GERSON E SUA AMIGA BALEIA

JERSON E SUA AMIGA BALEIA

Dizem que os bichos não deviam ter um nome, deveriam ser chamados de bichos apenas. Pois! Meus amigos, no sertão os bichos não têm apenas nome; eles têm, mesmo é alma...

Gérson era um menino de dez anos que se criava calmamente com seus pais até o dia que ele encontrou uma cachorra abandonada, próximo a Rodoviária de Tobias Barreto. “Olha papai a cachorrinha!” “Gérson, você me promete que se eu pegar essa cachorra e criar você vai tirar boas notas?” “Prometo pai, prometo; Juro, por tudo que é sagrado, que vou ser o menino mais comportado do quinto ano”. De fato Gérson depois que sua mãe, Dona Ximenes faleceu, o menino se tornou rebelde. As professoras da Escola Álvaro Alves de Matos não sabia mais o que fazer. Os funcionários e professores traziam todos os dias reclamações para a diretora: “Gérson, não copia a lição, não faz o dever, e passa o tempo todo com o celular”. “Gérson jogou o rolo de papel higiênico dentro do vaso sanitário”. “Gérson quebrou a descarga”. “Gérson estava ameaçando os colegas com um estilete”. A diretora Maria Padilha já havia pedido ao Padre Figueiredo para rezar uma missa na escola. Na ocasião, os alunos se confessaram menos Gérson. Depois da cachorra baleia, a história mudou. “Mas, gente, Gérson está um primor de criança, faz os deveres, copia os assuntos, e presta atenção à aula inteira. Esse ano ele passa, mesmo”. Disse sorridente a professora, psicopedagoga Tereza de Zé do Requeijão. A diretora Padilha não mais recebera reclamações do menino, pois, Gérson estava regenerado. “Graças a Deus, menos um a dar trabalho!”

Só tinha um problema; algo muito estranho estava acontecendo em casa. Rodriguinho de Miguel estava muito preocupado com a amizade de seu filho e a cachorra baleia. A princípio, o homem não via nada, mas, depois que ele viu a cachorra sentada na cadeira junto com seu filho fazendo a lição o homem ficou apavorado. No sertão, é preciso fé para crer, mas, baleia era a melhor professora do mundo! Gérson aprendeu a conversar com ela, ou melhor, ela aprendeu a conversar com a criança. Tudo começou numa tarde de chuva. O menino escorregou na calçada e se machucou com a queda. A cachorra correu rápido e latiu três vezes balançando o rabo na vertical e depois esticando os pelos como se fosse um gato quando leva um choque. Rodriguinho achou aquilo estranho e procurou pelo filho. Logo viu que ele chorava muito e o socorreu. Gérson machucou o tornozelo e ficou sem caminhar uns dias. Daí em diante, qualquer coisa que o menino precisava a cachorra achava um jeito de avisar.

Certa noite, Gérson teve um pesadelo, a cachorra foi acordar Rodriguinho, ela lambia o homem e latia. A resistência de Rodriguinho não resistiu à insistência da cadela vira lata. Ao chegar ao quarto do garoto, ele estava suado e em estado de choque. Coisas como essas aconteceram, mas, não se comparam as aulas que a cachorra passou a dar ao garoto. A cadela sabia matemática, álgebra, inglês, história, geografia, ciências, sociedade e cultura, língua portuguesa e ainda ensinava muito bem alguns passos de capoeira. O segredo foi mantido pela família. Contudo em Campos, nada fica escondido.

- Verdade que a cachorro de Gérson é espiritada?

- Mulher, eu ouvi dizer, sabe, mas, não provo. Você sabe alguma coisa?

- Pois, estão falando na rua que pegaram o menino conversando sobre teologia com o animal. Isso é um absurdo, nunca se viu uma coisa dessas no mundo. Isso é coisa do diabo!

Depois dos comentários, Gérson não mais podia sair com seu bicho na rua que o povo jogava pedra. “Olha a cachorra espiritada!” As pedradas eram muitas, todavia, a paciência do menino era grande.

- Pai, por que o povo não gosta de baleia?

- Meu filho, o povo não gosta do que estranha.

-Não entendi pai! Diz aí baleia o que meu pai falou! A cachorra, com dois latidos curtos, pediu licença e depois abriu a boca a latir. Pouco tempo depois, Gérson disse: “Baleia falou que é preconceito contra os animais”. Seu pai arregalou os olhos e pensou consigo: “Acho que vou morar em Aracaju”.

