Conto Nublar #002: ALÔ! TEM ALGUÉM AÍ?

Sentado, curtindo um momento mui peculiar que todos experimentam no dia-a-dia, esforço-me para concluir uma tarefa com sucesso. Minhas faces vermelhas por tanto esforço, suavam a cântaros naquela manhã de novembro de 1980, clima escaldante, apesar do começo das chuvas de verão. Enquanto absorto em pensamento que me fazia lembrar do acidente de trabalho, dos 4 meses de afastamento cobertos pela CAT – Carteira de Acidente de Trabalho do INSS (ou seria INAMPS, sei lá!) no ano anterior; agradecendo ao Senhor por não ter seqüelas até àquele momento.

De repente, olho `minha frente e o que vejo? Deparo-me com o meu filhinho de 1 ano e dois meses, olhando-me, tentando abaixar-se e fazendo força, imitando-me. A cena mais cômica que já vira. Desarmei-me e caí na real. Abracei-o, beijei-o e mandei-o procurar sua mãe. E dei por encerrado o expediente. Mas algo ficou-me a martelar minha razão:

_ “Puxa! Este menino quer me imitar em tudo! Até nessa situação”. Era para eu me rir daquilo, mas outro sentimento me veio à tona: _ “Preciso ser um modelo, um exemplo a seguir”.

Para minha surpresa, me sobreveio uma terrível angústia. Um vazio gélido percorreu minhas entranhas. “Toc-toc!” Bati em minha cachola. _ “Alô! Tem alguém aí”? _ Um medo tentou tomar conta de mim, pois, pela primeira vez olhei para dentro de mim e vi que ninguém se encontrava ali. Que estranho! Como poderia ser? “Olho para mim mesmo, procuro e encontro nada!” Devo estar brincando! Mas era a pura realidade. Meu Deus! O que faço? Não quero ser um ninguém. Que ser modelo que meu filho irá seguir?

Mas não me dei por vencido. Gritei: “Alto lá!” Tem que ter alguém aí, pois eu sou eu e tenho que estar aí dentro, em algum lugar. É só procurar com mais atenção e me acharei. Então meu eu gritou lá de dentro, um tanto acanhado: _ “Ei! Psiu! Sou eu!” _ Respondi timidamente. _ "Estou bem aqui. Não me vês”? _ Lá vai! Como podia ser aquilo? Eu bem ali, caladinho e nem mesmo eu estava me encontrando.

Então passei a conversar de mim para mim. Procurei entender porque eu estava ali esse tempo todo e nunca me havia me importado em saber quem eu era, quais eram os meus desejos, o que detestava, se eu tinha planos e porque não me manifestava nem lutava para que meus sonhos se tornassem realidade. Dizem que Freud explica, mas nem fui atrás disso, não. Antes que ele viesse falar daquelas pirações e me fizesse pensar que estivesse doido, eu mesmo procurei me entender. Lembrei-me daquelas entrevistas bobas, do tipo pingue-pongue das revistas de celebridades e resolvi eu mesmo me entrevistar. E investi:

Nome: - “João”, respondi-me.

Muito bem, João! Qual a sua idade? - “28”.

Estado civil: - “Casado”.

Filhos? - “Um. A minha cara!”

Cor preferida? Taí! Não havia pensado nisso, mas deveria ser importante. - “Azul”, respondi. Mas também admito que bege é também minha preferida.

Hobbies! - “Música, estudo, leitura, dança, sede de conhecimento” _ (este o mais preferido de todos).

Detesta! - “falsidade”.

Assim, a cada pergunta fui descobrindo que aquilo era eu e nunca me apercebera da grande importância dessas aparentes minúsculas coisas. Eram tão importantes pois me faziam autoconhecer e me definir como pessoa por cada uma delas. Esse conjunto de informações que, na verdade, era alguém nada menos que eu. Legal! _ “Muito prazer, eu!” _ Apresentei-me a mim. Mas não percebera aquilo até aquele momento. Procurei compreender o que me levara a essa vexatória situação. Então, viajando no pensamento, busquei entender cada fase vivida por mim. Sou de família pobre, mas honesta; granjeei nobres valores que até hoje norteiam minhas ações e postura; sou o quinto de dezesseis...

Não foi fácil para meus pais criar e educar seus dezesseis filhos. Éramos quais coroa de glória para suas cabeças. Eles foram corajosos e altruísta. Derem sempre o melhor si, dentro de suas limitações. Por isso são meus eternos heróis. Então eu era muito sensível a tudo ao meu redor. Aprendi a ser altruísta como eles. Via meu pai e minha mãe renunciando seus sonhos ou mal se alimentando em favor de seus queridos filhos. Absorvi aquilo de tal forma que quase roubei o lugar da definição de renúncia dos dicionários para mim. Nunca quis impor minhas ideias ou opiniões. Sempre decidi em favor do grupo, como fazia em casa. Eu era de uma timidez cavalar.

E isso perdurou por longos 27 anos até o dia em que fui confrontado por meu filhinho e resolvi mudar de vez, assumindo o controle do meu ego, sem perder o altruísmo, mas comedidamente, sem exagero algum. Muitos estranharam a minha nova postura. Uns gostaram, outros não. Aprendi a dizer sim quando tinha que ser sim e não como não e ponto final. Se quiserem gostar de mim, tem que ser do 'mim' real. Foi duro, mas consegui.

Diverti-me à beça com o filme “DE VOLTA AO FUTURO I”, pois identifiquei-me com o George MacFly, no passado. Já cheguei a pedir desculpa ao me bater contra um orelhão, pensando ser alguém, pois nem olhava para ver em que batera minha cabeça. Detestava confrontar-me com o novo, o imprevisível. Tinha a maior dificuldade para comprar roupa para mim. Para outra pessoa, nem pensar. Pedia opinião dos outros e findava comprando o que não queria comprar e, de quebra, nem usava.

Hoje, superei tudo isso. Aprendi a lidar com todas essas situações e, graças a Deus, sou nova criatura. Algumas pessoas não me toleram, mas fazer o que? O importante é que eu sou eu. Gosto de mim mesmo exposto e não escondido cá dentro, como um fugitivo do nada. Deus me levantou para ser alguém, útil para o Seu Reino. E estou aqui, disponível para O Servir.

“Eis-me aqui, Senhor. Usa-me como TU queres”.

Bosco Esmeraldo

Escrito, Teólogo, Pastor

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 05/08/2010
Reeditado em 06/11/2023
Código do texto: T2419218
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