Entrevista com Sören Kierkegaard

O pensador dinamarquês Sören Kierkegaard (1813 -1855) considerado o pai do 'Existencialismo' (aposto que rejeita esse título) concedeu-me uma entrevista exclusiva, sobre os principais temas de seu Do Desespero Humano.

O livro tem uma linguagem profunda e bem característica (Kierkegaard foi, segundo dizem, definido por Sartre como "um mistério em si mesmo"), é de difícil compreensão, portanto espero que a entrevista que se segue ajude a facilitar um pouco o entendimento do texto e desperte o interesse naqueles que ainda não o leram.

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Vidal – Porque a inquietação é tão importante para o espírito?

Kierkegaard – Ora, a inquietação é o verdadeiro comportamento para com a vida, para com a realidade pessoal que é o ousarmos ser nós próprios, ousar-se ser um indivíduo, não um qualquer, mas este que somos, sozinho frente a Deus, isolado na imensidade do seu esforço e da sua responsabilidade.

Vidal – Qual é o sentido da palavra Desespero usada no livro?

Kierkegaard – Trata-se de uma doença mortal cuja existência o homem, como homem, ignora.

Vidal – Mas em que sentido o desespero é uma doença pela qual se morre?

Kierkegaard – Não é nesse sentido que uso ‘mortal’, porque bem longe de dele se morrer, a sua tortura está em não se poder morrer. É uma enfermidade do espírito... eternamente morrer, morrer sem todavia morrer, morrer a morte e vivê-la eternamente.

Vidal – O que é espírito?

Kierkegaard – É o “eu”. O ‘eu’ é uma relação que não se estabelece com qualquer coisa alheia a si, mas apenas consigo mesma. Porém, não é a relação em si o “eu”, mas o seu voltar-se sobre si mesma depois de estabelecida por outrem (Deus).

Vidal – Hum... Acho que compreendi, daí surgem as três formas de desespero...

Kierkegaard – Exatamente. O desespero de não querermos ser nós mesmos; o desespero de querermos ser nós mesmos; e, é claro, o desespero inconsciente de ter um eu.

Vidal – No capitulo II você fala da universalidade do desespero. É mesmo provável tal universalidade?

Kierkegaard – Sim, da mesma forma como provavelmente não haja, segundo os médicos, ninguém completamente são, também se pode dizer que não há uma só pessoa isenta de desespero, que não tenha lá no fundo uma inquietação, uma perturbação, uma desarmonia, um receio de não se sabe o quê de desconhecido que ele nem ousa conhecer. E de qualquer maneira jamais alguém viveu e vive sem desespero a menos que tenha seu antídoto.

Vidal – Isso não seria exagero?

Kierkegaard – Não, esta opinião tenta fazer luz sobre o que é geralmente deixado na penumbra e longe de desanimar, exalta por considerar sempre o homem segundo a suprema exigência do seu destino: ser um espírito.

Vidal – E o antídoto?

Kierkegaard – É a fé! Fé no possível. E em Deus tudo é possível.

Vidal – Sobre a relação entre desespero e pecado...

Kierkegaard – (interrompendo) Pecamos quando, frente a Deus ou da idéia de Deus, desesperados, não queremos, ou queremos ser nós mesmos. Desse modo, pecado é condensação do desespero, é o desespero levado à suprema potência.

Vidal – Nesse caso a fé...

Kierkegaard – (novamente interrompendo) A definição de fé pela qual me guio em todo este escrito, como por uma segura bóia é: sendo nós mesmos e querendo sê-lo, mergulhar em Deus por intermédio da própria transparência.

Vidal – Sua definição de pecado é muito mais profunda do que a idéia comum de um ato moral falho.

Kierkegaard – Sim, o pecado não é o desregramento do corpo, mas o consentimento dado pelo espírito a esse desregramento – e estar frente a Deus.

Vidal – Segundo a visão de Sócrates (que você tanto admira) pecado é o contrário de virtude, você não parece concordar não é?

Kierkegaard – Exato. O contrário do pecado não é a virtude, mas a fé. “Tudo que não provém de fé é pecado.”

Vidal – Pra finalizar gostaria que me falasse sobre o porquê da definição do pecado implicar na possibilidade de escândalo.

Kierkegaard – Ora, porque o pecado está no: frente a Deus. Um homem natural reconheceria e sem dificuldades a existência do pecado, mas este “frente a Deus”, sem o qual no fundo o pecado não existe, para ele é demasiado. Sem dúvidas que o escândalo sem o escandalizado é um pouco menos impossível que um concerto de flauta sem flautista. O escândalo está ligado ao indivíduo. O evangelho diz-nos: Escandaliza-te com o absurdo ou crê. É tudo. “Agora tenho dito”.

Vidal – Muito obrigado. Inté!

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Ps: Todas as respostas de Kierkegaard foram retiradas do livro em questão.