De grão em grão [74]

“Na hora da morte a pessoa

se torna brilhante estrela de cinema,

é o instante de glória de cada um.”

(Clarice Lispector)

Fiquei impressionado com o ícone da insignificância humana personificada em Macabéa por Clarice Lispector em sua “A hora da estrela”. Não deve ser por acaso que a autora só apresenta o nome da protagonista somente na metade da obra, apesar de já tê-la descrito, caracterizado e narrado como “a moça”.

No início, a introduz assim: “A pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. (...) Como a nordestina, há milhares de moças (...). Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiriam como não existiriam. Poucas se queixam e ao que eu saiba nenhuma reclama por não saber a quem.” (p. 14)

Mais ainda, ela “era supersônica. Ninguém percebia que ela ultrapassava com sua existência a barreira do som. Para as pessoas outras ela não existia.” (p. 63) Além disso, “sua vida era uma longa meditação sobre o nada. Só que precisava dos outros para crer em si mesma, senão se perderia nos sucessivos e redondos vácuos que havia nela.” (p. 38)

E à frente, a autora continua: “Ela era incompetente. Incompetente para a vida. Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma. Se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim.” (p. 24)

Mas a sua ausência de ser era tão grave, que quando foi olhar a si mesma, “pareceu-lhe que o espelho baço e escurecido não refletia imagem alguma. Sumira por acaso a sua existência física?”. (p. 25) Ainda sobre seu corpo, foi descrita como “filha de um não sei o quê com ar de se desculpar por ocupar espaço.” (p. 27)

Ela também “julgava não ter direito, ela era um acaso” (p. 36), “sentia falta de encontrar-se consigo mesma” (p. 35) e “estava habituada a se esquecer de si mesma” (p. 50). Então, “se arrependera. Como não sabia bem de quê, arrependia-se toda e de tudo.” (p. 37-38)

[CONTINUA NO PRÓXIMO GRÃO]

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 06/01/2015
Código do texto: T5092764
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