O VALOR DOS SONHOS

O mar estava furioso, ondas tão grandes que pareciam bocas enormes ao devorar os pequenos barcos na imensidão azul. Da janela do apartamento caro, ele apenas observava a fúria do mar, misturado com pensamento distante, fumava um cigarro atrás do outro, andava de um ladro pro outro, brincava de mudar de canal, enchia um copo de uísque, bocejava um sono que nunca vinha cedo, voltava para janela e se distraia com o mar.

Chegava aos 40 e já tinha conquistado tudo, o emprego dos sonhos, o salário mais que alto, uma vida de luxo, riquezas, estava no auge no ramo empresarial, tinha quase tudo que queria, e era nesse quase que morava suas angustias e insatisfações. O tempo que o seu relógio de ouro marcava parecia não ter mais sentido, faltava algo, algo tão pequeno, um detalhe que mudasse sua rotina, algo que diferenciasse seu dia, que o motivasse nos dias mais cinza.

Foi então, que num belo dia como qualquer outro, indo pro seu trabalho no seu carro importado, que ele avistou da janela um garoto engraxando sapatos, nada fora do comum num país desigual milhares de crianças trabalham, mas aquele garoto chamou a atenção dele, não era apenas mais um garoto engraxando sapatos, era um garoto aparentemente feliz engraxando sapatos, ganhando tão pouco que mal dava para comprar comida, enquanto ele naquele carro, no ar condicionado, vestindo roupas caras, calçando sapatos caros, não conseguia sorrir da mesma forma, não com a mesma simplicidade e leveza do sorriso do garoto, e aquilo o intrigou por dentro, ele precisava descobrir o que fazia o garoto sorrir, ele precisava entender como se poderia ser feliz tendo quase nada, sofrendo com um trabalho tão desprezado e desvalorizado que não cabia felicidade em fazer aquilo. Porém, não parou seguiu seu caminho, com aquela imagem na cabeça, indo e vindo, não trabalhou direito naquele dia, voltou para sua casa pensativo, viajando em perguntas que possivelmente só aquele menino poderia respondê-lo.

Passada uma semana, ele não tinha esquecido o engraxate sorridente, ia sempre pela aquela mesma esquina de quando o avistou pela primeira vez, na esperança de revê-lo de novo, porém sem sorte nunca mais tinha o achado por ali.

Foi apenas depois de um mês que o reencontrou, embora tenha passado tantos dias, ele ainda indagava questões sobre a felicidade do menino, resolveu parar de imediato, com a desculpa de engraxar os sapatos, e logo puxar conversa, descobrindo assim o motivo da felicidade do garoto. Sentou-se no banco, e chamou o menino para que ele engraxasse seus sapatos, aparentemente limpos, mas, o menino não recusou o trabalho tirou a pasta e escova do caixote que carrega e começou a dar mais brilho nos sapatos do homem rico. Perguntou o nome do garoto, para quebrar o gelo, o garoto sorrindo disse : - Meu nome é Rui !, O homem, não satisfeito perguntou a idade do garoto, e o garoto respondeu : - Tenho 11 anos, senhor ! O homem ainda inquieto, fez-lhe outra pergunta: - Não era para você está na escola, garoto? O garoto respondeu: - Pois é, mas preciso trabalhar, minha mãe está doente, e meu pai nem sei quem é, somos só nos dois nesse mundo, ela está precisando de mim nesse momento, esse dinheiro que ganho serve para comprar algo para nós comer no fim do dia. O homem rico, engoliu seco a resposta, e ficou em silêncio por alguns instantes, enquanto o garoto trabalhava calmamente e ainda sorrindo. O homem então lançou mais uma pergunta: Incrível, você está de parabéns, tão novo e já é o homem da casa, porém o que mais me admira é que você sempre está sorrindo, mesmo tendo tantas dificuldades, parece está feliz, você é feliz , qual é o segredo para sentir-se tão bem assim ? O menino olhou para o homem, parou o serviço, respirou fundo e disse rindo: Ah senhor, nem te responder, não entendo muito dessas coisas, esse é meu jeito, acredito que tenho muito a agradecer, mesmo tão pouco, ganho sempre boas gorjetas, minha felicidade está nisso, em poder sair de casa e voltar tendo algo para minha mãe, e todo dia junto um pouquinho, sabe, estou namorando a tempos uma bicicleta maneira que vi numa loja ali, acho que mais uns três meses e consigo ela, e olha que já estive mais longe, fico feliz todo dia, pois sei que cada dia que passa fica mais perto de conseguir-lá, talvez seja o motivo, mas eu não entendo muito disso não, apenas sou assim, é melhor rir né, chorar não adianta. O homem, ficou mais uma vez sem palavras, a simplicidade e inteligência do garoto fez com que ele repensasse muito ali, naquele instante que engraxava seus sapatos, muitos valores e significados foram de certa forma reavaliados. Não precisou de mais respostas, o menino enfim terminou o serviço e disse : Pronto senhor, terminei ! Custa 5 reais o serviço. O homem deu uma nota de vinte e saiu, o garoto agradeceu muito, com um largo sorriso daqueles de criança que só de ver deixa qualquer um feliz, o homem naquela manhã ficou feliz, como nunca mais esteve.

