Filhas da Vida

Era uma vez, num reino e num tempo muito distantes, quatro irmãs que cresceram, criaram-se e viveram juntas por longos anos. Como acontecia com quase todos os filhos de famílias daquele lugar, elas haviam sido criadas segundo uma mesma educação e, apesar de tudo, não era difícil de acreditar que tivessem saído bem diferentes uma das outras. Seus pais haviam escolhido, para elas, nomes que em muito viriam a se tornar parecidos com seus próprios comportamentos. À primeira, resolveram chamar Aceitação; à segunda, batizaram com o nome de Conformação; à terceira chamaram Frustração e à quarta Resignação.

Aceitação sempre pareceu aos olhos de todos uma menina muito sensível, feliz e de bem com a vida. Era o que se podia chamar de uma criança resolvida. Não havia tempo ruim para ela. Os conselhos que seus pais lhe davam eram quase sempre motivo de muita reflexão. Um “sim” era sempre bem-vindo e motivo de muita alegria! Uma resposta negativa aos seus desejos, não lhe causava qualquer tipo de revolta, dor ou constrangimento. Se havia tristeza, essa era passageira. Normalmente, ela ia para o quarto e, depois de muito pensar, compreendia, em seu coração, que aquele não era o melhor momento para a realização daquele desejo. E, assim, seus dias seguiam em frente, sem atropelos e com muito equilíbrio. Aceitação era, de fato, a mais equilibrada de todas.

As outras irmãs, Conformação, Frustração e Resignação, sentiam uma pontinha de inveja pela maneira com a qual Aceitação conduzia sua vida. Elas carregavam um pouco de rebeldia e de indignação com o mundo por terem saído tão diferentes da irmã mais velha, que também lhes parecia mais sábia. Achavam o mundo injusto. Olhando-as de fora, dava pra notar que elas possuíam algum desequilíbrio na maneira como se comportavam. Parecia que algo lhes faltava para serem realmente felizes.

Conformação aparentava ser uma menina chata! Custava-lhe uma boa dose de paciência receber um “não” dos pais. No fundo, no fundo, ela acabava acatando aquela decisão contrária, embora não compreendesse muito bem o porquê daquele seu desejo ter sido negado. Ela ia para o seu quarto e chorava um pouco para ver se sua dor passava. Mas, isso não bastava; não passava de uma doce ilusão. A dor ficava guardada em seu peito e seguia junto, aonde quer que ela fosse. Um “sim” era recebido, na maioria das vezes, sem muitas comemorações. Em geral, considerava que aquele “sim” lhe pertencia e há muito já era seu por direito.

Se Conformação parecia ser uma menina chata, Frustração era duas vezes mais! Frustração era muito mais chata mesmo! Um “não” para ela era motivo de grande revolta e de muita chateação. Frustração era birrenta, dona de desejos fortes, imperiosos, e que não podiam ser contrariados assim tão facilmente. Talvez, a vontade que ela tinha de que seus desejos fossem atendidos era tão forte quanto a decepção que sentia em não vê-los concretizados. E isso lhe doía muito! E essa dor mais que doía em seu peito! Queimava feito uma brasa que não se apaga! Ela ia para o seu quarto e se debatia entre mágoas e pensamentos. O tempo passava e ela não conseguia esquecer os caminhos tortuosos e os motivos que levavam-na a passar por tudo isso. O mundo parecia estar contra ela. Os bons ventos não sopravam a seu favor, e sim noutra direção. Um “sim”, para ela, representava apenas mais uma simples vitória pela qual não nutria nenhum interesse em entender o porquê daquele resultado tão positivo.

Resignação, das quatro irmãs, era a mais tímida. Podia ser considerada uma chatinha discreta. Não gostava muito de se expor e nem de revelar muito os seus desejos para quem quer que fosse. Conhecendo o comportamento das outras, Conformação e Frustração, não queria passar pelo que elas passavam e nem queria viver a vida que elas levavam. Era raro ver Resignação pedir algo que desejasse aos seus pais. Ela tinha muito medo de receber um “não” como resposta, mesmo sabendo que um “sim” estava em jogo. Na verdade, ora acreditava que não fosse merecedora do desejo que carregava, ora não queria enfrentar o desconforto e as consequências da tempestade de sentimentos contraditórios e confusos que um “não” poderia lhe acarretar. Dessa forma, sua vida seguia em frente sem muitas emoções e sem muitas novidades. Um “sim” ou um “não” possuía o mesmo peso dentro de suas avaliações diante de suas pequenas vitórias ou derrotas. Viver assim lhe custava um pouco e lhe doía um pouco mais também. No entanto, a dor era menor do que a que Conformação sentia. Ela ia para o seu quarto, tentava chorar, mas as lágrimas não lhe escorriam pelo rosto.

