve casa de alfaiataria. Era lá em frente d’A Fidalga, não lá, não! O posto de gasolina fica lá embaixo, na esquina. A “Fidalga” fica aqui, o posto aqui, a alfaiataria..., é desse lado aqui, do lado da calçada; desse lado de cá, era a alfaiataria. Tinha uma alfaiataria grande, “Brasília”... chamava a alfaiataria dele. Ah! tinha... mas não me lembro agora... Tinha o Safir, também meu irmão, que era alfaiate, mas ele trabalhava particular. O Nicola Paioni! Nossa Senhora, o Perroni! Uma alfaiataria grande a dele, uma alfaiataria grande. Então, ele comprava tudo de São Paulo; comprava tudo de São Paulo. Lucio Marquesini, tem Zé Vascaíni. Todos alfaiates, todos! Eles compravam na loja. Lucio Marquesini também! Isso mesmo! A gente esquece de todo o passado... Em Arceburgo [MG] tinha, também, um senhor lá, em Arceburgo. Tinha dois ou três alfaiates de Arceburgo que compravam aqui também.

Ah, eu recebia! Vinham até aqui pela Mogiana, os tecidos de São Paulo, que eu comprava, isso, vinha pela Mogiana! Eu pedia ao viajante, eu pedia, e o viajante vinha, eu fazia o pedido. Eles, lá em São Paulo, encaixotavam e ‘punham’ na Mogiana. Tinha muitas lojas, “Barros e Companhia”. Ah! vinham os tecidos, vinham em fardos! Tinha, nossa, tanta loja, meu Deus, é! “José Silva”, eu também comprava dele, quando eu vendia, é! Ah, nossa! “Michel Salim”, em São Paulo também. Domingo José... “Primo José”! Tinha, ah, meu Deus! Ah, eu sei que nós compramos de uma porção, não estou lembrada agora. Vinha tudo pela Mogiana. Ah! Compramos também de Santos, também vinha, “Hadad Companhia”, roupa de calças feitas, eu comprava muito de lá, calças de brim, tinha fábrica lá, e nós comprávamos. Vinha, vinha tudo encaixotado; em caixotes, vinha de tudo, em fardo, tudo em fardo. Vinha até a “Estação da Mogiana”. Nós já tínhamos o carroceiro, que já vinha, vinha da Estação. Então vinha... “_ Avisa que tal encomenda tá assim!” Vinha o papel, da Estação, avisando que tinha chegado mercadoria pra gente, pra loja. Então a gente mandava retirar; é, às vezes eu ia buscar também, é mesmo! Nossa, meu Deus! Compramos em tantas lojas de São Paulo, e eu não me lembro de nenhuma. Esqueci uma porção de nomes das lojas, meu Deus!

Conheci, conheci! fotógrafo! Era um bom fotógrafo, um bom fotógrafo, Nossa Senhora! Ele era... ele sabia mesmo, fotografava mesmo! Bonora! Acho que ele mudou daqui pra cima. Eu me lembro dele aqui, porque nós tiramos fotografia... aqui, na esquina da rua Visconde do Rio Branco. Ele tinha um estúdio fotográfico ao lado, onde hoje é uma drogaria. Ali perto do Mercado, era ali. Que eu me lembro ficava aqui. Acho que foi de 1912 a 1913. Ele deve ter mudado, sim, deve ter mudado pra lá, porque eu me lembro dele aqui. Acho que depois ele mudou, eu não tomei mais conhecimento...

E apareceu o Honório Ferreira [fotógrafo], lá perto de casa. Então, a gente não procurou mais o outro. Honório Ferreira, o pai da Rosa Maria, você entrevistou a filha dele, a Rosa Maria?!

Naquela época, nós não tirávamos fotografia como hoje, não! A gente, hoje... qualquer coisa ‘tem essa fotografia’. É só em ocasião especial que tirava fotografia, não se tirava foto com freqüência, a toda hora, não! Agora, a minha, a minha fotografia aí [ sobre a mesa dezenas de fotografias], essa aqui tiramos no Honório. Ah, eu me lembro dessa aqui! Aqui o... eu e a minha mãe, o meu irmão... aqui o Rafi, Nila, Julieta, o Nagib, o Chafi e o Jamil. É o Nagib, eu e o Jamil; Jamil, o Chafi, Rafi, Julieta, minha mãe, e essa a minha filha, essa que morreu, que eu falei pro senhor, que morreu com 9 anos. Juvenila, chamava de Nila... então, essa aqui tirou aqui... É isso aí, meu bem.

* Trata-se da primeira parte da ENTREVISTA concedida pela sra. Bárbara Elias, na data de 25 de novembro de 1999, na residência do sr. Tuta e esposa, sra. Julieta (irmã da sra. Bárbara Elias), na cidade de Mococa/SP.

BIBLIOGRAFIA

AMARAL, Aracy. Tarsila Cronista. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.

LOPES, B. Chromos. 2 ed. Rio de Janeiro: Fauchon & Editores, 1896.

Prof. Dr. Sílvio Medeiros

Campinas, é inverno de 2007.