Chegou do trabalho, deitou-se e continuou a pensar naquele garoto de pequenos sonhos e grandes responsabilidades, notou que precisa ter mais sonhos, daqueles pequenos, simples, coisas que sonhava quando era garoto, andar de balão, amanhecer na beira da praia, jogar bola no campinho da rua, coisas que nunca fez, que sempre teve vontade de fazer, coisas que seu dinheiro podia pagar só que esquecerá de como é era bom se divertir, que a vida não era só trabalhos, negócios e lucros. Pegou então um bloco de notas e começou a listar coisas que queria fazer, coisas simples, coisas complexas, apenas coisas que fariam sorrir.

A primeira coisa da lista era comprar a bicicleta para aquele garoto que o fez acordar para vida, então foi lá, comprou a bicicleta procurou o garoto a entregou, recebeu tantos sorrisos de agradecimento que sua alma parecia renovada, limpa e tranquila, foi então na empresa e tirou férias, coisas que não tinha a muito tempo, as viagens era sempre a negócios. Foi para casa pegou a mulher os filhos e fez uma viagem, andou de balão, jogou bola com as crianças no campinho, namorou ao luar da praia com a esposa, jogou vídeo game com os filhos, fez um jantar especial para todos, foram ao cinema todos juntos, tantas outras coisas que as famílias fazem, tudo tão acessível e que estava despercebido , adormecido, coisas que traziam uma tinta diferente para vida dele que há muito tempo ele tinha esquecido de fazer.

Nunca esteve tão feliz, voltando das longas férias, ao chegar em seu apartamento, falou que faria aquelas coisas mais vezes, e que tiraria férias todo ano. Então a noite deitou com a esposa na cama e adormeceu tão feliz e calmo, liberto das aflições que teu peito por tantas noites clamava, descobriu que ás vezes o que mais queremos está tão perto, é tão simples de conseguir, e temos tanta dificuldade de perceber, que sonhos não tem valor, não se compram, realizar-los é a unica coisa que pode torna-lós reais.

Porém, no outro dia sua esposa ao tentar acorda-lo tomou um grande susto, o marido estava frio, pálido, sem pulso, gritou, chamou ambulância, já era tarde, ele tinha falecido, ali deitado com um sorriso feliz no rosto, o fato é, ele tinha um tumor no pulmão, silencioso apenas esperando a hora de levar-lo, por sorte, antes de partir, conseguir ser feliz, conseguiu se libertar.

Diêgo Vinicius
Enviado por Diêgo Vinicius em 14/05/2013
Código do texto: T4290925
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