O que Conformação, Frustração e Resignação tinham em comum? Bem... Simplesmente, elas não conseguiam refletir sobre suas perdas e ganhos e, por conseguinte, não extraíam nenhuma lição valiosa para suas novas experiências. Não refletiam sobre nada e, por isso, não aprendiam nada. Não evoluíam.

Acontece que as meninas cresceram e eis que dois rapazes surgiram em suas vidas. Eram irmãos que, assim como elas, tinham sido criados juntos e recebido uma educação parecida. E, como acontecia com quase todas as famílias daquele reino, apesar da mesma criação, desenvolveram temperamentos bem diferentes. O primeiro chamava-se Entendimento. O segundo, que possuía um gênio oposto ao do irmão, Não-Entendimento.

Entendimento levava uma vida muito parecida com a de Aceitação e, muito provavelmente, isso tenha contribuído para que os dois viessem um dia a se encontrar, se encantar um pelo outro e manter uma relação duradoura. Entendimento não era de acordo com o estilo de vida das outras irmãs e, por isso, nem lhes dava atenção.

De sua parte, Não-Entendimento mostrava-se um sujeito bastante volúvel. Por isso mesmo, acabou-se engraçando de uma só vez com as irmãs que haviam sido preteridas pelo irmão. Estas, embora tivessem uma quedinha por Entendimento, não alimentavam nenhuma esperança por um futuro relacionamento com ele, por acharem que iriam acabar adotando comportamentos parecidos com os de Aceitação, com os quais não concordavam ou não compreendiam muito bem.

Furtivamente, Não-Entendimento conseguiu conviver com as três irmãs ao mesmo tempo, Conformação, Frustração e Resignação, sem que nenhuma delas tivesse conhecimento. Eles davam-se muito bem até certo ponto. Havia, até mesmo, alguma empatia em seus relacionamentos, mas havia, também, muitos desencontros.

Alguns anos se passaram e Entendimento veio a casar-se com Aceitação. Geraram uma linda criança a quem resolveram chamar Satisfação, por ser um nome que mais se aproximava do que existia entre os dois, além do amor que sentiam um pelo outro. Satisfação tinha, de fato, uma porção bastante generosa das personalidades do pai e da mãe. Era uma combinação perfeita do que eles tinham de melhor. E, isto, ajudou a menina a crescer com segurança, de forma tranquila e saudável.

Não-Entendimento, por sua vez, não casou. Seu temperamento avesso e conflituoso o impedia de tomar qualquer tipo de decisão ou de encarar qualquer espécie de compromisso. Ainda assim as três irmãs com quem namorava engravidaram a um só tempo e tiveram uma gestação conturbada numa mesma estação. Os dias se passaram e, enfim, as crianças nasceram... todas elas meninas. Por uma estranha coincidência, dessas que só o destino ou o acaso conseguem explicar, no dia do batismo as mães optaram, independentemente, por colocar um mesmo nome para as suas adoradas filhas. Os bebês passaram a se chamar Insatisfação.

As meninas eram muito parecidas entre si, pois tinham um traço muito forte do pai em comum, mas também um bom bocado do jeito de ser de suas respectivas mães. Depois de crescidas, já não se podia mais diferenciar muito bem qual Insatisfação era filha da Conformação, da Frustração ou da Resignação. Isso causava sérios transtornos e um certo embaraço na vida de todos eles. Desnecessário dizer que essas meninas cresceram desajustadas, assim como era a vida que levavam em família.

O fato é que, hoje, Aceitação vive distante de suas irmãs. Não por vontade própria, mas por uma vontade alheia. Elas, por sua vez, ainda tentaram conviver juntas por algum tempo. No entanto, sempre que se encontravam, experimentavam um convívio bastante amargo e complicado pela peça que cada uma achava que a vida havia lhes pregado ou pela dor que cada uma carregava no peito.

Mano Kleber
Enviado por Mano Kleber em 21/03/2012
Reeditado em 25/10/2012
Código do texto: T3567359
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