Entrevista (3)

Entrevistador: Antonio Moura

Entrevistado: Anônimo* (autorizou publicação)

1. Em que medida o aspecto egocêntrico da doença, afeta sua vida e a das outras pessoas a seu redor?

- Hoje, com minha doença estacionária, relembro alguns dos ridículos pelos quais passei. Eu pensando que estava “abafando” quando, na verdade, estava sendo motivo de “sarro” dos outros. No outro dia quando voltava ao bar, ou encontrava as pessoas que estavam na festa, alguns sempre me perguntavam: Sarou? Daí eu falava: “Ué, eu não tava doente.” E as pessoas começavam a falar: você não se lembra do que falou para a mulher que tava na sua mesa? O cara que você queria brigar? Que ficou dançando, igual um macaco? Ficou dormindo aí na mesa? Eu queria era chamar a atenção de qualquer jeito, nem que fosse bancando o palhaço. E entender então?! Eu entendia de tudo. Química, física, português, matemática, computador então... e o pior, eles acreditavam. Um dia cheguei a pegar um computador dum cara prá arrumar. Não sabia nem sequer abrir o computador. Prá não ficar muito mal, mandei o técnico do escritório arrumar e cobrei do dono como se eu tivesse arrumado. Fiz isso várias vezes para os freqüentadores lá do bar.

Tudo isso, pode até parecer divertido, mas o fato é que eu ficava profundamente chateado, envergonhado, com raiva das pessoas porque achava que elas estavam inventando, exagerando, não me compreendiam. E conclusão?: começava a beber de novo para superar esses sentimentos.

As pessoas ao meu redor ficavam irritadas, falsamente indiferentes, com dó de mim, conselheiras, enfim, cada uma reagia de uma forma porém, negatividade é o que pairava no ar. Era um círculo vicioso, as pessoas ficavam afetadas, com isso me afetavam, elas ficavam agressivas, eu reagia com mais agressividade ainda, e ia beber de novo, mesmo que já estivesse bêbado.

2. Como a doença lhe afetou física, mental, espiritual e emocionalmente?

- Fisicamente, eu sentia dores nas pernas, tremores nas mãos, falta de apetite, sono irregular, fadiga e emagrecimento.

Mentalmente, eu tinha raciocínio confuso, pensava em mil coisas e não executava nenhuma, ria sozinho, chorava, alternava meu humor durante o dia, variando entre euforia e depressão. Minha mente era escrava do álcool e só nisso se fixavam meus pensamentos.

Espiritualmente, não tenho o que dizer. Apesar de já ter passado por uma internação, ter freqüentado grupos de Alcoólicos Anônimos, estar consciente da importância do Poder Superior, em minha vida de recuperação, abandonei-o por completo. Nem sequer pensava Nele que dirá então, literatura ou Igreja. É como se não existissem. Agora reconheço o quanto é importante na minha recuperação, trabalhar estes dois últimos aspectos diariamente.

Emocionalmente, por me encontrar com a mente obcecada e ocupada apenas com a bebida, sem um mínimo sequer de espiritualidade, não poderia sentir emoções alguma, por menores que fossem. Infelizmente, era assim.