Conto nublar #076: TALIT SIDERAL - ALTERPLANETANDO

T  A  L  I  T      S  I  D  E  R  A  L

ALTERPLANETANDO

Conto nublar #076

 

Hoje amanheceu num clima ameno. Uma fria e suave brisa nos convida a ficar um pouco mais dentro de casa.

 

Um 'talit' de densas nuvens, contornadas de brilhantes fiapos de estratos à guisa de 'tsitisot', dá um tom especial. O sol, discretamente, dá o ar da graça por trás das benfazejas nuvens, garantindo uma tarde tranquila e aconchegante a incentivar uma boa leitura. Aproveito para pôr em dia meu devocional, uma porção escriturística, seguido da leitura da “Antologia Ponto e Vírgula”; alguns capítulos da autobiografia de Nelson Mandela. Pronto. Um programa ideal.

De minha rede na varanda, observo num galho de um Angelim do Cerrado, um João-de-barro dando os últimos retoques na fachada de seu ninho. Rodopia, estica bem o pescoço como a se exibir num processual xaveco, em seu sui generis trinado a preencher o espaço com alegre canto à sua amada. Dona Joana, toda prosa, sai assanhada, atraída pelas peripécias do parceiro.

 

Do alto de um Ipê roxo, um bem-te-vi cantarola anunciando que a tudo vê e nada deixa passar batido. Vem-vem chama masos de seu bando, talvez para serem testemunhas do romance joanino. Quero-quero, por ciúme ou inveja, a tudo que vê ou ouve sai a dizer que também o quer. Arara, Papagaio e Maritaca de sobrenome Jandaia Curica torra a paciência de todos repetindo o que todos dizem. E eu aqui, de leitura parada, só observando quanta harmonia há em meio à maior diversidade. Embora falem linguagens das mais variadas, todos se entendem e se respeitam.

 

Tudo aquilo me fascina. Deixo-me, sem perceber, elevar até às nuvens. Vento Sudeste (SE) faz meu transporte. Com meu MP3player Cuca-auricular, ouço minha melodia 'RASTROS DE LUZ'. Aqui em cima, música cresce em qualidade e tudo o mais. É um som divino, modéstia à parte. Uma acústica em tom celestial nunca ouvida no plano “litotópico”. Lembro-me do meu amigo poeta Maurício de Azevedo que tanto aprecia esta música. Qualquer dia desses trá-lo-ei cá em cima. Certamente gostará bastante. Este Poeta com “P” maiúsculo escreve em estilo livre, mas cheio de lirismo, de um talento incomparável. É dotado de uma sensibilidade rara que eu diria ser o “Midas da Poesia”, pois até quando escreve prosas traduz a mais rara poesia.

 

Falando sobre as chuvas recentes do DF, bem que desconfiei que estavam para cair. Não bastassem a migração das formigas, o João-de-barro, apressuradamente, dava retoques em seu colossal ninho de natural arquitetura e alguns galhos, rebentando brotos a seco. O cotovelo e o joelho me castigavam numa dor atroz como que do nada, sem qualquer motivo. Lembrei-me do ditado lá do meu Sertão do Ceará: “Quando dente furado dói lá pelos infinitos e o 'Véi Matia' castiga as juntas e uivam as cruvianas nas frestas do telhado, faz as coivaras, ajunta outras juntas e arada as terras, que é benfazeja chuva das boas abrindo a invernada”. Pensei na tampa: _ Eita Rosinha! Vai cair chuva das boas. Pode escrever! _ Não deu outra! A chuva que caiu à noite inteira animou a grama antes cinza, castigada pelo causticante sol e que amanheceu matizada de filetes verdes como se fizera um reflex. Eram as chuvas de setembro abrindo a Estação da Primavera.

 

Enquanto chove lá embaixo, louvo ao Eterno, Àquele cujo  seu inefável Nome, que está acima de todo nome, não sou digno de pronunciar. Busco inspiração para meu próximo louvor. Neste plano percebo que nada me atinge, nem o velho algoz, o “tinitus” auriculares. Aqui nem o ouço. Deve ser por isso que gosto de, volta e meia, voar para cá. Percebi que, de vez em quando, ouço belíssimas harmonias que jamais consegui traduzir para as pautas da partitura. A princípio, pensei tratar-se de uma limitação como arranjador. Depois, percebi ser impossível esse intento, pois trata-se de sistemas harmônicos ainda desconhecidos no plano terreno e não há mesmo como escrever senão senti-lo indefinidamente. Nem mesmo os sistemas harmônicos atonais chegam sequer perto.

 

Vejo um pouco adiante um belo garoto de seus 11 anos, tocando uma inédita melodia em seu teclado. Espere aí! Teclado de nuvens? Só por aqui mesmo, pois neste plano, aos olhos do poeta, quase tudo é possível. Chego mais perto para ver quem é e tenho uma surpresa por demais gratificante.

 

_ Ora, se não é o meu filho Od Ben Od! Que bela melodia, Filho!_ Sua idade real é de 34 anos, mas as nuvens me deram esse prazer de rever essa bela cena com um toque especial de magia nublar.

 

_ Oi, Pai! Acabei de compor. Queria dar um nome bem exótico, algo assim... Como diria em inglês, aterrissando noutro planeta?

 

_Ó, Filho. Primeiro dá o nome em nossa língua. Depois a gente traduz ou tenta traduzir para a língua que der. Certo? Que tal... “ALTERPLANETANDO”?

 

_ 'Manero', Pai! E como ficaria em inglês?

 

_ Creio que ficaria, mais ou menos, “ALTERPLANETING”. Gostou?

 

_ É, né? Mas gostei mais em português.

 

_ Ei, Filho! Tive uma ideia. Sempre temos descido na carona de um raio ou no ribombar de um trovão. Que tal você gravar Alterplanetando no órgão nublar e deixar em “continuos playback”? Daí, a gente desce surfando nessa onda. Pode ser?

 

_ Claro, Pai. Pois não é que eu já havia gravado!... Pronto.... “PLAY”. Vamos nóoooooooooos!!!!!!!!!!!!!!

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 20/09/2013
Reeditado em 21/09/2013
Código do texto: T4489932
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