O Prazer É Todo Deles

Enquanto aprendia a acariciar os animais do quintal abandonado, pensava em sua caligrafia imperfeita e em possibilidades de melhora, afinal, queria ir além do que já tinha sido alcançado. Sentia-se extremamente superior ao outros mortais, não queria conviver com eles, aprender o obvio e transpirar frustrações de terceiro mundo. Segurava o cigarro entre os dedos e tragava forte em cada pensamento ansioso que teimava em aparecer nas horas de paz.

O medo vencia todas as frestas de esperança, enquanto olhava-se no reflexo da água e tocava os seios murchos, indagando o perecer da pele escura, o desvio comportamental e a escravidão social que se submetia todos os dias.

Sabia mais que eles, mas tinha menos valor.

Sabia mais que ontem, mas o calendário era outro,

Sabia tanto, ao ponto de não saber coisa alguma.

As horas repetiam-se todos os dias, como ainda é hoje. Mas o coração novo tinha espasmos e câimbras tecnológicas. O Sistema era incompleto, insatisfatório, assim como os pedaços de alma que habitavam aquele ser supostamente opaco e inútil. Sentia-se inútil, assim como nós. Sentia-se um extrato natural preso em caixinhas industrializadas e cheias de etiquetas comportamentais. Quando vomitava, era Deus saindo. Quando engolia: ração abortífera.

Maria Alice, nome artístico de Natalícia. O seu trabalho? Não nos interessa. Ofício é figuração em um emaranhado de vidas.

Eu gostava de sua voz, ela apreciava suas pernas. Os homens também gostavam daquelas pernas; grossas, bem-aventuradas e irresistíveis. Não era difícil encontrar quem pagasse muito bem apenas para passar algum tempo com elas.

Mas nada daquilo importava. Nada era dela. O prazer sempre foi dos outros.

Lucas Guilherme Pintto
Enviado por Lucas Guilherme Pintto em 04/04/2015
Código do texto: T5195053
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