Rodriguinho fez de tudo para morar na capital sergipana. A sorte não bateu a sua porta. Gerson crescia e com o tempo ficava mais íntimo de baleia. A cachorra baleia foi encontrada abandonada no centro da cidade. No começo, era uma cachorra normal. Tinha suas cachorradas, mas, somando o bom e subtraindo o ruim, ela foi uma cachorra nota dez. Baleia tinha o canto certo de fazer as necessidades – o jardim da praça que ficava defronte sua casa. Aquele era um lugar conhecido há anos. E tomava banho a cada três dias. O calor do sertão é muito. Baleia e Gérson estavam estudando para o vestibular de direito. A cadela estava muito sabida, conhecia o código penal, civil e outras coisas. A família assombrada estava reunida na tardinha do dia vinte três de agosto, quando Arquimedes chegou em um carro cinza prata; era um gol. “Sou do jornal coluna da verdade, gostaríamos de falar com vosso filho”. Chamaram Gérson que veio acompanhado de sua amiga leal baleia.

- Como é entender o que um animal pensa?

- Sei não.

- Digo, como é que você sabe o que ela quer, pensa ou diz?

-Quando ela me dava aulas de matemática, ela me dizia para ter cuidado com a leitura dos enunciados. Nunca me esqueço da primeira vez: “Menino, “e” pode ser mais em um cálculo de adição”. Isso revolucionou minha aprendizagem na época, logo quando ela veio morar comigo.

Depois do jornal coluna, vieram outros dois jornais, e por último, o do Rio de Janeiro. Gérson e baleia ficaram famosos subitamente. A Universidade de São Paulo fez um projeto de pesquisa sobre a relação do menino e o animal. Após alguns anos de estudo eles descobriram que era algum tipo de charlatanismo, porque a criança poderia aprender tudo sozinha. Os livros estavam em sua posse. No entanto, pareceram sem explicação algumas comunicações objetivas entre menino e a cachorra, mas, o fenômeno ficou sem explicação. Levaram Gérson para o departamento de psiquiatria de uma universidade americana, a cachorra foi estudada e o menino também, nada a psiquiatria conseguiu provar. Por fim, levaram os dois para o centro espírita ‘caridade é caridade’. “O animal tem um obsessor!” “Como?” Perguntou Rodriguinho. “Em outras vidas o animal foi gente”. “Como, moço?” “Eh, nós acreditamos que a cachorra foi gente em outra vida e ela está levando uma vida de cachorra porque merece e escolheu isso”. “Sei”. Rodriguinho parou de perguntar para ouvir a história toda.

“Baleia, em outra encarnação morava em Paris. Seus pais moraram com ela até ela concluir os estudos. Depois de formada Susana foi morar na França. Por motivos que não foram explicados ela começou atropelar os cachorros que visse nas ruas. Foram muitos os animais que matou. Houve outros que ficaram deficientes. Depois do desencarne vítima de uma doença de cachorro, Susana reencarna na forma de cachorra”. Rodriguinho, para, pensa e deduz: “Baleia é Susana!” “Quer dizer que meu filho está com a amizade com uma dona”. “Mas, o corpo é de cachorra!”

O tempo foi passando e com isso o amor de Gérson pelo animal ficava maior. Uma manhã de domingo, baleia amanhece doente. Gérson logo descobre e a leva ao veterinário na clínica “trate o seu cão como um anjo”. Foram descobertos três tumores no abdômen de baleia. A cirurgia foi marcada para semana seguinte. Na terça feira, às seis da tarde baleia é operada e falece. Seu coração idoso não suportou ao processo cirúrgico. Gérson entrou em depressão. Se o moço, embora sabido, não se dava com gente, depois da morte de sua amiga, ele se calou de vez.

- Gérson, meu sentimentos por baleia.

- Gérson, baleia agora está num lugar melhor.

- Gerson, baleia está descansando na sepultura.

- Gerson, disseram-me que viram baleia no centro espírita ‘caboclo pode tudo’.

-Gerson, está melhor? Vamos tomar uma? Gérson não se convencia por nada. Em sua mente estava a imagem da mulher de sua vida – baleia.

Os anos passaram. Gérson desde a morte de baleia nunca namorou. Deu umas paqueradas, mas, nada sério. Era nove da noite de domingo; Gérson vinha da igreja. O rapaz resolveu esquecer baleia se lembrando de Deus. No meio do caminho vinha uma moça morena clara com óculos de ler grossos caminhando em sua direção. A moça segurava alguns livros na mão. Gérson, acha esquisita a moça e a aborda para uma conversa.

- Oi!

- Oi!

- Meu nome é Gérson. E o seu?

- O meu é Marta.

- Você me dar um minuto de sua atenção?

- Sim, pois não. A menina achou estranha a abordagem, mas, Gérson era um rapaz simpático.

- Olha, não me ache esquisito; eu acho que você está doente.

- Como rapaz? Você está doido!

- Não! É porque eu senti o cheiro!

- Vá pra lá moço! Respeite-me, por favor! A menina saiu muito zangada da presença de Gérson. E assim foi até ele envelhecer. Já velho Gérson decide fazer o que sempre quis fazer; quando era lua cheia, o velho Gérson latia, latia até se cansar...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 06/10/2013
Reeditado em 06/10/2013
Código do texto: T4513646
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