A NEGRINHA DE OLHOS VERDES
 
FOI MEU TIO QUEM DISSE...
 
CAPÍTULO I
 
          Como quase todos os dias no sertão, esse ia se acabando da mesma forma, um dia quente pela ausência da chuva que há muito tempo não aparecia pelas as terras secas da região, como sempre acontecia quando Tio Paulo passava pela minha casa os coleguinhas vizinhos viam pedir para que eu contasse às histórias que ele me dizia tiradas de suas andanças sem rumo e sem parada demorada nas estradas empoeiradas do grande e misterioso sertão.
         Já me sentia um grande líder, pois naquela região onde poucos sabiam lê e escrever, eu não sabia nem lê nem escrever, mas memorizava tudo, qualquer história, qualquer assunto, mesmo que cumprido ou mal contado, que muitas das vezes quem contava não sabia nem falar direito, era assim na minha região.
         Nesse dia tinha escutado do meu tio uma linda e triste história, essa eu ia contar com bastante atenção.
          Os meninos e meninas foram chegando já com o sol se deitando por traz da serra, alguns banhados, outros nem faziam questão, iam se sentando no alpendre velho, com o chão batido e algumas telhas quebradas que dava para vê a lua passando bem devagar entre umas e outras.
         Todos já estavam sentados, cada um de sua forma ou maneira, via seus olhos arregalados e brilhando esperando que eu abrisse a boca e começasse a articular a história daquela noite, isso mesmo, “HISTÓRIA” por que meu Tio Paulo não contava mentiras, era tudo verdade.
     - Bem amiguinhos vou contar hoje uma história muito triste porem linda, é sobre uma “Negrinha de Olhos Verdes” – Disse com uma voz aveludada esperando uns suspiros e olho arregalado, prontamente contemplado.
          Sem esperar muito, pois o tempo era curto pela noite e grande pelo dia, comecei logo a história:
    - Todo mundo sabe que esse sertão é grande, alguns dizem que nem tem fim de tão grande que é, e andando por essas terras meu tio ouviu uma história que vou contar agora sem descansar minha voz.
          Numas terras distantes daqui havia um grande Fazendeiro, ele era muito rico, tinha engenho, muito gado e muitas terras, tinha terra que ninguém nunca tinha ido lá de tão grande que era, tinha muitos bichos, onças de várias cores, pretas, pintadas, marrom, tamanduá do tamanho de um homem, bichos que muita gente nem sabia o nome, era protegida, ninguém podia ir lá.
           Esse Fazendeiro era filho de estrangeiro, tinha cabelos loiros, era alto, tinha olhos verdes, coisa que quase ninguém via por estas bandas, ele tinha uma esposa, essa era conhecida na região como coisa ruim, ninguém suportava, batia nas empregadas, judiava dos negros e negras da fazenda, fazia o diabo com os coitados, já era quase velha e não tinha filhos, por alguma razão ela não deu herdeiros para o Fazendeiro que vivia se lamentando pelos cantos ou choramingava quando tomava umas doses de aguardente acompanhado de alguns capatazes e negros da fazendo no engenho velho.
          Durante algum tempo o Fazendeiro teve uns relacionamento com algumas negras da fazenda, mas nenhum filho tinha lhe puxado, então nem cogitava levá-los para a casa grande, sua imensa casa com muitos quartos e salas que a maioria das vezes ficava vazia, quase não tinha parente por perto, nem visita tinha, raramente ia algum político ou padre da região.
           Sua mulher nunca ia aceitar um filho negro, um negro rondando em sua volta, comendo de sua comida, mexendo em suas coisas, logo ia levar uns cocres e beliscões e ser mandado embora sendo ainda chamado de negro imundo, filho do cão, assim era a mulher muito má que não tolerava pobres e negros.
           O que o Fazendeiro não sabia era que uma de suas amantes tinha ido embora, tinha fugido com um de seus negros que trabalhava no engenho e depois de muito tempo estava de volta, pois o negro fugitivo tinha lhe mandado de volta por causa da filha recém-nascida, ela não era filha de negro com negra, era filha de negra com branco azedo como eles diziam em referência a cor do fazendeiro que era muito branco, era quase leite azedo.
