DIÁLOGO ENTRE ANIMAIS NO PANTANAL

Diálogo entre animais do Pantanal

- Tudo bem dona cobra?? Ou seria Srta?? Sua graça?!

- Éee..Neusa..Neusa Jararaca

- É nova no pedaço?

- Nãoo, sou prima da Creosodete que se mudou e deixou a cova pra eu morar..

- Ahaa..e com’é? Tá gostando da nova casa?

- Ainda não tive tempo de ver tudo; a artrite anda me incomodando..

- É como dizia meu pai ..velhice é fogo!!

- Quem falou em velhice?Tô até trocando de pele.. ..o senhor nem me conhece..já vem falando,muito metido!!

- Perdão, eu sou Praxedes , a capivara que mora ali o barranco de cima..ao seu dispor..

- E daí??Já fala com qualquer um que passa?????

- Não se apoquente minha senhora...vim só lhe dar as boas vindas..

- É né e agora que já deu, vamo circulando seu capivara!

- Não sei se a senhora sabe, mas aqui no Pantanal temos o costume de nos dar as boas vindas! questão de civilidade ..afinal, estamos no mesmo barco, digo, charco..

- Não tenho a mínima intenção de ficar amiguinha de alguém.

- Bem, é que aqui.....é quase como um condomínio, vizinhos se conhecem..

- Eu não sei se o senhor sabe , se não sabe, faço questão de lhe informar –eu pertenço a outra classe social - sou uma jararaca – uma cobra – muito venenosa- rastejo – em geral, ando sozinha, individualista, se preferir – no momento, com essa dor nas costas e essa pele que estou trocando e que se engancha em tudo quanto é galho , estou na base da sobrevivência ..até porque não estou muito contente com a vida!

- Problema existencial, todos nós passamos por isso..

- Não, não passou, nem vai passar e o senhor não tem a mínima ideia do que é ser uma jararaca!!!

-É, a vida pode ser cruel!

- Cruel é apelido. ..veja bem.: vivo perto do chão, agora então que estou ficando um pouco míope, vivo me enroscando em qualquer cipó ..o analista me disse que quem vive perto do chão, tem que se acostumar com as ervas daninhas, coisa estúpida pra se dizer para uma cobra nervosa como eu com toc e que não pediu pra nascer cobra ..também não paguei a consulta ao coruja analista e quase o enforquei de ódio!!

- E a senhora está tensa por quê?

- Eu é que vou saber?? Não gosto de ser cobra, o mané lá no consultório me disse que sofro de distúrbio de personalidade. Uma ova! Eu não pedi pra nascer cobra!! Se ainda fosse um colibri, uma águia....

- Águia de Haia!

- Que Haia??

- Um bicho-gente

- Nem me fale de bicho-gente!!

- De vez em quando, até que você encontra um interessante; outro dia tinha um me observando através de um aparelho comprido; eu andava, ele andava, e anotava num caderninho; eu sentava , ele anotava, eu sorria e ele levantava a pestana e anotava; aliás eles não entendem nada do que a gente fala; a gente entende o que eles dizem e eles...neca, neca; nossa, com sua licença, quando resolvi fazer minhas necessidades e demarcar meu território , a senhora precisa ver!! Jogou fora o aparelho comprido começou a anotar no caderninho tropeçou numa raiz, parecia louco! Ai me cansei e me enfiei atrás de um arbusto e o cara não dava sossego..invadir assim a privacidade alheia!!

- Bom , isso é aqui na terra dos tupinambás..Se fosse nos States, aí sim, seria diferente..questão de boa educação, compreende?? Lá eles olham a gente, mas esperam anoitecer, tudo muito discreto , muito ecológico, muito tecnológico..politicamente correto – a gente aparece em documentários – em redes sociais ...nossa se eu morasse lá, já estaria até no cinema ..!!

- A senhora não acha que fica um pouco artificial?

- DO QUE É QUE O SENHOR ESTÁ FALANDO HEIN???

- Olha a pressão senhora, calma – explico: quem é que quer ficar como as amigas baleias ou os pobres golfinhos presos em piscinas, tendo que decifrar desenhos que a gente sabe de cor e finge que não sabe pros bichos-gente baterem palmas e a gente fingir que aprendeu hein? Ou viver em jaulas? Sem conversar? Sem poder caçar que da natureza de uma onça, sem poder voar e ver o sol nascer, cuidar dos filhos, prosear com os amigos?

- E quem foi que lhe contou isso???

- O boto azul – da Amazonia – todo mundo ficou impressionado, afinal era boto de terceiro mundo! Foi um tal de decifrar código, fazer shows à noite, pular dentro de rodinha , de azul profundo sua ele foi ficando esverdeada e ele chorava tristonho recordando das vitórias-régias e dos vagalumes, até das piranhas ele tinha saudade..muito triste, se ao menos nos deixassem em paz e só olhassem de longe- sem tirar nosso território..não acha não??

- Não sei mesmo. Conviver com bicho-gente é dose ! Até eu, que tenho mau gênio num guento!!

- Está escurecendo; noite linda não? Recolho-me ao lar .Apareça quando quiser.

- O senhor tem luz elétrica?

- Não, não, nunca usei. Disseram que os bichos-gente políticos iriam construir uma hidroelétrica e que esta região iria progredir –questão de conceito –sempre vivi à luz das velas, ou da luz animada de algum vagalume amigo que vem prosear no inverno.

- É..pois ainda acho que eu estaria melhor nos States. Tô pensando em regulamentar os papéis –vou pela fronteira , pelo México e zupt – estou em Hollywood!!

- Não querendo desanimá-la dona Creosodete...

_ Neusa! Neusa-jararaca! Creosodete é minha prima!!

- Perdão, mas o pessoal tem voltado de lá meio “caidaços”- “ponta de estoque” mesmo. Não há trabalho, os emigrantes são maltratados e..

- Isso não tem importância-afinal se posso usar um Nike, um vídeo para ver meus programas, computador para falar com todo mundo , celular pra fofocar um pouco, o senhor há de convir , porque não porque não??

- É mesmo não?– lembranças então para o Fred Astaire e a Ginger Rogers!

- Serão dadas (capivara gagá- ainda no tempo desses dois – ainda se fosse o Clark Gable!)

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Vosmecê
Enviado por Vosmecê em 20/04/2013
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