VALDINO

Valdino

Valdino nasceu. Menino magro, ninguém queria. Chorava na velha rede que tinha herdado de seus oito irmãos. O pai na roça, mãe no quintal. Dava comida para o porco. Na mais rústica sobrevivência, ninguém ligava pra Valdino. Valdino na rede, mijado, cagado, daria para coisa alguma quando crescesse.

Foi crescendo, parecia que ia diminuindo de tamanho, franzia a testa toda vez que olhava para o sol. Ficou tanto tempo no fundo daquela rede que ninguém notava seu estranhamento pela luz. Mas um dia, sem querer, misturado a uma penca de irmãos, sua mãe deu falta. O calor da casa era de matar. Valdino saiu e correu e se meteu no mato. Valdino queria correr o risco de se encharcar no húmus dos brejos, desafiando todos os duendes que habitavam na floresta. Queria aventura. Sair do universo em que se viu criado dentro da penumbra daquela rede.

E foi. Correu três dias no descampado. Três dias na mata fechada. Três dias nos igarapés. Subiu até Itacupim, a pedra de cupim que derramava lágrima de seu poros. Ficou ali sentado, vendo o sol, seus dedos finos atravessando o tamanho da ventania, os cabelos suados riscavam o rosto de sombra e dança. Valdino pensou no tempo em que ficou na rede, quando olhava a luz distante pelos fios desbotados de vermelho, de quando ele sorria pela palha que cobria a casa, olhar desfigurado de criança abandonada pelos afazeres dos pais.

O tempo parou. O vento compreendia sua voz embargada e baixa, enquanto bálsamo invisível a lhe costurar as agruras de sua alma. Valdino permaneceu quieto, silencioso e calmo, enquanto se esculpia do aço da vida, um menino cumprindo seus desejos simples de liberdade. Dali, a plenitude de algumas horas honradas, horas em que se poderia olhar para deus e sentir-se amado como nunca imaginou ter sido, à semelhança entre sua fé e a natureza.

O vento foi levando de mansinho Valdino para o precipício. De lá Valdino olhava as casas construídas de palha e barro, olhava a fumaça grossa saída das cozinhas enegrecidas, as plantações de tabaco e as roupas franzidas nos fios dos varais. Num desses olhares viu sua mãe sozinha no largo quintal, olhando para os lados onde pudesse sumir o horizonte, eletrizada por um desespero em ter perdido seu filho. Onde poderia estar Valdino?

Valdino então abriu suas asas de menino franzino e desapareceu na neblina do final de tarde. Acordou com uma tranquila sonolência, perguntando à sua mãe se havia ovo caipira na tigela. Sua mãe sorriu quase que de primeira vez olhando para seu menino. Ele havia voltado e compreendido que o tempo que ficou na rede daria para alguma coisa quando crescesse.