            Havia um zum-zum-zum por todo canto da fazenda e durante o trabalho no canavial e engenho, mas ninguém tinha coragem de dizer o que estava acontecendo para o Fazendeiro, até os capatazes tinha medo, pois acreditavam que se a mulher dele soubesse da história ia mandar matar a filha da negra.
            Já desconfiado o Fazendeiro convocou os capatazes e alguns negros que tinha mais proximidade, em uma roda regada a aguardente foi tentando tirar com sua experiência o que estava acontecendo e por que havia tantos falatórios na fazenda.
          Depois de algumas garrafas vazias a conversa foi ganhando um contorno diferente e a verdade foi revelada.
     - Sabe Doutor, aquela negrinha que o senhor se deitou por último, já faz muito tempo, é que ela tinha fugido com um dos nossos e como o senhor nem deu falta, nos não falamos nada e ficou tudo como estava só sua mulher é que uma vez procurou por ela, pois ela olhava para aquela negrinha com uma raiva que se pudesse matava só com o olhar. Tinha ódio dela que nem imagino se pegasse ou soubesse que o senhor se deitava com ela.
     - Então diga logo o que vocês estão escondendo, o que houve com a negrinha, digam logo essa história toda, quero ouvir. – Diz o Fazendeiro agora empolgado e desconfiado do que tinha por vir.
     - Ela fugiu com um dos nossos como lhe disse só que ela ficou grávida e teve uma filha, o problema é que essa filha nasceu quase branca e com os olhos verdes, assim como o do Senhor e o seu companheiro não aceitou essa despeita e a mandou de volta, assim ela chegou aqui de volta. – Disse um dos negros presentes.
     - Quero vê essa criança, onde ela tá, se for como vocês estão dizendo quero levar ela para morar comigo, quero criá-la na casa grande como minha filha. – Diz o Fazendeiro com um ar de alegria e exaltação.
     - Esse era o nosso medo, sabemos como sua mulher é, não gosta da gente, vive xingando, torturando e humilhando nossa gente, ela não vai aturar essa menina, vai fazer mal a ela, olha o que estou dizendo Doutor. – Diz o negro mais velho.
     - Pois quero vê essa menina agora vai lá e busca essa criança, quero falar com a mãe dela, faça isso agora enquanto bebo essa aguardente e espero. – Diz o Fazendeiro dando uma ordem e não pedindo um favor.
          Todos se olham tentando buscar alguma nova forma de tentar que isso não aconteça, mas ninguém queria contrariar o Fazendeiro, então só tinha um jeito resolver aquela questão naquele instante.
           Um dos negros saiu correndo pela a grande porta do engenho e logo depois chegou com a mãe e a criança no colo. Em uma reação lenta e desconfiado o Fazendeiro se aproximou da criança que se encontrava nos braços da mãe, alguns candeeiros foram aproximados para que o Fazendeiro visse a criança com mais exatidão.
          Após olhar com bastante cuidado e observar os traços e detalhes o Fazendeiro se convenceu que aquela menina era sua filha, até que fim tinha uma herdeira com seus traços, os outros nem fazia questão, eram negros, nem podiam pedir nada, não lhe tinha puxado nada.
          Mas aquela até seus olhos tinha puxado olhos verdes, negrinha com os olhos verdes, aquela noite não seria a mesma, por toda noite muitas aguardentes foram esvaziadas em comemoração aquela menina.
         Mas mesmo com tanta bebedeira o Fazendeiro tinha que se preocupar com sua mulher, os negros tinham razão, como levar aquela menina para dentro de casa e ainda filha de uma das negras que sua mulher mais detestava.
          Já passava da meia noite quando o Fazendeiro deixou o velho engenho e seguiu para a casa grande cambaleando e cantando de tanta alegria, os cães que vigiava o terreiro lhe receberam latindo e balançando o rabo o reconhecendo. Antes de entrar em sua casa o Fazendeiro se virou para a lua que clareava toda sua fazendo, lhe fez uma referência, deu-lhe as costas e seguiu porta adentro.

 
Léo Pajeú Léo Bargom Leonires
Enviado por Léo Pajeú Léo Bargom Leonires em 16/01/2014
Reeditado em 17/01/2014
Código do texto: T4652541
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